sábado, 22 de dezembro de 2018

Fotografia de Carlos Olyveira

Escrito no passado Outono

amar é tão difícil falar de amor.
soletramos plantas que não dão flor esta estação
pelo caminho pisamos as folhas que nos deixaram 
                                                                        nuas
                                      as árvores caídas no chão.


       Tiago Rodrigues in Em Maio Florimos Melancolia, Letras & Desenhos d´Angra Líquida, 2013.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Prémio Literário Revelação Augustina Bessa Luís 2018

Judite Canha Fernandes autora do romance "Um Passo para Sul"

A Arte de Caminhar

               "O Paraíso é onde estou. É precisamente o que penso quando estou em casa sentado na sala com um bom livro, a partilhar uma refeição com uma pessoa cuja companhia prezo, ou quando vou dar uma volta.
           Naturalmente, um estado de espírito tão agradável não dura muito, mesmo que aquilo que nos rodeia não se altere. Tal como um estado de espírito desagradável também não dura para sempre. A razão disto é que até a permanência de um sentimento acabará por causar uma mudança do nosso estado de espírito. As sensações de bem estar nunca são infinitas; têm de ser continuamente alimentadas de modo a manterem-se. E, de vez em quando, esses suplementos adicionais acabarão. Então temos a sensação de que alguma coisa se perdeu."
                          
              Erling Kagge, in "A Arte de Caminhar", Quetzal, 2018.

FALTA no Bolso

Fotografia de Carlos Olyveira

Verso de Sara Cruz

Está o verão encerrado

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Céu de Dezembro

Lo Difícil

Enarmorarse es fácil
Uno pude enamorarse
-sin demasiado esfuerzo –
varias veces al dia,
a nada
que se lo proponga
y se mueva un poco por ahí;
y si es verano,
ni te cuento

Enamorarse no tiene
maior mérito
Lo realmente difícil
-no conozco
ningun caso-
Es salir entero
de una história de amor.

Karmelo C.Iribaren

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Muito Obrigado, Bruno da Ponte!

Há dias despedimo-nos de Bruno da Ponte, mais um amigo que vai fazer falta. O Bruno tinha formação em Economia mas foi na área cultural a que dedicou a maior parte do seu trabalho. Bruno da Ponte trabalhou assim toda a vida enquanto editor, tradutor, jornalista, e coordenador de tantas editoras – Minotauro, Teorema ou as Edições Salamandra. Comecei, primeiro, por vê-lo na Associação Cultural Abril em Maio, em Lisboa, à altura, rua da Verónica, onde lançou as sementes de muitas coisas bonitas, entre elas uma agenda repleta de manifestos, mas foi na sua terra natal (São Miguel) que falei com ele pela primeira vez numa rua de Ponta Delgada, acidentalmente. Foi com alegria que aceitou o convite para colaborar e escrever para o Boletim Cultural Fazendo, sediado na Ilha do Faial, do qual foi sempre um leitor e entusiasta. Ele que durante anos esteve ligado a 121 publicações relacionadas com os Açores através da colecção Garajau, e, como tão bem escreveu Onésimo Teotónio de Almeida, estabeleceu uma verdadeira ponte entre o arquipélago e o continente português. O Bruno da Ponte foi um verdadeiro amante das artes e das letras e, recordo, por isso, o quanto era delicioso e instigante ouvi-lo discorrer sobre qualquer assunto ou tema literário. Saudades! 

saxofone baixo.13

o mar enrolou-se no ouvido
quando a maré vazou 
restou apenas o sal nos tímpanos
a música rente à terra 

no cimo dos telhados fumam-se cigarros
laranja da beata no tijolo
pode-se morrer de súbito aqui
o mofo abafado do silêncio toca
os velhos discos 
e é já cinza o sal dos tímpanos

pode-se chorar aqui 
de súbito 
à espera que a lua arraste a maré cheia
da música rente

dos telhados se cai no mar
não basta calar a beata é preciso afogá-la

Tiago Araújo, in Diapositivos, Quasi Edições, Novembro de 2001.

Um Verso de Ruy Belo

Não olhes o meu rosto devastado pela idade.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

...

Passo o teu nome da minha boca para este lugar de papel.
E assim tu vens, menina do rio,
louca e desastrada, nessa tua canoa de silêncios,
a entrar no poema.
Mãos em existência felina

e respirando sem pausas. Voltas a cabeça para o lado
da luz e abre-se devagar o talento incendiado 
do teu rosto.


