Fotografia de André Almeida |
domingo, 31 de dezembro de 2017
Cineclube Octopus: o Quadrado a Fechar 2017!
De
volta ao norte, à cidade atlântica de seu nome Póvoa de Varzim, hoje,
sossegada, longe das catervas de gente em passeio dito alegre, afastada desse
estio com praias repletas de gente em veraneio, a paisagem agora parece outra.
É uma cidade líquida, com chuva, frio e uma calmaria interior que se instaura.
Por isso há passagem pelo renovado Cine Teatro Garrett para espreitar a
programação do Cineclube local pertencente ao “Octopus – Grupo de Investigação
Científica e Animação Cultural”, que com este ano novo que se anuncia celebrará
40 anos da sua actividade ininterrupta, percorridos por diferentes gerações que
souberam prestar serviço público na divulgação da ciência e das artes que mais
gostavam. E, para quem por aqui andou nos idos anos 90 do século passado, sente
nisso uma enorme admiração, o orgulho de já lhe ter pertencido e, entretanto,
reparar que pouco ou nada mudou neste espírito subjacente à sua acção. A isso
acrescente-se uma programação cuidada e actual na escolha dos filmes e ainda um
espírito cineclubista digno desse nome. Basta ver a lista de filmes do mês de
Dezembro, que começou logo com “A Fábrica do Nada”, de Pedro Pinho, uma
película portuguesa galardoada em muitos festivais por onde tem passado,
seguiu-se a longa-metragem dos irmãos Safdie “Good Time” (Quem ainda se lembra
de “Vão-me Buscar Alecrim”?), depois veio “O Outro Lado da Esperança”, do
finlandês Aki Kaurismäki, e, por fim, o vencedor da edição deste ano do
Festival de Cannes – “O Quadrado”, de Ruben Östlund. Este último com a sala
praticamente cheia, caucionada pela qualidade de uma projecção cinematográfica
irrepreensível.
Relativamente
à premiada obra de Ruben Östlund, apelidada com o curioso título de “O
Quadrado”, podemos concluir que se trata de um filme deveras instigante,
dilemático, e, porque não dizê-lo, inteiramente hodierno. Logo para começar,
vê-se que é um filme atento e "observador" da arte dita contemporânea e da influência social que gira em
torno do mercado da arte e dos seus fiéis seguidores. A trama gira, portanto,
em torno de um curador bem sucedido que no decorrer da preparação de uma
exposição se vê espoliado da carteira, telemóvel e botões dos punhos do avó à
saída do metro. Este acontecimento aparentemente perturbante irá funcionar como
bola de neve para novos episódios que se sucedem em catadupa não permitindo ao
espectador respirar. Aqui entram, pois, os diálogos dilemáticos de Ruben
Östlund, nada é dado como garantido e as certezas vão sendo lentamente postas
em causa, aproximando-se do caos e da permanente tensão até à alucinante cena
que ocorre durante o jantar de apresentação.
Este
filme, por sinal sintoma e expressão de uma Europa polimorfa e diversa,
atente-se na origem e feições faciais dos actores e actrizes, deveria ser
motivo de orgulho a presença dum cineasta que interroga as convenções, põe em
causa a redoma em que vivemos e permite-se inclusive duvidar do "lugar de
onde cada um de nós fala", convocando-nos para uma reflexão sobre o
"outro", porventura, aquele que excluímos dentro de nós. A parte final
é reveladora dessa humanidade que tarda em chegar, esse reencontro connosco que
só assume clareza pós a queda e onde não nos devíamos esquecer do princípio que
nos devia reger: a dignidade. É essa dignidade que não precisa de nenhuma
figura geométrica para se demonstrar, melhor dizendo, do lugar onde estamos nem
sempre nos é permitido qualquer redenção!sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
Noite de Poesia na Tascá
Poema
Um
dia hei-de ver se me levanto cedo
para
apanhar o mundo de janelas fechadas,
a
relva molhada cheia de gotas de água,
as
bicicletas dos operários suburbanos,
o
bafo dos burros das carroças de couves,
e
o último poeta, coberto de orvalho,
trazendo
um soneto e a noite em claro,
o
último candeeiro iluminado.
