sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Curtas no Teatro Faialense

Cartaz do Amostram´isse
       Quem não viu, pode ver agora. Quem apenas ouviu falar, pode certamente espreitar ou perguntar como foi. Não se perde muito tempo, aliás, neste caso só há tempo a ganhar. Os filmes são de pequena duração e foram realizados em território do arquipélago açoriano.O fim-de-semana cinematográfico abre com o "Varadouro" e o "Meu Pescador, Meu Velho". O primeiro foi filmado em poucos dias pelo João da Ponte e o Paulo Abreu, veio de exibições em Londres e Paris, e, o segundo, feito pela madrilena Amaya Sumpsi, recebeu o prémio Camacho Costa no Cine Eco 2013, e demorou sete anos. Ambos possuem uma alma enorme e ainda um gosto apurado pela pulcritude dos espaços insulares. São filmes de gente apaixonada por imagens, sons, situações, pessoas. E, essencialmente, pelo mar, fascinados pelos lugares de veraneio ou pelo trabalho piscatório em Ilhas dos Açores. O cinema é, portanto, uma coisa cara de materializar, processo e técnica que leva tempo a executar, mas é, certamente, uma ideia em que vale a pena investir. Esta pequena cinematografia açoriana irá continuar a fazer o seu caminho, mas para que isso aconteça precisa muito de ser vista, divulgada, esclarecida. E, claro, que hoje é um dia favorável para iniciar a contenda, já que mais logo,à noitinha, se abrem as portas do teatro Faialense.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Mãos que Pescam

Fotografia de Filipa Alves

Poema

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-Io passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar


António José Forte in Uma Faca nos Dentes

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Convocação da Tristeza

Daqui a pouco convocarei a tristeza
junto de uma estante fria na noite
assomarei muito fumo, alguns versos e
o funny valentine


Talvez a dor ainda seja possível
esbanjarei todo o tempo da estação
sem qualquer trincheira afastarei
o temor  com a palma da mão
cuidarei  das unhas dos pés da lembrança em brasa, 
célula e choro,
pétala caída no esplendor do verão,
desolação em mim.

Ontem escrito numa parede da cidade

Todos gostamos de músicas pirosas quando estamos apaixonados.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Do Leitor

"Durante a minha vida, fiz muitas coisas que não tinha decidido fazer, e não fiz outras que tinha firmemente decidido fazer. Algo que existe em mim, seja lá o que for, age; algo que me faz ir ter com uma mulher que já não quero voltar a ver, que faz ao superior um reparo que me pode custar o emprego, que continua a fumar embora eu tenha decidido deixar de fumar, e que deixa de fumar quando me resignei a ser um fumador para o resto dos meus dias. Não quero dizer que o pensamento e a decisão não tenham alguma influência na ação. Mas a ação não decorre só do que foi pensado e decidido antes. Surge de uma fonte própria, e é tão independente como o meu pensamento e as minhas decisões. "
Bernhard Schlink, O leitor, pp. 16-17.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

70 anos de Mau Tempo no Canal

     
      Num texto ainda por ler e intitulado "O Homem Açoriano e a Açorianidade", o professor António Machado Pires  terá escrito: “A ilha em que nascemos é um eixo do Cosmos, uma pequena-pátria, um mundo de referências matriciais [...], um ponto de regresso ideal, uma Ítaca em que cada um é o Ulisses da sua própria e secreta mitologia”. Este ilustre pensador profere, amanhã, dia 21 de Novembro, pelas 19h30, na Biblioteca Pública João José da Graça, na cidade da Horta, uma conferência sobre os 70 anos da obra “Mau Tempo no Canal”, de Vitorino Nemésio. Será uma honra, uma distinta e enormíssima honra, ouvir tal personalidade eloquente e fascinante falar sobre tão afamada "obra nemesiana". 

Um Poema de Renata Correia Botelho

falhámos tudo: entregámos
os livros ao sepulcro
das estantes, ao amor

demos um colo de horas
certas, deixámos de abrir
janelas para cheirar a noite.

já nada nos lembra
que o poema só se forma
no fio da navalha.


Renata Correia Botelho, in Um Circo no Nevoeiro, 2009.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Da Poesia

              "A palavra, para existir, implica vida, vivência, convivência. Essa é a palavra do poeta. A poesia só existe quando nasce de um acontecimento existencial. Se não for assim, não me interessa. Os melhores poemas são os que nascem da vida. São os poemas que a vida engendra. O poema é o lugar onde a linguagem se transforma. O poema, para mim, é uma aventura, uma felicidade, como o amor. Não faço poesia para angariar glória, não penso entrar para a Academia, nem ficar rico. O meu poema, em geral, nasce do espanto."

Ferreira Gullar, antologia da poesia contemporânea brasileira, edição Alma Azul.

domingo, 16 de novembro de 2014

Eu gosto da tua cara contra o fundo

Eu gosto da tua cara contra o fundo
circunstancial, ocupas o espaço por onde a rua
se intromete, as tuas pernas magras no passeio
como as de um fantoche que só mexe os braços.

Ao canto uma árvore fazia sombra pequena
na desconversa. Estavas mais ou menos
a dizer: nenhum futuro neste sofrimento.
O teu melhor ângulo.


Rui Pires Cabral

Revolta


Susana Aleixo Lopes


terça-feira, 11 de novembro de 2014

A Magnólia

Ágil, estalava a tarde, lá fora
nos passos seguros de quem não tem
temor aos versos. acabara ali

o verão selvagem dos teus olhos,
aquele lugar fundo de água
e de flores onde um cão zeloso
guarda ainda uma biblioteca
e o segredo maior da tempestade.
sem dizer uma palavra,

fui fechando atrás de mim
as alamedas de Manderley,
e saí para comprar uma magnólia.


Renata Correia Botelho, in revista “Telhados de Vidro”, Edições Averno, 2009.

domingo, 9 de novembro de 2014

A Propósito de Estrelas

Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas


Adília Lopes, in Quem Quer Casar Com a Poetisa?, Quasi Edições, 2001

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Nasceu no dia de hoje há 95 anos

Sophia de Mello Breyner Andresen por Eduardo Gageiro


Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar




Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A Volta do FAZENDO


      O FAZENDO está de volta e com esta nova volta vai ter que chegar aos cem. Número redondo. Lá chegaremos, sem pressas. Com muita gente a desenhar, outras tantas a escrever, a imaginar e a fotografar. Um barco cheio de gente no mar. E há quem vá lê-lo com o nome de Fazendinho, leitura para pequeninos agentes das artes futuras. O FAZENDO agradece, coração grande. O FAZENDO talvez necessite de sementes, de deixar lastro quando os graúdos se cansarem, se é que um dia isso irá acontecer. Novembro é, portanto, o mês da sua chegada. Ou partida, talvez para muito longe. O Tom Waits, sim, esse que disse que o piano tinha bebido, cantou um mês de Novembro sem sombra, estrelas e lua, mas cá estaremos nós para alumiar esta possível escuridão, este negrume e líquida invernia por vir. Fazendo assim os possíveis e os impossíveis para chegar luminoso a cada vez mais gente. Conseguiremos? Até já.

domingo, 2 de novembro de 2014

tu que viste...

tu que viste fiordes e corais,
que chegaste das palavras
subterrâneas e do que fica
por dizer, que aprendeste o silêncio
em várias línguas e atiraste um dia
a moeda ao ar para enganar
a morte, quantos verbos
queres mais para percorrer
esta narrativa inútil?
Renata Correia Botelho, in Um Circo no Nevoeiro, 2009.