Vasco Gato, in 47, edição do autor, 2005 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Venezia

O entardecer acende os escombros
dos vechi palazzi.
Nas águas mortas de Veneza acendem-se 
as cores, húmidos pigmentos,
podridos vermelhos, amarelos, azuis,
o deslumbrante fascínio da corrosão.

Sob a forma, a pedra exibe o quanto 
tem de corpo. Estanque albergue de paixões,
com o passar do tempo, a parcela de labirinto
que o próprio tempo esboroa.

Cárcere de ecos dissolvem a solidão,
faz ressoar nos rumores dos brindes,
o correr da cortina da noite, que sublima
na Piazza de S. Marco, os roubos,
de Alexandria e Constantinopla. 


Rui Miguel Ribeiro, Europa e Mais Três Poemas, Letra Livre, Novembro de 2017.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Roma

I.

Não falaram muito. Guardaram cada um,
na escuridão da noite de Ferragosto,
as últimas palavras.
Nas suas línguas estrangeiras cercaram
regiões. Reservas de lugares que aproximaram
de cada um a sua deriva, na festa,
na Piazza S. Lorenzo.

Um último gesto - aceno e acento final.
Que a vida, no Verão, é uma iminência
entre horários de comboios e o peso
das mochilas.

Mais tarde, sob o céu nocturno junto
ao Panteon, voltei a vê-lo:
                 -Riscava fósforos. Para acender a noite. 


Rui Miguel Ribeir
o, in Europa e Mais 3 Poemas, Letra Livre, 2007

Da Malandragem

        "O tempo querido! o bom tempo! Foi das nossas discussões sobre a Arte que estes contos nasceram...A bella vida, a vida risonha e malandra, passada assim!...Lembra-se?"
Raul Brandão in Impressões e Paizagens, edição fac-símile, A Bela e o Monstro, 2013

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

domingo, 9 de dezembro de 2018

Hálito Azul, de Rodrigo Areias, estreou no Porto/Post/Doc

“O outro é uma estreia — Hálito Azul, a mais recente aventura de Rodrigo Areias, aqui explorando a povoação açoriana de Ribeira Quente inspirado por Raul Brandão. A fragilidade do filme de Pestana vem do olhar a nu sobre uma década da sua vida; a de Hálito Azul vem da indefinição do projecto, na sua essência um documentário sobre a Ribeira Quente com “interferências” narrativas, mais conseguido na vertente documental do quotidiano insular, menos convincente nas incrustações encenadas.”
Jorge Mourinha, in Público 18 de Novembro de 2018

“Um dos filmes mais aguardados é português e o PortoPostDoc conseguiu a sua antestreia mundial. É Hálito Azul, de Rodrigo Areias, a partir de Raúl Brandão. Trata-se de um dos pontas-de-lança da competição internacional. Um grande feito do festival, sobretudo porque se trata de mais um belo triunfo do cineasta de Guimarães, aqui a viajar para Ribeira Quente, nos Açores, e a documentar com uma beleza matreira o dia-a-dia da população piscatória. Uma câmara que olha para os homens, as mulheres e as crianças com uma dignidade serena. Depois, há também um trabalho de apropriação das palavras de Brandão que não cai em clichés baratos de "poesia ilustrada"

Rui Pedro Tendinha, in Diário de Notícias, 23 de Novembro de 2018

“Hálito Azul traz elementos fantásticos que fazem parte do imaginário e do vocabulário dos pescadores, assim como apresenta elementos de ficção e de documental ao misturar situações de observação com a criação de momentos ensaiados, e nos revela, como parte da trama (trama no sentido mais próximo de costura e tecido, e mais distante da noção de sequência planejada) estes encontros entre os habitantes locais para ler as falas do roteiro. Enfim, muitas coisas podem ser ditas sobre este lindo filme, extremamente delicado e lírico, mas deixo isso pra outro artigo exclusivo a ele.”
Raquel Gandra,in Ambrosia, 24 de Novembro de 2018

“Hálito Azul é isso mesmo, um desvio ao encontro da comunidade da Ribeira Quente, em São Miguel, nos Açores, em um período crucial para o tradicionalismo de uma das suas atividades principais – a pesca. Através desse impulso, a aventura não brava os setes mares mas segue ao encontro de uma população que não esconde os seus vínculos com o Oceano, todo o seu quotidiano e atividades gira envolto desta imensidão.”
Hugo Gomes, in C7nema, 1 de Dezembro de 2018