(Um
dia hei-de ver se me levanto cedo,
após
uma noite sem silvos e asas,
sem
tubos de aspirina e momentos de febre)
Um
dia hei-de ver se me levanto cedo,
hei-de
ver se me estudo sob a luz primeira
e
se me lembro do meu riso de pequeno,
quando
me faziam cócegas no pescoço...
Da Criatividade
«O adulto criativo é a criança que sobreviveu»
Ursula K Le Guin, in Revista LER, Dezembro de 2017
Lavoisier: O Direito de Transformar
Sim, é verdade, houve entrega e deleite na atuação
ao vivo dos Lavoisier na Galeria Arco 8 deste passado sábado. Um guitarrista e
voz (Roberto Afonso) e uma cantora (Patrícia Relvas) trouxeram a tradição e a
experimentação pela segunda vez que se apresentaram ao público micaelense (a
primeira vez foi na terceira edição do Burning Summer Festival, em Setembro último).
O duo apresentou-se em palco com a segurança de quem sabe que cada concerto é um desafio e que o público insular pode ser gelo que derrete sem se ver. A assistência, cerca de setenta pessoas, esteve concentrada e curiosa durante hora e meia de espectáculo. Por sinal, houve logo uma sensação de reconhecimento imediato do reportório que nos remete para outras vozes e outros tempos, essa identificação precoce de um imaginário popular, colectivo, bem português. O tema “Senhora do Almortão”, entoado com versos diferentes em cada região, serviu de mote para começar e, quase no final, dar por concluído o concerto evidenciando, assim, o modo recreativo patente no processo da banda. Após a audição desta ousada proposta musical, o modo e o jeito como são (re) interpretadas estas canções, é que se percebe a garantia e relevância deste projecto que se quer criativo e transformador.
O duo apresentou-se em palco com a segurança de quem sabe que cada concerto é um desafio e que o público insular pode ser gelo que derrete sem se ver. A assistência, cerca de setenta pessoas, esteve concentrada e curiosa durante hora e meia de espectáculo. Por sinal, houve logo uma sensação de reconhecimento imediato do reportório que nos remete para outras vozes e outros tempos, essa identificação precoce de um imaginário popular, colectivo, bem português. O tema “Senhora do Almortão”, entoado com versos diferentes em cada região, serviu de mote para começar e, quase no final, dar por concluído o concerto evidenciando, assim, o modo recreativo patente no processo da banda. Após a audição desta ousada proposta musical, o modo e o jeito como são (re) interpretadas estas canções, é que se percebe a garantia e relevância deste projecto que se quer criativo e transformador.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Do Alexandre, o Alma Grande...
Ontem, sem me dar conta, era o seu aniverário. Se fosse vivo, Alexandre O´Neill faria 93 anos de idade. Era um grande poeta, um verdadeiro amante na arte de bem tratar a língua portuguesa. Pensava, inclusive, que o feio devia ser motivo de burilação até forçar o aparecimento do belo. Estranhamente trabalhou a vida inteira enquanto publicitário. E, ainda sem que tivessem publicitado a efeméride, fui à procura da sua biografia literária escrita pela Maria Antónia Oliveira. Encontrei o livro com dois preços de saldo e o livreiro, um homem deveras simpático, amante dos livros e das letras, disse-me que levasse aquele que tivesse o preço mais baixo. A senhora da caixa ainda me agraciou a propósito da compra em época natalícia: "É claro que é para ler e não para oferecer." E, certamente, que é de leitura que se trata...
