sábado, 22 de dezembro de 2018

Fotografia de Carlos Olyveira

Escrito no passado Outono

amar é tão difícil falar de amor.
soletramos plantas que não dão flor esta estação
pelo caminho pisamos as folhas que nos deixaram 
                                                                        nuas
                                      as árvores caídas no chão.


       Tiago Rodrigues in Em Maio Florimos Melancolia, Letras & Desenhos d´Angra Líquida, 2013.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Prémio Literário Revelação Augustina Bessa Luís 2018

Judite Canha Fernandes autora do romance "Um Passo para Sul"

A Arte de Caminhar

               "O Paraíso é onde estou. É precisamente o que penso quando estou em casa sentado na sala com um bom livro, a partilhar uma refeição com uma pessoa cuja companhia prezo, ou quando vou dar uma volta.
           Naturalmente, um estado de espírito tão agradável não dura muito, mesmo que aquilo que nos rodeia não se altere. Tal como um estado de espírito desagradável também não dura para sempre. A razão disto é que até a permanência de um sentimento acabará por causar uma mudança do nosso estado de espírito. As sensações de bem estar nunca são infinitas; têm de ser continuamente alimentadas de modo a manterem-se. E, de vez em quando, esses suplementos adicionais acabarão. Então temos a sensação de que alguma coisa se perdeu."
                          
              Erling Kagge, in "A Arte de Caminhar", Quetzal, 2018.

FALTA no Bolso

Fotografia de Carlos Olyveira

Verso de Sara Cruz

Está o verão encerrado

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Céu de Dezembro

Lo Difícil

Enarmorarse es fácil
Uno pude enamorarse
-sin demasiado esfuerzo –
varias veces al dia,
a nada
que se lo proponga
y se mueva un poco por ahí;
y si es verano,
ni te cuento

Enamorarse no tiene
maior mérito
Lo realmente difícil
-no conozco
ningun caso-
Es salir entero
de una história de amor.

Karmelo C.Iribaren

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Muito Obrigado, Bruno da Ponte!

Há dias despedimo-nos de Bruno da Ponte, mais um amigo que vai fazer falta. O Bruno tinha formação em Economia mas foi na área cultural a que dedicou a maior parte do seu trabalho. Bruno da Ponte trabalhou assim toda a vida enquanto editor, tradutor, jornalista, e coordenador de tantas editoras – Minotauro, Teorema ou as Edições Salamandra. Comecei, primeiro, por vê-lo na Associação Cultural Abril em Maio, em Lisboa, à altura, rua da Verónica, onde lançou as sementes de muitas coisas bonitas, entre elas uma agenda repleta de manifestos, mas foi na sua terra natal (São Miguel) que falei com ele pela primeira vez numa rua de Ponta Delgada, acidentalmente. Foi com alegria que aceitou o convite para colaborar e escrever para o Boletim Cultural Fazendo, sediado na Ilha do Faial, do qual foi sempre um leitor e entusiasta. Ele que durante anos esteve ligado a 121 publicações relacionadas com os Açores através da colecção Garajau, e, como tão bem escreveu Onésimo Teotónio de Almeida, estabeleceu uma verdadeira ponte entre o arquipélago e o continente português. O Bruno da Ponte foi um verdadeiro amante das artes e das letras e, recordo, por isso, o quanto era delicioso e instigante ouvi-lo discorrer sobre qualquer assunto ou tema literário. Saudades! 

saxofone baixo.13

o mar enrolou-se no ouvido
quando a maré vazou 
restou apenas o sal nos tímpanos
a música rente à terra 

no cimo dos telhados fumam-se cigarros
laranja da beata no tijolo
pode-se morrer de súbito aqui
o mofo abafado do silêncio toca
os velhos discos 
e é já cinza o sal dos tímpanos

pode-se chorar aqui 
de súbito 
à espera que a lua arraste a maré cheia
da música rente

dos telhados se cai no mar
não basta calar a beata é preciso afogá-la

Tiago Araújo, in Diapositivos, Quasi Edições, Novembro de 2001.

Um Verso de Ruy Belo

Não olhes o meu rosto devastado pela idade.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

...

Passo o teu nome da minha boca para este lugar de papel.
E assim tu vens, menina do rio,
louca e desastrada, nessa tua canoa de silêncios,
a entrar no poema.
Mãos em existência felina

e respirando sem pausas. Voltas a cabeça para o lado
da luz e abre-se devagar o talento incendiado 
do teu rosto.


