terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Prece Geral: um último olhar guiado pelo fotógrafo

Amanhã é dia para (re) ver as fotografias de “Prece Geral” pela última vez. Daniel Blaufucks disponibiliza-se para acompanhar os visitantes neste derradeiro olhar pela exposição patente no Museu de Arte Sacra em Ponta Delgada. Estas chapas expostas são sobre o Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, a ‘Cartuxa de Évora', e revelam-nos o interior da fé e da dedicação bem como o que resta desse altar de prece e de reflexão. É de louvar este mergulho no mistério e na oração do fotógrafo e ainda escutar o que que de mais “sagrado” contém cada fotografia. Um dia depois, Daniel Blaufucks agraciará o território açoriano com nova exposição, desta feita na Galeria Fonseca e Macedo.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A Cidade...

O Segredo das Ilhas de João de Melo

           “A cidade acaba por encantar alguns, e pode mesmo reter o olhar do visitante, a um tempo quotidiana e sumptuária, segundo a expectativa de quem a observa. A memória e a subtileza da história incidem sobre ela com o peso específico de uma realidade açoriana de séculos: entre a modéstia e a riqueza de quem nela herdou bens, títulos e nome de família, sendo a nata e a dinastia da sociedade endinheirada, não raro a mais dominadora. Cidade religiosa e dominical, não há em Ponta Delgada pecado que não possa ser confessado, nem um remorso ou arrependimento que fique por redimir. Pessoalmente, não lhe conheço outra ideologia, nem outra religião. No sítio onde o glorioso e revolucionário poeta e filósofo Antero de Quental se suicidou (saindo dali direito ao Inferno!, segundo o que proclama a doutrina do catolicismo, trataram de erguer uma estátua a uma antiga madre prioresa do Mosteiro da Esperança: não se toleram públicas heresias, e muito menos suicídios de poetas, ali apenas a dois passos do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em pleno Campo de São Francisco! Nunca por nunca uma mão, nem por uma mente mais abençoada, nem um eleito com um poucochinho de poder local, se mostrou sensível mandar erguer ali uma memória, templo do suicídio de um dos mais brilhantes e combativos espíritos do povo lusitano – e, sem dúvida, o mais ilustre de os Açorianos, Antero de Quental.”

João de Melo, in “Açores – O Segredo das Ilhas”, Publicações Dom Quixote, edição revista e acrescentada, 2016.

Da Poesia lida

Fotografia de Jorge Gonçalves

Eu gosto de ler em voz alta, eu gosto de ouvir poesia lida pelos actores com quem trabalho, eu gosto de poesia lida para várias pessoas, eu gosto de leituras de poesia, ver gente, sentir gente à volta das palavras suspensas do poeta.


Jorge Silva Melo

sábado, 20 de janeiro de 2018

Fotografia de Carlos Olyveira

Circuit des Yeux: Reaching for Indigo

Foi o concerto mais intenso e cativante a que pude assistir no ano de 2017. A banda dá pelo nome de Circuit des Yeux e são oriundos do Indiana, Pensilvânia, nos Estados Unidos. O concerto, a que tive a veleidade de assistir, decorreu na Academia das Artes, Ponta Delgada, no abalo primaveril do Festival Tremor. Numa posição indefinida e, pose intimista em palco, ali estava a vocalista, Haley Fohr, que, com a sua fantasmagórica e enigmática voz, irradiava uma impressiva atmosfera, para além de uma forte presença e dramatismo.   
Os Circuit des Yeux  editaram, em Outubro do ano passado, “Reaching for Indigo”  um álbum de oito canções. A voz em delírio de Haley Fohr é acompanhada por Josh Abrams (Natural Information Society), por Cooper Crain ou Rob Frye, dos Bitchin Bajas. Há sintetizadores, cordas e secção de metais que ajudam ao carrossel emocional. Trata-se dum mergulho profundo nas feridas emocionais e na solidão, sendo que parece apenas ter eco e  expressão sob a forma de sons e canções, que à semelhança do que se ouve em “Black Fly”: “Nobody said it was easy/But it was so easy/To stand alone.”.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Fim de Semana de Alexandre O´Neill

Estirado na areia, a olhar o azul,
ainda me treme o parvalhão do corpo,
do que houve que fazer para ganhar o nosso,
do que houve para esburgar para limpar o osso,
do que houve que descer para alcançar o céu,
já não digo esse de Vossa Reverência,
mas este onde estou, de azul e areia
para onde, aos milhares, nos abalançamos,
como quem, às pressas, o corpo semeia.

Alexandre O’Neill

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Semear em Janeiro...