domingo, 17 de dezembro de 2017
Agenda Louvre Michaelense
Fotografia de Carlos Olyveira |
Petar Šćulac desenhou, ilustrou, e imaginou, também ele, uma ilha. Ouviu muito sobre esta ilha que ele julga ser sua. Uma ilha, porventura, real e a outra imaginada, que talvez possa existir na sua imaginação. E depois há o Vítor Bilhete que aqui nasceu, cresceu e aqui vive e, por isso, conta histórias do que existe, daquilo que devemos preservar, sobretudo do que é belo e permanece, isto é, sobre o que é relevante cuidar. Há também contos de viagem do Tiago Melo Bento que surpreende pela onosmática pessoal dos títulos. É uma agenda para anotar os compromissos, escrever sobre os assuntos que nos ocupam os dias, tomar notas ou simplesmente rabiscar o que de mais significativo aconteceu ao longo de uma jornada, de um mês, de um ano. É uma agenda que contém uma ilha dentro, que pode muito bem ser esta ou, quem sabe, a outra que julgamos trazer dentro de nós.
sábado, 16 de dezembro de 2017
Grotta - arquipélago de escritores
Está já na livraria Solmar e é o número dois desta revista intitulada - Grotta, arquipélago de escritores, dirigida por Nuno Costa Santos e a coordenação editorial de Diogo Ourique. Este número tem conto, crónica, ensaio e poesia e consta também uma entrevista a Eduíno de Jesus, a Literatura de Porto Alegre, a Antologia Poética do irlandês Ken Smith, traduzida por Hugo Pinto Santos, uma Carta de Tiago Melo Bento e, caso de indignação geral, a correspondência epistolar entre Janeiro Alves e Doutor Mara, entre tantas outras coisas por ler e descobrir. A revista conta com mais trezentas páginas e tem o preço de venda ao público de 14 euros. Desta feita, vem ilustrada com o trabalho de dois artistas plásticos conceituados cá da praça: Paula Mota e João Decq. A ler antes de fechar o ano de 2017.
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
Uma Missiva Para Janeiro antes de 2017 ir completamente para o Galheiro
Caro
amigo Janeiro,
Agradeço-lhe,
muito sinceramente, o cuidado e atenção epistolar evidenciadas dado que só o voltarei
a ler em Fevereiro. Escrevo-lhe, pois, esta missiva antes de 2017 ir
definitivamente para o galheiro. Sei o quanto aprecia as festividades e a
respectiva quadra, muito embora alguém jamais o tenha visto vestido de Pai
Natal ou a comer alguma sandes de rena mal passada com tons de vermelho. Do
mesmo modo, que ninguém sabe onde é que o nosso amigo pára por esta altura ou
mesmo conheça o seu real ou imaginário paradeiro. Será que é caso sério para que as altas
instâncias do estado português possam averiguar? Houve, entretanto, algum fundo que lhe tenha
sido atribuído para que pudesse desaparecer ou viver à grande sem que ninguém
se tivesse apercebido?
O
que é um facto é que também eu irei para fora cá dentro, tenciono assim
acender a lareira apenas quando soarem as doze badaladas pois não quero
desperdiçar os pequenos troncos e insignificantes brasas que ainda possuo. É minha
intenção dedicar o serão a ver o filme "Não
te Mexas, Morre e Ressuscita”, do realizador russo Vitali Kanevsky, certamente imbuído de
algum espanto e perplexidade. Por essa altura, julgo receber em meus aposentos, sobretudo para uma discussão que se pretende acesa, o crítico francês Jean Marie
François, a minha amiga e actriz russa, Elena Romanova, o operador de câmara
sueco, Rob Förlund, o realizador polaco, Gyorgý Rossinsky, ou, ainda por
confirmar, a presença da antiga deputada italiana, Anna Pescara. Nenhum dos convivas
reconhece o que é um prato de “roupa velha”, o que será uma completa surpresa
na degustação deste opíparo repasto que terá muita discussão cinematográfica à
mistura.
Malgrado que o meu amigo Janeiro se
irá escapulir pelo mês homónimo adentro e, por isso, já tremo e suo como varas
vergadas só de ressacar pelas suas ternas e delicadas missivas. E logo agora
que nos encontramos a viver os melhores anos das nossas vidas, o momento em que
estouramos com todos os indicadores económicos já que todos afirmam o que seria
de todo impensável para este povo sem grandes hábitos de leitura – “somos os
novos nórdicos da Europa”. Conseguimos assim transformar as nossas fraquezas em
inacreditáveis forças pois quem diria que iríamos colocar uma parte
considerável da Europa, dita rica e avançada, a rapar e lamber pratos de migas e
açorda, esses manjares associados à austeridade alentejana, isto é, lusitana.