Vasco Gato, in 47, edição do autor, 2005 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Venezia

O entardecer acende os escombros
dos vechi palazzi.
Nas águas mortas de Veneza acendem-se 
as cores, húmidos pigmentos,
podridos vermelhos, amarelos, azuis,
o deslumbrante fascínio da corrosão.

Sob a forma, a pedra exibe o quanto 
tem de corpo. Estanque albergue de paixões,
com o passar do tempo, a parcela de labirinto
que o próprio tempo esboroa.

Cárcere de ecos dissolvem a solidão,
faz ressoar nos rumores dos brindes,
o correr da cortina da noite, que sublima
na Piazza de S. Marco, os roubos,
de Alexandria e Constantinopla. 


Rui Miguel Ribeiro, Europa e Mais Três Poemas, Letra Livre, Novembro de 2017.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Roma

I.

Não falaram muito. Guardaram cada um,
na escuridão da noite de Ferragosto,
as últimas palavras.
Nas suas línguas estrangeiras cercaram
regiões. Reservas de lugares que aproximaram
de cada um a sua deriva, na festa,
na Piazza S. Lorenzo.

Um último gesto - aceno e acento final.
Que a vida, no Verão, é uma iminência
entre horários de comboios e o peso
das mochilas.

Mais tarde, sob o céu nocturno junto
ao Panteon, voltei a vê-lo:
                 -Riscava fósforos. Para acender a noite. 


Rui Miguel Ribeir
o, in Europa e Mais 3 Poemas, Letra Livre, 2007

Da Malandragem

        "O tempo querido! o bom tempo! Foi das nossas discussões sobre a Arte que estes contos nasceram...A bella vida, a vida risonha e malandra, passada assim!...Lembra-se?"
Raul Brandão in Impressões e Paizagens, edição fac-símile, A Bela e o Monstro, 2013

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

domingo, 9 de dezembro de 2018

Hálito Azul, de Rodrigo Areias, estreou no Porto/Post/Doc

“O outro é uma estreia — Hálito Azul, a mais recente aventura de Rodrigo Areias, aqui explorando a povoação açoriana de Ribeira Quente inspirado por Raul Brandão. A fragilidade do filme de Pestana vem do olhar a nu sobre uma década da sua vida; a de Hálito Azul vem da indefinição do projecto, na sua essência um documentário sobre a Ribeira Quente com “interferências” narrativas, mais conseguido na vertente documental do quotidiano insular, menos convincente nas incrustações encenadas.”
Jorge Mourinha, in Público 18 de Novembro de 2018

“Um dos filmes mais aguardados é português e o PortoPostDoc conseguiu a sua antestreia mundial. É Hálito Azul, de Rodrigo Areias, a partir de Raúl Brandão. Trata-se de um dos pontas-de-lança da competição internacional. Um grande feito do festival, sobretudo porque se trata de mais um belo triunfo do cineasta de Guimarães, aqui a viajar para Ribeira Quente, nos Açores, e a documentar com uma beleza matreira o dia-a-dia da população piscatória. Uma câmara que olha para os homens, as mulheres e as crianças com uma dignidade serena. Depois, há também um trabalho de apropriação das palavras de Brandão que não cai em clichés baratos de "poesia ilustrada"

Rui Pedro Tendinha, in Diário de Notícias, 23 de Novembro de 2018

“Hálito Azul traz elementos fantásticos que fazem parte do imaginário e do vocabulário dos pescadores, assim como apresenta elementos de ficção e de documental ao misturar situações de observação com a criação de momentos ensaiados, e nos revela, como parte da trama (trama no sentido mais próximo de costura e tecido, e mais distante da noção de sequência planejada) estes encontros entre os habitantes locais para ler as falas do roteiro. Enfim, muitas coisas podem ser ditas sobre este lindo filme, extremamente delicado e lírico, mas deixo isso pra outro artigo exclusivo a ele.”
Raquel Gandra,in Ambrosia, 24 de Novembro de 2018

