Desenho de Tânia Neves dos Santos |
sábado, 30 de março de 2019
sexta-feira, 29 de março de 2019
sábado, 23 de março de 2019
sexta-feira, 22 de março de 2019
quarta-feira, 20 de março de 2019
No Way Back
"Como sair daqui?" Perguntas bem, amigo.
Diógenes diria "à catanada, vivamente",
Lichtenberg "à gargalhada", se o conheço.
Thomas Bernhard proporia "num rectângulo
de tábuas" e Machado que o caminho de saída
se descobre ao caminhar. Beckett é provável
que dissesse "rastejando".
Diderot aventaria
"pela rua do liceu", Tcheckov pela "viela
mais escura, à tua esquerda". Séneca diria,
muito sonso, "pelo passeio das Virtudes",
Vaneigem "pelo jardim das Belas-Artes"
Bashô responderia (e eu com ele) "é muito cedo,
fica mais um pouco, ainda há vinho na garrafa."
José Miguel Silva in Walkmen.
Diógenes diria "à catanada, vivamente",
Lichtenberg "à gargalhada", se o conheço.
Thomas Bernhard proporia "num rectângulo
de tábuas" e Machado que o caminho de saída
se descobre ao caminhar. Beckett é provável
que dissesse "rastejando".
Diderot aventaria
"pela rua do liceu", Tcheckov pela "viela
mais escura, à tua esquerda". Séneca diria,
muito sonso, "pelo passeio das Virtudes",
Vaneigem "pelo jardim das Belas-Artes"
Bashô responderia (e eu com ele) "é muito cedo,
fica mais um pouco, ainda há vinho na garrafa."
José Miguel Silva in Walkmen.
terça-feira, 19 de março de 2019
A Cantora Careca de Eugène Ionesco
"La Cantatrice Chauve"-Fotografia do Jornal Le Figaro |
A
Cantora Careca, de Eugène Ionesco, está em cena no Théatre de La Huchette, na
capital francesa, Paris, desde 16 de Fevereiro de 1957. Durante seis dias da
semana, com excepção do domingo, é possível assistir a esta peça, portanto, há
62 anos. Foi com este texto dramático que Eugène Ionesco, dramaturgo de origem romena,
inaugurou aquilo a que viria a designar-se de Teatro do Absurdo.
Curiosamente, a primeira vez que travei
conhecimento com o teatro de Eugène Ionesco foi em Tirana, na Albânia. Decorria
o ano de 1994 e aquele país vivia, então, uma convulsão e explosão social nunca
vista após o jugo de uma ditadura feroz com marcas de isolamento, pobreza e
obscurantismo bem evidentes. Nesse momento assistia-se a um período de
transição com milhares de pessoas nas ruas e muita gente a abandonar o país,
não importava a forma. Parecia, àquela altura, tudo estranhamente insólito. Por
isso, assistir ao espectáculo da “Cantora Careca”, por um grupo de teatro local,
fez com que não compreendesse nada do texto nem da peça que me era dada a conhecer,
desconhecia, inclusive, a língua albanesa, assistindo no final a uma aparatosa
invasão do palco pela assistência, sintoma de um país que se libertava e experimentava
um outro itinerário político e social. Dada a experiência de intercâmbio a
decorrer no país vizinho, aquela visita tornar-se-ia numa grande aventura, fazendo
daquela estadia um momento marcante da existência, com episódios e situações experienciadas
de forma intensa e peculiar.
Na
última sexta-feira e, passados vinte e cinco anos desse episódio teatral, assisti
no Auditório da Escola de Lagoa à representação de “A Cantora Careca” – pelo
grupo de teatro escolar “A Faísca”. A memória viva da primeira representação
com a presença actual dum auditório a abarrotar, atento e entusiasta, mesmo que
possa não ter compreendido a totalidade das razões daquele texto ou do que se
passava em palco, fez com que o tempo recuasse um pouco. Por esse motivo, só me
pude enternecer com a entrega daqueles jovens actores, vibrar com aquelas
representações esforçadas e competentes, admirar aquela vontade de superação e
ultrapassagem de complexidades daquela apresentação. Assim, foi deveras
surpreendente ver gente tão nova lidar com o burlesco da existência, o ridículo
e estranheza do mundo e da linguagem que usamos e, mesmo assim acender, por
instantes, o maravilhoso poder e magia da arte de Talma.
domingo, 17 de março de 2019
Um Poema de José Ricardo Nunes
10.