Deste modo, despeço-me do meu caro
amigo com a certeza de que tudo irá correr como o previsto e, caso não aconteça este milagre económico tão almejado, espero que pelo menos nos possamos encontrar numa
dessas fajãs da costa mais ocidental da Europa para continuar a preparar as
mais que aguardadas conferências, impossíveis de parar dada a minha
inconcebível teimosia.
Com
a mais forte pujança dos abraços e a riqueza das favas por desencantar,
Seu
querido e mui estimado amigo,
Doutor Mara
Searas e Vindimas
Eles eram um
casal, Vítor, e tu protestaste ao vento. Inclusive quiseste deslocar os
girassóis contigo. Provavelmente pretendias que fossem contigo ver o milho
fértil dos campos fecundos da tua ilha. Esperaste demasiado até descobrirem as
acácias. Estamos mal combinados para largar de viver. E, no entanto, sonhamos
com searas e vindimas. Eu sou do tempo fixo, imóvel, daquele que engrossa as
marés e por isso não me canso deste despistado olhar sobre o horizonte. Agora
pagamos a virtude do voo das abelhas, quase enriquecemos com o seu pólen vagabundo. Ainda cansados vociferamos contra as invasões dos bárbaros modernos, pois
julgamos assim ter encontrado um sítio inabalável ao entardecer.
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
A Natalícia Missiva de Janeiro Antes do seu Regresso em Fevereiro
Amigo Doutor Mara,
Espero que esta carta invernal
lhe aqueça o coração, ao proporcionar-lhe uma leve comoção própria dos dias
mais subterrâneos, onde nos tornamos mais sensíveis aos pequenos prazeres da
existência. E é assim que sem precipitações e empurrados pela fulgurância do
tempo, entrámos no pré-Natal, época de catarse consumista e histeria familiar
embrulhada em lacinhos vermelhos, que irrompe pela doce letargia invernosa
fechando o ano tal como ele começou, num movimento circular. Não poderia deixar
de lhe escrever, tendo em conta que preparo já a minha habitual retirada de
Janeiro, pelo que é muito provável que só tenha notícias minhas em Fevereiro,
se até lá não for atacado por ursos. Este ano escolhi precisamente um local
onde pudesse evitar o confronto com animais de grande porte, mas já se sabe, o
azar persegue e esconde-se à espreita… Como também é já habitual, não poderei
revelar-lhe nesta fase onde irei estar em Janeiro, pois apesar de depositar uma
sólida confiança em si, desconfio que possa estar a ser observado por forças
antagónicas (não entre si). Tendo em conta as peculiaridades do meu destino,
seria necessária uma improvável combinação de factores para que lhe pudesse
escrever de lá. Por isso já sabe, se lhe escrever em Janeiro será certamente
uma carta extraordinária, algo inusitado no espectro da literatura epistolar.
Mas voltando ao Natal, gostaria
de fazer uma pálida ideia que fosse de como tenciona passá-lo, se sozinho ou em
companhia, se debaixo de umas palmeiras a beber Martini Bianco com azeitona ou
na lareira a embriagar-se com vinho barato e a contar histórias
marítimo-turísticas, se engalanado com asas de grilo e calças vincadas ou de
fato de treino da rebook, se dedicado
à leitura, se a cantar, se a fazer danças africanas numa casa de pasto, enfim…
pode-me dizer sinceramente, pois vindo de si já nada me surpreende - à excepção
de algumas situações. Espero acima de tudo que consiga o bolo-rei do ano
passado (em termos de qualidade, diga-se), para que possa juntamente com os
seus, encetar o habitual e extenso elogio aos mestres pasteleiros, poema de
exaltação familiar e momento alto da sua noite de consoada. Na impossibilidade
de lhe enviar os habituais filetes de peixe, remeto-lhe em ambiente
acondicionado uma garrafa de Macieira e outra de Raposeira, já a contar com o
Natal e a passagem de ano se não houver lugar a alarvidades.