“Hálito Azul é isso mesmo, um desvio ao encontro da comunidade da Ribeira Quente, em São Miguel, nos Açores, em um período crucial para o tradicionalismo de uma das suas atividades principais – a pesca. Através desse impulso, a aventura não brava os setes mares mas segue ao encontro de uma população que não esconde os seus vínculos com o Oceano, todo o seu quotidiano e atividades gira envolto desta imensidão.”
Hugo Gomes, in C7nema, 1 de Dezembro de 2018

Palindromar

Ato idiota
in Ipsís verbis, Bagão Félix, jornal Público, 8 de Dezembro de 2018

sábado, 8 de dezembro de 2018

Resposta a Janeiro Alves Antes que o Inverno Irrompa

Caro Janeiro Alves,
               Respondo-lhe no pináculo da minha popularidade, no cocuruto da minha notoriedade pois já não consigo palmilhar qualquer rua sem ser suspendido por vários transeuntes a implorar por autógrafos, selfies e perguntas sem nexo. Uma verdadeira amolação. 
Aproveito assim para retorquir a sua missiva em plena classe executiva do avião com os nervos à flor da pele, bastante perturbado até, tendo acabado por relê-la na Sala VIP do Varna Film Festival. Constato que Janeiro criticou publicamente o aparecimento do meu nome no horário nobre da televisão pública, irou-se com as respetivas loas da intelligentzia local à minha participação num folheto considerado por si de origem duvidosa, bem como denegriu, aliás, feriu de morte, a comunidade artística presente na apresentação do tão badalado opúsculo acabadinho de editar. Desta feita, pude constatar que Janeiro não suporta o glamour televisivo e cinematográfico, rejeitando de forma desmedida o universo da vernissage e do croquete. Entretanto, a recepcionista do hotel veio devolver-me o kit de banho que o meu bom amigo tinha esquecido durante o período da residência realizada em Varna, em que se dedicou à pintura na Primavera passada. Já cá mora para lhe entregar na sua próxima visita.
Fiquei estupefacto, deixe-me confessar. E, à flor da pele, aspiro tecer duras críticas a seu respeito, já que não poderia deixar de lamentar aqueles seus calções de banho com listas verticais vermelhas e uma toalha verde-alface da mais alta burguesia, decadente e dondoca, onde o meu amigo se move como uma jamanta. Imagine e, tendo em conta a nossa já longa amizade, que decidi arriscar uma entrada no mar negro com os seus rubros calções listrados. De imediato, senti-me com uma autêntica planta exótica a derreter, mirrei da cabeça aos pés e quase desapareci de tanta brancura. Certo que podia ter nadado com o meu escafandro, coisa que sempre fiz nos mares gelados, mas quis experimentar o seu kit, sentir-me à medida de Janeiro Alves, mas acabei um mês numa cama de hospital em convalescença.
Regressado à ilha, à minha bolha existencial, tenho recuperado a rotina à conta de gengibre e beterraba. Ingiro doses industriais de limão e por esse motivo não poderei estar presente na homenagem que lhe será feita pela Sociedade das Artes e das Letras, já que estou constantemente a ir à casa de banho. Foi, no entanto, com grande pesar que soube que o “Compêndio Geral de Plantas Exóticas” - obteve o galardão de “Pior Livro do Ano 2017”. Estranho, pois tinha sido informado logo nos primeiros dias por um membro do júri que iria obter o prémio de “melhor livro”. A ser assim, desconfio que alguém quisesse que Janeiro tirasse da arca o seu fato de asas de grilo, a lembrar as últimas Conferências da Fajã, e, assim, desse um novo impulso a esse trabalho glorioso em prol de prelecções futuristas que salvassem a humanidade do degredo. Por este motivo, conto dizer apenas algumas palavras de agradecimento por vídeo-conferência, enviar um emissário ao beberete e de seguida augurar que o amigo Janeiro seja levado sob escolta até Penedono, sem qualquer incidente. Aviso-lhe: eu nunca lerei o seu livro, já dei indicações precisas ao carteiro para não aceitar encomendas pois ninguém sabe o que esta pode conter. Não me leve a mal mas prefiro gastar os 25 euros na pastelaria groumet que abriu junto do meu escritório.
Concluo esta meritória missiva com um até breve pois julgo que chegou a hora de terminar com tantos enxovalhos e demais galhardetes. Talvez possamos a partir desta data partilhar este espírito natalício da rabanada e da aletria. Afinal, vivemos apenas uma vida e não quero passar a recordar os velhos tempos em que a fava e o brinde estavam prestes a irromper na próxima fatia. Que sejamos felizes com os regalos e delícias da quadra e do bolo rei.
Com elevada estima e apreço,
Doutor Mara

