Um ano passou e com ele os doze meses
findaram. Partem assim sem querer mais nada com a gente. Continuaremos daqui a
pouco, certamente, com a energia de sempre. Poderia ter gostado muito deste ano, mas há igualmente coisas para lembrar e outras
para esquecer, semelhante a todos os outros anos. É sempre assim: desviemo-nos do supérfluo, o essencial
permanecerá. Após destrinça, ficam as leituras de poemas de Alexandre O´Neill, Sophia, Ruy Belo, José Miguel
Silva, Karmelo C. Iribaren, Leonardo, Marta Chaves, João Habitualmente, Joaquim Castro Caldas,
Emanuel Félix, Rui Duarte Rodrigues, João Paulo Esteves da Silva, o recém
desaparecido Herberto Hélder, entre tantos outros, lidos nas noites de poesia da Tascà. Segundo, as coisas boas do ensaio literário que me vieram ter às
mãos: os livros de Alberto Manguel, deliciosos de ler, sorver, assim
mesmo quando o prazer inicial da leitura se renova, ou ainda a curiosidade por
ler e ouvir o filósofo esloveno, Slavoj Žižek. Pelo lado dos ouvidos, a música, cada vez mais sons em palco e em escuta: a dupla Medeiros/Lucas no Teatro Faialense, dois
príncipes da Atlântida que compuseram um “Navio” lindíssimo de ver ao vivo ou a
ouvir enquanto se olha o mar. A presença de Zeca Medeiros na
escola, os concertos na sede do Sporting da Horta e as respectivas recensões
semanais para o Múma - Música em Março, no Tribuna das Ilhas, Ilha do Faial.
Ainda o maravilhoso concerto de Mbye Ebrima na Academia das Artes, em Ponta Delgada , Ilha
de São Miguel. E também a audição da música de Dan Bejar,
vocalista dos Destroyer, Selah Sue, Rodrigo Amarante e o surpreendente Benjamin
Clementine. A publicação de dois poemas no Capítulos B, uma colectânea de
poesia organizada pelo Luís Andrade com poetas a residir nos Açores. Os poemas eleitos para constar da súmula foram: “Uma
Mulher em Férias é Bonita” e “A Melancia no Feno da Páscoa”. Este foi o ano em
que voltamos a apresentar três capítulos (Ginecomagia, Tarantoterapia e Enomátria) das “Charlas Quotidianas do
Doutor Mara”, postos nas tábuas do “palco” do Auditório ao Ar Livre da
Biblioteca Municipal da Horta com as interpretações de Tiago Vouga e Aurora
Ribeiro, replicando a representação por mais duas vezes para uma audiência de
150 pessoas. Foi também o tempo em que o cinema regressou ao ecrã do computador ou à televisão, por isso recorde-se "Nebraska", de Alexander Payne, "The Kid", de Charlie Chaplin, "Sinédoque - Nova Iorque", de Charlie Kaufman ou a curta-metragem "O Triângulo Dourado", de Miguel Clara Vasconcelos. Deve-se também guardar na memórias as viagens e as paisagens do Vale das Furnas, em São Miguel, o Vulcão dos Capelinhos e a Baía
de Porto Pim, na Ilha do Faial, e a Fajã Grande, na Ilha das Flores. Por último, o maravilhoso jardim António Borges, em Ponta Delgada, que
o funcionário Paulinho me deu a conhecer nas suas árvores mais do que
centenárias, frondosas e vistosas – jacarandás, plátanos araucárias, bambu preto da China, figueiras australianas, eucalipto-limão, entre tantas outras. Tudo o resto é do domínio do indizível. Um feliz 2016!
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Prémio Melhor Biobibliografia do Ano
"Num livro
repleto de pormenores tão deliciosos quão arriscados, o jovem poeta Leonardo
(n. 1993, Ponta Delgada) resolveu incluir uma bio-biliografia [algum motor]
onde cabem amigos, leituras, influências culturais de ordem diversa. Tem tanto
de bibliográfico como de agradecimento, este momento mor que termina assim: «as
ruínas da casa primeira, o cavaleiro do apocalipse que regressa / ao império em
chamas, mãe / e demais amigos e entidades e gratidões e artes e perícias e
equívocos, / cegos, reordenados, parafraseados, orbitando, noite: / oxi oxi, eu
bem sei que erro // (2013-2015) // ab imo pectore, // leonardo». A edição de
âmbula [: pés, punhos, tórax: manicómio/manicórdio] (Outubro de 2015) coube à
Companhia das Ilhas. Só ficamos a saber quem é o autor quando chegamos ao fim.