Quero-lhe afiançar que o Doutor
Mara é o meu único amigo, fora aqueles mais chegados e um ou outro que ainda
não conhece, e que nutro por si uma grande admiração e respeito. Por si não
rebolaria com uma vara de porcos na lama de uma pocilga, mas interromperia
imediatamente um almoço da “Confraria dos Excursionistas de 86” para o ajudar
no que fosse preciso. Apesar de tudo, o ano que agora balança no fio da navalha
leva consigo algumas tensões que de certo modo deterioraram a nossa relação.
Quero portanto aqui deixar o desejo de que o ano de 2018 nos traga um
entendimento mais profícuo e o apetecido sucesso internacional das Conferências
da Fajã. Para que isso aconteça, basta que o Doutor Mara acabe de vez com essa
sua teimosia.
Com
espírito natalino e cristalício,
Janeiro Alves
Três Poemas de Judite Canha Fernandes
lista de coisas que se podem obter sem dinheiro
imaginação
ar
sonhos
lixo
afecto
dignidade
e orgasmos
Síntese
fui à televisão ver
se o mundo tinha mudado.
assisti a vinte minutos de publicidade
Olhamos por si
as novas formas de deus
incluem
a videovigilância
in "O mais difícil do capitalismo é encontrar sítios onde pôr bombas", Setembro, 2017.
imaginação
ar
sonhos
lixo
afecto
dignidade
e orgasmos
Síntese
fui à televisão ver
se o mundo tinha mudado.
assisti a vinte minutos de publicidade
Olhamos por si
as novas formas de deus
incluem
a videovigilância
in "O mais difícil do capitalismo é encontrar sítios onde pôr bombas", Setembro, 2017.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
A Melhor Juventude de Marco Tullio Giordana
“Eu devia ter percebido mas não percebi nada. Talvez não seja verdade e eu tenha até percebido mas foi como aconteceu com a Giulia. Eu podia tê-la impedido. Em frente da porta. Ela virou-se e ainda olhou para mim. Eu fechei a porta e apaguei tudo. Agora, nada resta. As escadas da sua casa, a serradura no chão, os livros no chão, a porteira…Eu devia tê-los impedido. Amava-os aos dias mas não fui capaz de aprisiona-los nesse amor. Era a minha ideia de liberdade em que cada um tem o direito de viver da forma como lhe apetece.”
in “A Melhor Juventude” de Marco Tuglio Giordana
Três Poemas
Poema Um: a Curiosidade
Soube que estava por ali alguém
que se interrogava
na tarde envelhecida
Enquanto teimavas acender
um raio na faísca da noite
observavas atento
uma beleza renascentista
uma súbita indagação
A inclinação pela abstração
o saber, a dúvida,
a dilatação do dia
a atracção dos corpos
benigna inquietação
daqueles maracujás
em silêncio.
Poema Dois: A Imobilidade
A corda soltou-se do novelo
preso à distância de um gesto
Dir-te-ia agora frágil
locomotiva parada
demoro-me entretanto
Houve uma promessa
verbos oriundos de súburbios
em disputa
idiomas dispersos
adormecidos
Poema Três: Competência Social
Foges
qual cetáceo em fuga
permaneces embriagado e choras
a ternura comovida
à espreita
chega de gestos temidos
gorgulhos de falsos viajantes
criam-se raízes em portos
que se afastam devagar
nos pulmões da solidão
e retiras-te da promessa
eterna
de um corpo em trânsito.
Soube que estava por ali alguém
que se interrogava
na tarde envelhecida
Enquanto teimavas acender
um raio na faísca da noite
observavas atento
uma beleza renascentista
uma súbita indagação
A inclinação pela abstração
o saber, a dúvida,
a dilatação do dia
a atracção dos corpos
benigna inquietação
daqueles maracujás
em silêncio.