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

100 anos de Ingmar Bergman


          

                "Há muitos casais que se destroem na filmografia de Bergman, é mesmo se calhar o tema mais presente em toda a sua obra, o desamor que sucede sempre à paixão, a amargura que a devoção deixa no peito, tema que dura mesmo até ao fim, a esse “Saraband” terminal com que, cinematograficamente, o realizador se despediu de nós em 2013. Mas nenhum tem a turbulência essencial que “Mónica…” ressuma, como um suor amargo na refrega das febres, materializando nesse plano último em que Harriet Andersson olha para a câmara, olha para nós, a interpelar as nossas convicções e juízos. Quando a vida é madrasta, por quem nos tomamos para nos pormos a fazer julgamentos?"

Jorge Leitão Ramos, in E, Revista do Expresso, 1 de Dezembro de 2018 (imagem wikipédia)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

E depois de Amanhã há Agenda Sonho


"Somos um grupo de amigos com formações em diferentes áreas, que vive na ilha de São Miguel e que todos os anos se junta para criar esta agenda. A Agenda da Tipografia surgiu em 2014 e todos os anos é dedicada a um tema (que inclui citações das mais diversas áreas - literatura, poesia, antropologia, filosofia, teatro, populares, etc.). A sua composição envolve vários processos - tipografia, offset, serigrafia, etc. e parte do processo é manual, como a encadernação, a impressão da capa, etc.
Todos os anos procuramos introduzir pequenas diferenças. Este ano temos como tema o “sonho” e teremos uma capa impressa parcialmente em serigrafia e que vai brilhar no escuro. As nossas edições são limitadas a 750 exemplares numerados."

Amanhã há Gorgulho!

O Pasquim irrequieto é lançado amanhã, às 18h55.
O local escolhido: Tascá!

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

100 Anos de Ingmar Bergman: A Entrevista Ambicionada

Ingmar Bergman, Sven Nykvist, Erland Josephson e Liv Ullmann

«Irascível e impaciente, concordou, no entanto, em começar a nossa conversa (talvez a primeira ou única com um jornalista português) por aludir às suas funções e ambições como director da primeira cena nacional da Suécia. “Não quero ser dogmático. Não entrei aqui para reformar tudo. Sou um artista, não sou nenhuma vassoura. O que é bom deve manter-se. Recebi este cargo como se recebe um fato novo. A forma aparecerá com o tempo.” …. Na realidade, as de início muito criticadas medidas audaciosas então lançadas por Ingmar Bergman cedo começaram a surtir efeito e a recolher o aplauso geral. Ele chamou a grande maioria dos atores, encenadores, dramaturgos e diretores teatrais suecos, incluindo os intérpretes dos seus filmes, garantindo-lhes boas condições profissionais e financeiras. Libertou-os de exclusividades absurdas, dando-lhes plena autorização para aplicar o seu talento na valorização da arte e no benefício do público em todas as oportunidades possíveis. No Real Teatro Dramático ou noutros palcos, na capital ou na província, no cinema ou na televisão. Realizou teatro para crianças e estudantes em salas alugadas. Levou fragmentos do Dramaten vários pontos do país. Incluiu um reportório infinito, com as obras mais atuais e discutidas em qualquer ponto do mundo. Criou teatro a preços de cinema.
“O mais importante é a difusão do teatro e o direito do público de apreciar o melhor” – “Satisfeito com os resultados?” – perguntei. Resposta: “Nunca poderei estar contente desde que haja uma cadeira vazia num espetáculo.”.
(…). Sempre foi evidente que para Bergman a arte era um sacerdócio. Na sua opinião um artista só devia desempenhar figuras pelas quais se apaixonasse. Contrariamente ao normal, não forçava os atores a adaptarem-se sacrificadamente às personagens das suas obras. Ao criar histórias, modelava-as desde o princípio às características genuínas, mentalidade e temperamento dos artistas com quem contava. Detestava mudar de intérpretes nos seus filmes. Uma grande parte dos seus atores trabalhava com ele ininterruptamente há mais de vinte anos. “Quando trabalho num filme ou numa peça, todas as personagens se metem de tal forma na minha cabeça, que eu próprio chego a submergir nelas” – confessou.»
César Faustino in E, Revista do Expresso, 1 de Dezembro de 2018

domingo, 2 de dezembro de 2018

Cá Dentro Sou Eu que Mando

Não vislumbro qualquer veleidade em ser poeta profissional 
o cuidado do livreiro em estantes devidas
com letras em série exibidos nas livrarias
lidos por leitores com óculos de vidro de garrafa
ou outros mais expeditos a praticar comparações