Palindromar

Ato idiota
in Ipsís verbis, Bagão Félix, jornal Público, 8 de Dezembro de 2018

sábado, 8 de dezembro de 2018

Resposta a Janeiro Alves Antes que o Inverno Irrompa

Caro Janeiro Alves,
               Respondo-lhe no pináculo da minha popularidade, no cocuruto da minha notoriedade pois já não consigo palmilhar qualquer rua sem ser suspendido por vários transeuntes a implorar por autógrafos, selfies e perguntas sem nexo. Uma verdadeira amolação. 
Aproveito assim para retorquir a sua missiva em plena classe executiva do avião com os nervos à flor da pele, bastante perturbado até, tendo acabado por relê-la na Sala VIP do Varna Film Festival. Constato que Janeiro criticou publicamente o aparecimento do meu nome no horário nobre da televisão pública, irou-se com as respetivas loas da intelligentzia local à minha participação num folheto considerado por si de origem duvidosa, bem como denegriu, aliás, feriu de morte, a comunidade artística presente na apresentação do tão badalado opúsculo acabadinho de editar. Desta feita, pude constatar que Janeiro não suporta o glamour televisivo e cinematográfico, rejeitando de forma desmedida o universo da vernissage e do croquete. Entretanto, a recepcionista do hotel veio devolver-me o kit de banho que o meu bom amigo tinha esquecido durante o período da residência realizada em Varna, em que se dedicou à pintura na Primavera passada. Já cá mora para lhe entregar na sua próxima visita.
Fiquei estupefacto, deixe-me confessar. E, à flor da pele, aspiro tecer duras críticas a seu respeito, já que não poderia deixar de lamentar aqueles seus calções de banho com listas verticais vermelhas e uma toalha verde-alface da mais alta burguesia, decadente e dondoca, onde o meu amigo se move como uma jamanta. Imagine e, tendo em conta a nossa já longa amizade, que decidi arriscar uma entrada no mar negro com os seus rubros calções listrados. De imediato, senti-me com uma autêntica planta exótica a derreter, mirrei da cabeça aos pés e quase desapareci de tanta brancura. Certo que podia ter nadado com o meu escafandro, coisa que sempre fiz nos mares gelados, mas quis experimentar o seu kit, sentir-me à medida de Janeiro Alves, mas acabei um mês numa cama de hospital em convalescença.
Regressado à ilha, à minha bolha existencial, tenho recuperado a rotina à conta de gengibre e beterraba. Ingiro doses industriais de limão e por esse motivo não poderei estar presente na homenagem que lhe será feita pela Sociedade das Artes e das Letras, já que estou constantemente a ir à casa de banho. Foi, no entanto, com grande pesar que soube que o “Compêndio Geral de Plantas Exóticas” - obteve o galardão de “Pior Livro do Ano 2017”. Estranho, pois tinha sido informado logo nos primeiros dias por um membro do júri que iria obter o prémio de “melhor livro”. A ser assim, desconfio que alguém quisesse que Janeiro tirasse da arca o seu fato de asas de grilo, a lembrar as últimas Conferências da Fajã, e, assim, desse um novo impulso a esse trabalho glorioso em prol de prelecções futuristas que salvassem a humanidade do degredo. Por este motivo, conto dizer apenas algumas palavras de agradecimento por vídeo-conferência, enviar um emissário ao beberete e de seguida augurar que o amigo Janeiro seja levado sob escolta até Penedono, sem qualquer incidente. Aviso-lhe: eu nunca lerei o seu livro, já dei indicações precisas ao carteiro para não aceitar encomendas pois ninguém sabe o que esta pode conter. Não me leve a mal mas prefiro gastar os 25 euros na pastelaria groumet que abriu junto do meu escritório.
Concluo esta meritória missiva com um até breve pois julgo que chegou a hora de terminar com tantos enxovalhos e demais galhardetes. Talvez possamos a partir desta data partilhar este espírito natalício da rabanada e da aletria. Afinal, vivemos apenas uma vida e não quero passar a recordar os velhos tempos em que a fava e o brinde estavam prestes a irromper na próxima fatia. Que sejamos felizes com os regalos e delícias da quadra e do bolo rei.
Com elevada estima e apreço,
Doutor Mara

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

100 anos de Ingmar Bergman


          

                "Há muitos casais que se destroem na filmografia de Bergman, é mesmo se calhar o tema mais presente em toda a sua obra, o desamor que sucede sempre à paixão, a amargura que a devoção deixa no peito, tema que dura mesmo até ao fim, a esse “Saraband” terminal com que, cinematograficamente, o realizador se despediu de nós em 2013. Mas nenhum tem a turbulência essencial que “Mónica…” ressuma, como um suor amargo na refrega das febres, materializando nesse plano último em que Harriet Andersson olha para a câmara, olha para nós, a interpelar as nossas convicções e juízos. Quando a vida é madrasta, por quem nos tomamos para nos pormos a fazer julgamentos?"