Bom e estranho livro."
Henrique Bento Fialho
Daqui http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
Pela Tardinha...
"Pela tardinha, reunimo-nos e passeamos pela cidade, procurando os caminhos em que a cidade não nos atropela nem oprime. Entramos amiúde num café, porque nos cafés livramo-nos e escondemo-nos um pouco do injusto e do precário. Destino que nos persegue em casa e na rua. Se nos tempos de Caim tivesse havido um café discreto e dissimulado como estes que a gente escolhe, ter-se-ia até podido esconder olhar daquele olho tão implacável."
Ramon Gomez de La Serna
sábado, 26 de dezembro de 2015
O Dia Mais Curto pelo 9500 Cineclube
"CÓDIGO POSTAL -A2053N" de Pepe Brix |
"Raimundo" de Paulo Abreu |
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
Aguda Melancolia
Quando visível em diagnóstico
a aguda melancolia
Foste tu, declarante, a decifrar
em sinal de comovente provocação
o riso frágil e o cigarro posicionado
eras o rosto, o indicativo prenúncio
enquanto porto de abrigo da denúncia
Esfinge em mágoa pronunciada
laço de elevada satisfação adquirida
talvez do domínio da química
o teu lenço e a dúvida a saber
porque partem as cigarras em silêncio
quando lamentas a ausência de calor?
sábado, 19 de dezembro de 2015
Um dia para comer e beber em PDL
O dia começa cedo em Ponta Delgada e, ao cimo da bonita rua D´Agoa, fica o
Café “3/4”, antigo Caziff, especialista em diferentes tipos de comidas ligeiras
e sopas, sendo os pequenos-almoços recheados de bolos lêvedos, compotas, e
outras iguarias que propiciam conversas saborosas e demoradas. Algum tempo mais
tarde, procurar-se-á no centro da cidade um circuito de restaurantes mais
sugestivo quando a fome ou a sede apertam. É uma cidade que só terá a ganhar se
for cultivado o requinte e a diversidade gastronómica, podendo-se mesmo afirmar
que granjeará bons clientes se houver de tudo e para diferentes gostos. Há,
portanto, uma mediana oferta, ainda que variada, com várias opções para
diferentes carteiras bem ou mal recheadas. O roteiro para o almoço pode ser
inicialmente confirmado com uma ida ao Restaurante “Mané Cigano”, lugar
tradicionalmente composto por pratos de peixe e com um ambiente bastante
intergeracional e popular, no seu lado mais justo do termo. Da sua oferta
gastronómica reina o prato de chicharros fritos, mas é essencial provar o polvo
guisado ou o bonito. A acompanhar, como sobremesa, deve-se comer uma queijada da Graciosa. Uma visita de seguida ao jardim António Borges, composto
por uma grande diversidade de árvores centenárias, poderá ser útil para alargar
os conhecimentos de botânica e abrir o apetite para o que virá a seguir. Se
acertar no dia e, quiser ver um jogo de futebol, especialmente do Sport Lisboa
e Benfica ou do seu clube contra este, aproveitar para conversar, beber,
petiscar e até mesmo cantar em uníssono hinos alusivos ao seu clube de eleição,
esse lugar dá pelo nome de “Travassos”, ali na rua Dr. Guilherme Poças. Um
espaço onde se sente e se vibra com as cores rubras do “Glorioso”, fazendo-se este
imediatamente notar pela variedade de petiscos expostos ao longo de uma mesa. Na
antevisão do jantar e, dado que o dia já foi longo e robusto, o melhor é mesmo
preencher o estômago com uma pizza “Caprese” no restaurante a “Forneria”, um
lugar que, para além da qualidade dos pratos de origem italiana num forno bem
micaelense, recebe os clientes de forma cuidada e atenciosa.
Rua do Colégio: Uma Rua Bonita
Ilustração de Hiomar para artigo publicado na edição do Fazendo 104, intitulado "Rua do Colégio: Uma Rua Bonita".