O que eu sempre quis e sem qualquer tipo de redundância

é dar resposta a esta forma de me sentir à parte
afastado de qualquer verso, rima ou metáfora 
a intransigente angústia perante o inefável
fúria infinda de trazer calçado nas ruas 
uma meia de cada cor sempre comigo 
como se tivesse há muitas, muitas luas 
seis curtos e inolvidáveis anos 
o olhar incrédulo de minha mãe para gritar: 
"-Cá dentro sou eu que mando!"

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Carta Injuriosa de Janeiro Alves no Cair do Outono


Caro Doutor Mara,
               
Imagino que esta carta o encontre no auge da sua popularidade, depois do deplorável espectáculo na televisão pública, onde o seu nome surgiu ligado à libertinagem e à cultura ”imediática”, na circunstância do lançamento de um panfleto de qualidade duvidosa escrito por meia dúzia de papalvos. Imagino então o meu amigo colhendo exuberâncias desta situação plastificada, rodeado de ananáses e outros ornamentos exóticos, num estado de graça que o subjuga à tentação do sorriso artificial e dos inevitáveis tiques burgueses. No fundo, eu sei que gosta desse glamour da televisão e do cinema, da vernissage e do croquete. Não pretendendo esta carta tecer críticas a seu respeito, não poderia deixar de lamentar esta situação tendo em conta a nossa já longa amizade.
                Mas não é de facto este o motivo que me leva a escrever-lhe. Imagine o Doutor Mara que vou ser homenageado pela Sociedade das Artes e das Letras, pois esta semana fui surpreendido com o galardão de ”Pior Livro do Ano 2017” com a minha obra ”Compêndio Geral de Plantas Exóticas”. Neste momento preparo o discurso para a entrega de prémios, enquanto tiro da caixa o meu fato de asas de grilo, que já não via a luz do dia desde que o enverguei categoricamente nas últimas Conferências da Fajã perante a estupefacção geral dos presentes. Conto dizer apenas algumas palavras de agradecimento, ir ao beberete e de seguida levantar o cheque. Julgo que este acontecimento exponenciará as vendas do meu livro, pelo que este natal conto alugar a vivenda inteira em Penedono, e não apenas o quarto das traseiras com vista para a serra. Como forma de agradecimento pelos importantes contributos que o Doutor Mara foi emprestando ao meu livro, envio-lhe por correio um exemplar que poderá pagar a contra-reembolso. São 25 euros em numerário, Doutor. Não precisa de me agradecer.
                Acabo esta breve carta com um semblante de desconfiança repentina relativamente a um facto que gostaria de ver esclarecido por seu intermédio. Em Fevereiro deste ano, escreveu-me o meu amigo uma carta, em que referia ter ouvido um rumor de que eu iria merecer a distinção de melhor obra de 2017. O meu caro amigo percebeu quase tudo bem. De ”melhor” para ”pior” é apenas um pormenor de somenos. O que me intriga e me provoca um franzir de sobrolho é o seguinte: onde obteve essa informação, Doutor Mara?

Com apreensão e estima,           
Janeiro Alves

terça-feira, 27 de novembro de 2018

FALTA, Ver: no Cine Auditório da Lira do Rosário, Lagoa

FALTA, Ver:  

Ciclo de documentários com a presença do realizador Raffaele Brunetti e de Ilaria de Laurentis da produtora B&B Film.


Housing, de Federica di Giacomo, quarta-feira, dia 28 de Novembro, 21h30, Auditório da Lira do Rosário, Lagoa.