Jorge Leitão Ramos, in E, Revista do Expresso, 1 de Dezembro de 2018 (imagem wikipédia)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

E depois de Amanhã há Agenda Sonho


"Somos um grupo de amigos com formações em diferentes áreas, que vive na ilha de São Miguel e que todos os anos se junta para criar esta agenda. A Agenda da Tipografia surgiu em 2014 e todos os anos é dedicada a um tema (que inclui citações das mais diversas áreas - literatura, poesia, antropologia, filosofia, teatro, populares, etc.). A sua composição envolve vários processos - tipografia, offset, serigrafia, etc. e parte do processo é manual, como a encadernação, a impressão da capa, etc.
Todos os anos procuramos introduzir pequenas diferenças. Este ano temos como tema o “sonho” e teremos uma capa impressa parcialmente em serigrafia e que vai brilhar no escuro. As nossas edições são limitadas a 750 exemplares numerados."

Amanhã há Gorgulho!

O Pasquim irrequieto é lançado amanhã, às 18h55.
O local escolhido: Tascá!

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

100 Anos de Ingmar Bergman: A Entrevista Ambicionada

Ingmar Bergman, Sven Nykvist, Erland Josephson e Liv Ullmann

«Irascível e impaciente, concordou, no entanto, em começar a nossa conversa (talvez a primeira ou única com um jornalista português) por aludir às suas funções e ambições como director da primeira cena nacional da Suécia. “Não quero ser dogmático. Não entrei aqui para reformar tudo. Sou um artista, não sou nenhuma vassoura. O que é bom deve manter-se. Recebi este cargo como se recebe um fato novo. A forma aparecerá com o tempo.” …. Na realidade, as de início muito criticadas medidas audaciosas então lançadas por Ingmar Bergman cedo começaram a surtir efeito e a recolher o aplauso geral. Ele chamou a grande maioria dos atores, encenadores, dramaturgos e diretores teatrais suecos, incluindo os intérpretes dos seus filmes, garantindo-lhes boas condições profissionais e financeiras. Libertou-os de exclusividades absurdas, dando-lhes plena autorização para aplicar o seu talento na valorização da arte e no benefício do público em todas as oportunidades possíveis. No Real Teatro Dramático ou noutros palcos, na capital ou na província, no cinema ou na televisão. Realizou teatro para crianças e estudantes em salas alugadas. Levou fragmentos do Dramaten vários pontos do país. Incluiu um reportório infinito, com as obras mais atuais e discutidas em qualquer ponto do mundo. Criou teatro a preços de cinema.
“O mais importante é a difusão do teatro e o direito do público de apreciar o melhor” – “Satisfeito com os resultados?” – perguntei. Resposta: “Nunca poderei estar contente desde que haja uma cadeira vazia num espetáculo.”.
(…). Sempre foi evidente que para Bergman a arte era um sacerdócio. Na sua opinião um artista só devia desempenhar figuras pelas quais se apaixonasse. Contrariamente ao normal, não forçava os atores a adaptarem-se sacrificadamente às personagens das suas obras. Ao criar histórias, modelava-as desde o princípio às características genuínas, mentalidade e temperamento dos artistas com quem contava. Detestava mudar de intérpretes nos seus filmes. Uma grande parte dos seus atores trabalhava com ele ininterruptamente há mais de vinte anos. “Quando trabalho num filme ou numa peça, todas as personagens se metem de tal forma na minha cabeça, que eu próprio chego a submergir nelas” – confessou.»
César Faustino in E, Revista do Expresso, 1 de Dezembro de 2018

domingo, 2 de dezembro de 2018

Cá Dentro Sou Eu que Mando

Não vislumbro qualquer veleidade em ser poeta profissional 
o cuidado do livreiro em estantes devidas
com letras em série exibidos nas livrarias
lidos por leitores com óculos de vidro de garrafa
ou outros mais expeditos a praticar comparações


O que eu sempre quis e sem qualquer tipo de redundância

é dar resposta a esta forma de me sentir à parte
afastado de qualquer verso, rima ou metáfora 
a intransigente angústia perante o inefável
fúria infinda de trazer calçado nas ruas 
uma meia de cada cor sempre comigo 
como se tivesse há muitas, muitas luas 
seis curtos e inolvidáveis anos 
o olhar incrédulo de minha mãe para gritar: 
"-Cá dentro sou eu que mando!"