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Verónica Melo: Arte Salina!
O
Festival de Artesanato “Prenda” iria fechar portas daí a instantes e Celina da Piedade ensaiava com a sua banda os temas musicais para as horas seguintes. E enquanto as
pessoas passavam pelos expositores, os músicos afinavam ritmos e instrumentos
de cordas. As oficinas decorriam a bom ritmo e por ali havia uma cadeira vaga para
escutar o prenúncio das canções bem como distrair quem se encontrava
concentrado a efectuar desenhos e linogravuras, sem ter noção do que se estava
a passar. A oficina resultava em trabalhos finais e, Verónica, que ministrava a
oficina pacientemente, ia incentivando quem chegava a participar, denotando uma
facilidade em tornar as imagens úteis e funcionais para quem se encontrava em
dificuldades ou sem grandes soluções criativas. A oficina terminou e Verónica
não se ficou por ali, pois quis oferecer parte do trabalho a quem por lá estava,
resultando deste modo a curiosidade. Quem é esta artista?
Verónica Melo nasceu na Ilha de São Miguel, em 1990. A
criatividade pertence-lhe e sabia que depois de terminar o seu curso na
Faculdade de Belas Artes, na cidade do Porto, o mundo podia ser possível a meio
do atlântico. Arriscou.Verónica gosta muito do mar e por isso de imediato se pôs a fazer ilustração científica, pois sabe que uma das riquezas das Ilhas dos Açores passa pelo fauna e flora existente. Sendo hoje exequível trabalhar e criar a partir das ilhas
para todo o mundo e para isso basta ter as ferramentas e tecnologia ao seu
alcance. Ela vai tendo, por isso, convites para trabalhos no exterior e continuar a
desenvolver um trabalho constante para “Os Amigos dos Açores” e dar resposta ao que vai aparecendo pela ilha verde, caso do último Walk and Talk em que realizou uma "Oficina de Carimbos". Entretanto, a artista plástica esteve na Louvre Micaelense a dar mostras das
suas gravuras tal como foi fazendo carimbos para “embrulhos” que vão brotando da suas mãos e imaginação. Uma pergunta impõe-se: o que virá a seguir?
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
Fazendo 104
O número 104 do Fazendo que acaba de sair em Dezembro já se encontra online: (https://issuu.com/fazendofazendo)
A edição do boletim cultural, com sede no Faial e distribuição nas Ilhas Terceira, São Miguel e Pico, tem as capas do artista gráfico Gonçalo Cabaça e ainda muitas páginas dedicadas à actividade cultural e científica existente no arquipélago dos Açores. Boas leituras!
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
Ler e Conversar
Está ali sempre sentada. Basta-lhe uma mesa livre e sossegada numa
biblioteca pública sempre actualizada. Ela senta-se e, tal como numa silhueta
próxima das “Meninas”, de Velasquez, fica quieta a ler. Quem a vê, julga que está perante uma imagem muito antiga, parece avistar uma pintura de
um quadro de um século remoto, uma fisionomia singular ou parecença de um vulto
de um outro tempo. Não que ela queira ser avistada, ou que use as leituras para
se afirmar, mas sim porque aquelas leituras são o sinal da sua existência, a sua
vitalidade enquanto ser pensante, existente. É como se ela estivesse ali a cumprir uma função, por vezes
parece incumbida de uma missão ou no alcance de um desígnio maior para uma vida
rica e sábia. Vê-la ali a ler é
deveras um privilégio, pois são raras imagens com esta força, com esta subtil
presença. Uma leitora ávida numa biblioteca, só pelo gosto, pelo prazer de ler. Não há
bolsas para leitores mas, depois de vê-la tantas vezes a ler, bem que podiam
muito bem existir e que ninguém levaria a mal se ela a tivesse, se ela pedisse. Ela lê mais que
qualquer um de nós, ela já leu o que nós nem sonharíamos alguma vez ler e por isso
devíamos ter orgulho nisso. Nós, pobres leitores. Esta leitora lê tudo: jornais, livros, revistas,
boletins, anúncios e o que mais houver para ler. A esta leitora tudo lhe
interessa e por isso a vida continua, mesmo que o tempo ou a juventude arrogante diga o contrário. Descobrir
assim uma leitora é reviver o prazer inicial da leitura. A curiosidade não tem
fim. Esta leitora lê em silêncio, a maior parte das vezes numa mesa sozinha, com
os seus apontamentos, as suas notas, os seus provérbios, os seus pensamentos, a leitura em modo voraz. Tem nome de
flor e os seus cabelos parecem ondas de mar revolto, agitado, num rosto cavo,
frágil e umas feições que acusam o passar do tempo. As suas rugas contam muitas vidas, muitas histórias. Ela foi professora a vida inteira, daí que não possa perder tempo
com minudências, com coisas sem importância. Ela diz mesmo: “O que eu gosto
mesmo: ler e conversar”. Sem mais.