Hair India, de Marco Leopardi e Raffaele Brunetti, quinta-feira, dia 29 de Novembro, 21h30, Auditório da Lira do Rosário, Lagoa

O Céu que nos Protege

The Sheltering Sky, de Bernardo Bertolucci, 1990.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

FALTAM 3 Dias


           Assistiremos à performance da Patrícia Gabriel numa rua emblemática de Ponta Delgada - Hintze Ribeiro - no edifício da Sociedade Corretora, espaço carregado de vínculos históricos à cidade e à memória dos seus vizinhos. Esqueceremos, por instantes, a gentrificação e celebraremos as artes, os nossos possíveis ou já existentes talentos, assumir essa coisa tão frágil que é a identidade, a sua construção, sem abdicar dos costumes, da cultura local, comendo e bebendo os produtos que a terra nos oferece. Em boa verdade, vimos de muitos lugares e é dessa luz que é feito o mosaico artístico das nações, dos povos, dos locais. 
         Patrícia Gabriel agilizará alimentos à sua maneira, Raffaele Brunetti confirmará o seu cinema documental comprometido, Pedro Freire (Dj Fellini) encarregar-se-á de perambular em torno do equilíbrio sonoro, José Castelo destapará as portas do Auditório da Lira do Rosário, na Lagoa, como quem recebe amigos na sala de jantar, tornando assim os dias da FALTA inesquecíveis.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

sábado, 17 de novembro de 2018

Sol de Março sobe ao Palco do Teatro Micaelense




É hoje, no Teatro Micaelense, às 21h30, inserido no evento literário “Arquipélago de Escritores”, que se apresenta a banda de Medeiros/Lucas para mais um espectáculo da sua digressão do Outono. Em palco irão estar a voz de Carlinhos Medeiros, a guitarra de Pedro Lucas, o baixo de Augusto Macedo, a bateria de Ian Carlo Mendonza e os sintetizadores de Rui Souza. Durante o concerto serão ouvidos temas dos três álbuns editados: “Mar Aberto” (2015), “Terra do Corpo” (2016) e “Sol de Março” (2018), sendo as letras dos últimos dois discos pertença do escritor micaelense, João Pedro Porto. Assim, aguarda-se uma sala bem composta para uma noite musical com sabor a mar, corpo e luz.

Cabo Verde: E já lá vão três!


           A aventura musical caboverdiana nos Açores começou em Maio com o concerto dos Alma Crioula no Teatro Micaelense. Em palco, a presença e voz de Jenifer Soledad mas, sobretudo, ficou patente na mestria de Bau e respectiva descendência num concerto contido, mas  intenso. O músico Bau é autodidacta, já esteve ao lado de Cesária Évora ou acompanhou músicos como Tito Paris ou Bius, onde fundou os Gaiatos. A sua carreira viria a ter um momento alto com o tema “Raquel”, a "mazurka" que foi parte integrante do filme Fala com Ela, banda sonora da obra do realizador Pedro Almodóvar. Este músico amante do cavaquinho, natural da ilha de Santiago, continua assim  a ter im papel impulsionador de novas vozes e talentos emergentes no seu país.
                Seguiu-se, em Setembro, a voz de Elida Almeida, cabeça de cartaz da edição deste ano do Azores Burning Summer Festival, em Porto Formoso, numa digressão por Portugal depois do sucesso retumbante no arquipélago cabo-verdiano. Numa noite de mornas, coladeras e funaná, o concerto terminaria ao rubro com o público rendido a dançar de forma vibrante, esforçando-se por cantar num crioulo improvisado as canções sugeridas em encore. Alguns minutos depois a festa cabo-verdiana tornou-se ainda mais intensa com o encerramento efetuado pelos Fogo, Fogo, que deu o mote para o primeiro dia do festival com uma prestação inesquecível rodeada de água e bailarico. Apesar do dilúvio, o público não arredaria pé.
              Agora em Novembro, no Festival "O Mundo Aqui", numa proposta assente na diversidade cultural e na integração social dos imigrantes no arquipélago, foi a vez de Nancy Vieira transportar na sua voz os aromas e sabores da terra de Cise e Bana. É certo que a acústica daquele espaço, o multiusos das Portas do Mar, pode não ser o melhor para a exploração das diferentes sonoridades em questão ou mesmo para um concerto desta natureza, no entanto os músicos e a cantora evidenciaram uma entrega intensa, empenhada e irrepreensível. Ao longo do concerto, a cantora revelou talento e demonstrou aos açorianos que as ilhas atlânticas são, muito embora já o soubéssemos há muito tempo,  curioso viveiro de músicos, canções bonitas, sentimentos de partilha e interessantes cumplicidades.  