Poema Dois: A Imobilidade
A corda soltou-se do novelo
preso à distância de um gesto
Dir-te-ia agora frágil
locomotiva parada
demoro-me entretanto
Houve uma promessa
verbos oriundos de súburbios
em disputa
idiomas dispersos
adormecidos
Poema Três: Competência Social
Foges
qual cetáceo em fuga
permaneces embriagado e choras
a ternura comovida
à espreita
chega de gestos temidos
gorgulhos de falsos viajantes
criam-se raízes em portos
que se afastam devagar
nos pulmões da solidão
e retiras-te da promessa
eterna
de um corpo em trânsito.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
Como Navios Tristes que partem ao Fim da Tarde (1)
Sabia que ele
corria sempre para qualquer lado, parecia um pássaro ferido. Era, à altura,
professor de Matemática. Gostava de beber macieira, ingeria muito álcool e
usava uma gabardine preta. Sentávamos à mesa do café para falar sobre música.
Tinha uns olhos cor de amêndoa demasiado vermelhos, cansados, perdidos, numa
cute bastante morena. Nunca soube porque conversava comigo. Provavelmente, devia
ser porque ouvíamos os mesmos grupos da new
wave apesar da diferença de idades. "És ainda um puto", dizia-me. E eu ouvia-o mais do que falava. Como
eu gostaria de voltar a encontrá-lo. Nunca mais soube nada dele.
domingo, 3 de dezembro de 2017
Ricardo Ribeiro no Teatro Micaelense: Voltar ao Sul!
Não sei exactamente de onde vem aquela voz, a origem daquele longevo eco, mas lembrei-me do sul. Lembrei-me ocasionalmente do flamenco, viajei também pelas ruas e becos de Alfama, Mouraria e Madragoa. Dei por mim a entrar nas casas de fados, a sentir o cheiro da mistura, da mestiçagem, a calcorreear os degraus e as pedras da calçada da cidade antiga. Apaixonei-me de novo pelas memórias olisiponenses e fui transportado de livre vontade para a desalmada mágoa, a paixão e vício do gosto de existir. Embalado por aquele gesto que, diga-se, julgo ser sido intenso e genuíno, rendi-me perante aquela postura e o timbre dolente daquele canto. Por instantes, o sul era um local palpável, tangível. E...era a voz de Ricardo Ribeiro que me servia de transporte.
Agradecer Basta
“É
justo e de bom-tom agradecer algo que nos dão ou um serviço que nos prestam,
por mais insignificante que este seja. Pode ser uma convenção, mas não o é
apenas: representa sempre um gesto de cortesia e de civilidade que sela uma
espécie de pacto de entreajuda entre pessoas que se entendem e respeitam. E é
também o reconhecimento do esforço do outro. Sempre o fiz e continuo a fazer,
mas o inverso – agradecerem-me por aquilo que ofereço a alguém – tem vindo
ultimamente a ocorrer cada vez menos vezes, em especial com interlocutores que
detêm uma conceção utilitarista da vida social ou têm dos outros uma imagem
instrumental.”
Rui Bebiano, in A Terceira Noite, 17 de Novembro de 2017
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Raul Brandão nos Açores
«Vinte e seis anos depois da primeira edição, o referido artigo de Pedro da Silveira num prestigiado suplemento literário, em Junho de 1953, não foi suficiente para motivar um editor - nacional ou regional - a reparar no livro, pese embora a ênfase colocada nas suas qualidades: "Não hesito em classificar as Ilhas Desconhecidas como dos maiores livros portugueses de literatura de viagens de todos os tempos da Literatura Portuguesa.(...) Ao pé disto, tudo o mais que estranhos escreveram acerca dos Açores é música desafinada. As belas páginas de Chateaubriand sobre a Graciosa, o livro dos sagacíssimos Joseph e Henry Bullar, o americano Webster, os escritos de Alberto do Mónaco, de Knud Andersen e de tantos outros podem considerar-se quase nada ao pé de As Ilhas Desconhecidas.»
pequeno excerto do texto "Raul Brandão e os Açores" de Vasco Rosa, in Revista Atlântida, 2017.
Da Ética
"Deixou de haver ética na criação artística. Deixou de haver compromisso. Deixou de haver sangue. É raro encontrar-se uma obra, mesmo de menor qualidade estética, em que se sinta a preocupação de comunicar."
José Mário Branco, in Ípsilon, 1 de Dezembro de 2017.
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