Mbye Ebrima: a Kora Inebriante!
Acabou
Novembro, findou musicalmente da melhor maneira. E com ele foi tanta música
pelo espaço sideral embora, bastou por isso ver o músico gambiano, Mbye Ebrima,
a tocar a sua Kora na Academia das Artes no Festival “O Mundo Aqui”, organizado
pela AIPA. É bom, maravilhoso até, comer as comidas de países com gentes que
vivem e trabalham por cá. É mesmo muito bom, desfrutar da cachupa, do sushi, da
chamussa, beber um grogue, provar uma caipirinha, degustar uma sobremesa como o
bolo de coco ou uma cocada, saborear tanta gastronomia variada. Sabe bem, sabe
sim senhor. Apreciar a mistura, reconhecer a nossa história comum, as
diferenças que ainda existem e que em estado harmónico progridem. Conceber,
portanto, essa hipótese de um património conjunto. Ao mesmo tempo viajar com os
maravilhosos sons extraídos da kora de Mbye Ebrima, sempre com o seu riso, a
sua altura e figura esfíngica, os seus apelos à paz e ao amor, juntando com ele
no final Alexandre Gualdino, músico cabo-verdiano, sabendo que aquele momento
terá sido único, para mais tarde recordar, ainda que preparando o espaço e o
tempo para a doçura cálida do canto de Vânia Dilac, com nova companhia e visual.
Esta é a mistura que une, não a guerra, a música que é arte e que é fértil, que
fecunda a esperança de um mundo outro, possível na sua diferença e diversidade,
expressa por países e lugares tão distintos – Cabo Verde, Brasil, Moçambique,
Portugal, Açores - enfim, a memória e a liberdade de um entendimento possível
pelo canto e pela barriga. Assim seja.
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Dario Fo pelo Teatro de Giz
Um bairro que se revolta; uma
casa de operários que desencolhe à medida que se expande a consciência
colectiva dos seus moradores; uma comunidade que recusa a injustiça da pobreza
e compreende a força da sua união.
Uma sala de teatro pode ser palco
de uma revolução? A interrogação pode ser o motor da mudança, sim, e é essa a
proposta do Teatro de Giz neste seu regresso aos palcos. Luciano Amarelo, o
encenador convidado para nos ajudar a construir esta nova produção, criou uma
espécie de jogo de espelhos que reflectem (sobre) a realidade do nosso País, da
Europa e do Mundo; uma realidade que vem da rua, que por sua vez invade o
teatro, que por sua vez está também na rua. Não se Paga!, Não se Paga!, o texto
original de Dario Fo a partir do qual nasce este novo trabalho do Teatro de
Giz, mantém-se actualíssimo - apesar de ter sido escrito há mais de quarenta
anos -, tanto na ambição de defender os mais frágeis da sociedade como na
lucidez de o fazer através da comédia. Porque o riso, como disse o próprio
Dario Fo, liberta o homem do medo.
Texto pelo Teatro de Giz, Ilha do Faial.
"O riso. Sempre o riso. Quando uma criança nasce, os pais não descansam até conseguirem provocar-lhe o riso, fazendo-lhe caretas. Porquê? Porque o momento em que ela ri significa que a inteligência nasceu. Significa que ela soube distinguir o verdadeiro do falso, o real do imaginário, a careta da ameaça. Significa que ela soube ver para além da máscara. O riso liberta o homem do medo. Todos os obscurantismos, todos os sistemas ditatoriais se alicerçam no medo. Assim, toca a rir!" - Excerto da uma entrevista de Dario Fo ao L'Express, em 2006.
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