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Em Novembro...

Em Novembro, prova o vinho e planta o cebolinho.
in Agenda Terra, Tipografia Micaelense, 2018.

3 Mulheres de Fernando Vendrell

sítio da RTP

                       
     Está a ser exibida na na RTP a série de Fernando Vendrell, “Três Mulheres”, baseada nos factos que uniram Snu Abecassis, Vera Lagoa e Natália Correia, sobretudo entre o período de 1961 e 1973. Esta série foi concebida por Fernando Vendrell e Elsa Garcia, conta com o argumento de Fátima Ribeiro e Luís Alvarães, para além de um vasto leque de actores: Victoria Guerra (Snu), Maria João Bastos (Vera Lagoa), Soraia Chaves (Natália), Pedro Lamares (Sttau Monteiro), entre tantos outros. Cada episódio tem a duração de cinquenta minutos e termina no treze. E... pelo que já foi dado a ver, vale bem a pena!

domingo, 11 de novembro de 2018

Dias da FALTA

Poster de Júlia Garcia 

Apartamo-nos Bruscamente e em Silêncio

Apartamo-nos bruscamente e em silêncio
Temos crenças bem fundas das metas a alcançar
Irmãos do vendaval e de pássaros lestos
Levam-nos para lá de qualquer sombra ou recordação
Esquecer é fuga se pensamos em desperdício
Uma vez que voltamos continuamente ao princípio
Quando o presente é anseio e indecisão
Arte sóbria da descoberta e do desconhecido
Resquício de lava cálida em vulcão extinto

São Martinho ilhéu

Fotografia de Carlos Olyveira

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Pintura: Código Postal 9500 - Três residentes artistas: Beatriz Brum, João Miguel Ramos e Sara Rocha Silva no CMC de PDL

O Centro Municipal de Cultura de Ponta Delgada inaugurou recentemente a exposição “Código Postal 9500 - Três residentes artistas: Beatriz Brum, João Miguel Ramos e Sara Rocha Silva”. Este núcleo expositivo ficará patente até 28 de Dezembro e está aberto ao público no horário de expediente. A ideia partiu da artista plástica Maria José Cavaco que, aludindo ao conto de Joseph Conrad, O plantador de Malata, aliou também o correio postal do lugar de origem dos três jovens artistas a criar e a residir em território micaelense.
O artista plástico, João Miguel Ramos, dá-nos a conhecer alguns trabalhos com o sugestivo título “Bad Painting”, vários balões com cabeças em gesso em forma de suporte e ainda balões com pinturas que evocam Gustave Courbet ou Domingos Rebelo. Um trabalho marcado por um refinado bom gosto e pela auto ironia, permitindo ao espectador uma curiosa reflexão assente na desconstrução da arte enquanto instituição, bem como a sua rotineira representação. A confirmá-lo basta observar o modo como “dissemina” os seus materiais pelo espaço expositivo e os suportes em que os trabalhos se encontram. Por outro lado, Beatriz Brum usa a simplicidade do acetato para dialogar de forma experimental com a iluminação e as diferentes linhas e formas de representação cromática presente nos materiais. Aproveita a busca interior e demanda artesanal para mapear o território formal a seu bel prazer. Por fim, temos o trabalho figurativo de Sara Rocha Silva a revelar um interessante domínio da técnica e da perspectiva, focando a sua deambulação por lugares assépticos que quotidianamente frequentamos: zona das partidas em aeroportos, centros comerciais, salas de espera de bancos ou hospitais ou as singelas cadeiras de autocarros insulares.
Deste modo, vale bem a pena despender atenção e tempo do nosso olhar pelos diferentes espaços do Centro Municipal de Cultura - assim recomeçado e reaberto para exposições - nesta interessante proposta que nos é feita, pressentindo que aquilo que nos reserva as paredes e no chão deste renovado espaço expositivo é um novo e curioso diálogo com as obras expostas pelos novos ou já conhecidos artistas plásticos açorianos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Medeiros/Lucas: Faltam Dez Dias