      "Janeiro semear centeio, favas, ervilhas, alhos, couve-flor e mergulhar vides. Semear goivos, crisântemos, ervilhas de cheiro e girassóis. No minguante da lua podar roseiras e árvores de fruto. Lavrar e preparar a terra."
in Agenda Terra, 2018.

sábado, 13 de janeiro de 2018

Hoje à noite, no Cine Borboleta

A Ultrapassagem, 1962, de Dino Risi


                Dino Risi filmou há cinquenta anos a sua versão cinematográfica do verão italiano: a sombra e o sol, a cidade e o campo, a praia e o mar, a amizade e a aventura. Para isso, muniu-se de dois atores: Jean Louis Trintignant e Vittorio Gassman (ainda que a primeira escolha fosse Alberto Sordi). O cineasta, com formação em Medicina, começa por dar-nos a conhecer essa célebre expressão italiana “Ferragosto”, um feriado italiano celebrado a 15 de Agosto, motivo de patriótica comemoração. Associado à celebração da metade do verão e do fim das colheitas nos campos, seria a Igreja Católica a adoptar a data para celebrar a assunção da Virgem Maria. Actualmente o Ferragosto é o dia em que milhões de italianos deixam as suas cidades de origem e demandam outras paragens em busca de repouso ou diversão. 
O Verão de 1962 em Itália cheirava a spaghetti e a boom económico, a economia crescia e o automóvel epitomizava a sociedade do progresso e do bem-estar. Este é o primeiro road-movie da história do cinema, sete anos antes de “Easy Rider” de Hopper, ainda que aqui fosse o volante do Lancia Aurelia B24, e o som da mítica Klaxon, ao qual imprime velocidade e um ritmo estonteante, quase sufocante. O carro é aqui a expressão da liberdade e da velocidade, inaugurando um tempo novo, repleto de comodidades, movimentações e deslocações.
     Vittorio Gassman, que participou em treze filmes de Risi, encarna aqui a personagem do fanfarrão, mestre na arte de saber viver, um homem de meia idade que se deixa ir com a ligeireza e leveza da estação dos grilos e das cigarras. Sempre com a resposta pronta na ponta da língua, ávido dos prazeres terrenos e imediatos, forçando a companhia de quem estivesse próximo. É um filme fresco, quente, sob o signo de Eros, que obteria em português o título “Ultrapassagem”, mas que teve também a tradução de "O Fanfarrão". Curioso, não é?

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Pão

Há pessoas que amam
Com os dedos todos sobre a mesa.
Aquecem o pão com o suor do rosto
E quando as perdemos estão sempre
Ao nosso lado.
Por enquanto não nos tocam:
A lua encontra o pão caiado que comemos
Enquanto o riso das promessas destila
Na solidão da erva.
Estas pessoas são o chão
Onde erguemos o sol que nos falhou os dedos
E pôs um fruto negro no lugar do coração.
Estas pessoas são o chão
Que não precisa de voar.

Rui Costa, in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Quasi Edições, 2005

Diário

“O importante é sempre isto: concentração. Concentração: etimologicamente – com um centro. Afastar  da luz excessiva mas sem movimentos violentos, sem grandes frases, sem altifalante.
Para se escrever é necessário um solo firme e movimentos mínimos. Os micro-movimentos da mão do próprio acto de escrever devem ser resultado das também subtis mudanças da posição dos pés, e ainda da calma voz e das calmas palavras.
         É necessário silêncio ou um ruído base fixo que não se excite minimamente com as constantes excitações do mundo(…)”

Gonçalo M. Tavares in Jornal de Letras, 19 de Dezembro de 2017

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

3xKaurismäki

         

             Agora que o filme "O Outro Lado da Esperança" se encontra disponível nas salas é possível ver ou rever em DVD estas três películas do finlandês -"Contratei um Assassino"(1990), "A Vida de Boémia" (1992) e "Le Havre" (2011), todos eles contidos na caixa da Midas. Mergulhe-se neste cinema nostálgico, na sua estética lúgrubre composta de melancolia e esperança. No visionamento de "Vida de Boémia" sobressai a amizade, em "Contratei um Assassino", o amor, e em "Le Havre" sobressaem os dois em conjunto, ainda a solidariedade. 
            Aki Kaurismäki vive entre a Helsínquia, Finlândia, e Monção, em Portugal. São muitos os que começaram a ver filmes os seus filmes nos cineclubes e certamente se lembrarão das reacções a esta obstinada e resistente cinematografia: estranheza e  perplexidade. Tantos anos depois as invectivas à particularidade e exceção mantém-se e há por isso que continuar  a exercer o salutar direito de ver e reflectir!

sábado, 6 de janeiro de 2018

Da Estrutura Social

         “A estrutura social é real e tem fortes consequências, especialmente visíveis quando são violadas. Exatamente como numa cidade, segue-se geralmente os passeios, torneia-se os edifícios ou entra-se neles. A vida é governada por estruturas externas, responsáveis por constrangimentos e possibilidades, sejam elas físicas e sociais. Os comportamentos individuais não podem ser compreendidos sem ter em conta as estruturas sociais. Esta é a razão pela qual estrutura social é real e autónoma.”

Thomas Brante, Consequências do Realismo na Construção da Teoria Sociológica. 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Mora na Filosofia de Caetano Veloso

Eu vou lhe dar a decisão
Botei na balança e você não pesou
Botei na peneira e você não passou
Mora na filosofia pra quê rimar amor e dor
Mora na filosofia pra quê rimar amor e dor

Se seu corpo ficasse marcado
Por lábios ou mãos carinhosas
Eu saberia ora, vai mulher
A quantos você pertencia
Não vou me preocupar em ver
Seu caso não é de ver pra crer

Tá na cara!