"Sol de Março", Medeiros/Lucas, 2018


        Faltam dez dias para o Teatro Micaelense e o evento literário “Arquipélago de Escritores” acolher a banda de Medeiros/Lucas para um concerto único no arquipélago açoriano. Para além da voz de Carlinhos Medeiros e a guitarra de Pedro Lucas, estarão presentes Augusto Macedo (teclado) e Ian Carlo Mendonza na bateria. Este projecto musical conta já com três álbuns gravados: “Mar Aberto”, “Terra do Corpo” e “Sol de Março”, tendo este último as letras do escritor micaelense João Pedro Porto. Sendo assim, não tarda nada e escutaremos o refrão de “Galgar", o tema mais dançante do disco editado em Março deste ano: "Feito raio de acinte/ Galga tudo de rédea ardente/ Interessa pouco ou quase nada/ Todo o que não se enfrente”. Os bilhetes já estão à venda e custam oito euros!

Do Outono

        "O facto pelo qual prefiro o Outono à Primavera é porque no Outono olhamos para o céu, na Primavera para a terra."
 Søren Kierkegaard

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Agenda da FALTA para Novembro na Ilha de São Miguel

   A F A L T A, projecto colectivo e independente que reúne contributos literários e artísticos, lança o seu nº 1, dedicado ao tema da Falha. Desta feita, desdobramos o acontecimento na FALTA, Experimentar - lançamento da fanzine com performance gastronómica de Patrícia Gabriel no espaço da Sociedade Corretora, rua Hintze Ribeiro, em Ponta Delgada. E na FALTA, Ver - com a projecção de documentários de Raffaele Brunetti e da sua produtora B&B Film no Auditório da Lira do Rosário, na cidade de Lagoa.

FALTA, Ler: - lançamento da fanzine, dia 24 de Novembro, sábado, às 18h00, na Sociedade Corretora, rua Hintze Ribeiro, nº34, em Ponta Delgada.
FALTA, Experimentar: o lançamento conta com performance gastronómica de Patrícia Gabriel, às 18h30, no espaço da Sociedade Corretora.
FALTA, Ver:  Ciclo de documentários com a presença do realizador Raffaele Brunetti.
Housing, de Frederica di Giacomo, quarta-feira, dia 28 de Novembro, 21h30, Auditório da Lira do Rosário, Lagoa.
Hair India, de Marco Leopardi e Raffaele Brunetti, quinta-feira, dia 29 de Novembro, 21h30, Auditório da Lira do Rosário, Lagoa.

Um Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


As Ondas 

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Divergências, Ama Romanta (1986)

    
             "Que seja assim o canto da esperança/ num ar que reluz e de revolta", ouve-se num coro sentido dos Linha Geral, em "Hino à Nossa Luta" e...de imediato um arrepio na espinha. Este disco que, apesar de já ter passado tanto tempo sobre a sua edição, continua bastante actual, à semelhança do discurso no final de Paquete de Oliveira.  Há um lado nostálgico neste recuar a meados dos anos 80,  ao eclodir de um dos momentos mais interessantes da música moderna feita em Portugal de forma livre e independente. Talvez, por isso, faltem novas e arrojadas Divergências para que se repitam façanhas deste tipo. À cabeça do movimento, constava o vocalista dos Pop Dell´Arte, João Peste, acompanhado pela sua sócia, Maria João Serra, que ambos viriam a fundar a editora Ama Romanta, e assim foram capazes de editar nomes como: Sei Miguel, Telectu, Tozé Ferreira, Pop Dell'Arte, Mão Morta ou os Croix Sainte, entre tantos outros. 

Do Interesse

"Penso que o motivo por que nos interessamos por determinadas pessoas ou por certos temas, e não por outros, é, muito provavelmente, da ordem do inconsciente. Chegamos às coisas ou são as coisas que chegam a nós?"
Manuela Fleming, professora e psicanalista.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Al Cabo

Al cabo, son muy pocas las palabras
que de verdad nos duelen, y muy pocas
las que consiguen alegrar el alma.
Y son también muy pocas las personas
que mueven nuestro corazón, y menos
aún las que lo mueven mucho tiempo.
Al cabo, son poquísimas las cosas
que de verdad importan en la vida:
poder querer a alguien, que nos quieran
y no morir después que nuestros hijos

Amalia Bautista in Cuentamolo todo outra vez, 1996.

Um verso de Sharon Van Etten

I can't wait 'til we're afraid of nothing