Em vez de arrumar dentro dos caixotes,
empilhar os caixotes a um canto e ficar a olhar, moído pela culpa,
decidi despejar a tralha velha no lixo,
mesmo sabendo que a culpa haveria de voltar
a cobrir tudo, como fez o pó.
Lembro-me de mutias coisas, sempre
foi assim. E com a idade só piora.
A cada dia me lembro de coisas novas,
algumas nem sequer imagino
que tenham mesmo acontecido: fronteiras,
mares, o lábio desfeito por um anzol.
A meio da tarde o meu avó subia ao sótão
para me contar histórias da sua infância,
Depois eu ficava ali, sozinho
no vazio, como se já fosse hoje
e não tivesse mais onde brincar.
Olhava durante horas para o coração.
Às vezes levantava-me de repente
e batia com a cabeça numa trave.
Eram as palavras do meu avô a dominar-me.
Ainda devem estar atrás dos colchões velhos.
Desejei depois que se tornassem minhas.
Agora tenho a certeza de que as dispenso todas.
in Classico, Companhia das Ilhas, 2019.
quarta-feira, 13 de março de 2019
segunda-feira, 11 de março de 2019
Missiva Pré-Primaveril ainda que tardia de Janeiro Alves
Caro Doutor Mara,
É
com enorme satisfação que recebo a sua carta, apresentando desde já as minhas
desculpas pelo atraso na resposta. Devo dizer-lhe que os últimos dias têm sido
conturbados, devido a determinados acontecimentos que se sucederam
inapelavelmente e à vista do meu olhar incrédulo. Pois imagine o Doutor que fui
convidado para o Certame das Piores Obras Literárias Europeias, que este ano
aconteceu em Saint Tropez. O Doutor Mara sabe como aqueles porcos chauvinistas
gostam do freak show, mas eu não me
importei nada. Hotel pago, pensão completa, passagens de pullman incluídas,
champanhe no quarto, banhos na Côte D’Azur, oh la la… Foi caso para voltar a
escovar o meu fato asas de grilo e reafirmar a categoria dos meus sapatos
italianos de cetim afivelados. Para banhos reservei a minha melhor tanga,
monocromática, robusta e confortável. Saímos de Lisboa rumo a França, com
algumas paragens. A última seria em Perpignan, uma simpática localidade no
litoral Sul. Tínhamos cerca de meia hora, e acabei por me perder. De repente
dei por falta da carteira, e tentei sem sucesso voltar aos sítios por onde
tinha passado. Corri para a praça central, e o autocarro já tinha partido sem
mim. Vi-me assim sem dinheiro, sem mala, sem nada. Lembrei-me então que Victor
Klaus estava a viver em Rivesaltes, uma zona de vinhas perto dali, e pus-me à
boleia. Lá chegado, não demorei a encontrá-lo. O Doutor Mara não imagina a fama
que Klaus tem em Rivesaltes! Mas concluirei rapidamente. Fiquei então uns dias
por cá, em casa de Klaus, e tenho estado a trabalhar na apanha do tomate. O
objectivo inicial era conseguir algum dinheiro para regressar a Lisboa, mas
neste momento o local já me é aprazível. O meu caro amigo sabe como gosto de
andar a pé, e Lisboa está um inferno com os trotineteiros e ciclistas. Cada vez
mais o peão é um alvo a abater, e isso deixa-me furioso! Comecei a atirar-lhes
com pedras da calçada, mas o Doutor imaginará a dificuldade em acertar em alvos
em movimento…
Relativamente
a Felício, compreendo a sua angústia, é efectivamente uma péssima ideia querer
interrogá-lo. A última vez que o vi foi há uns quinze anos. Passei pela sua
rua, e vi uma silhueta por detrás das cortinas da sua sala de jantar. Imagino
que fosse ele, tendo em conta que não tem por hábito receber visitas, à
excepção do contador do gás. Imagino portanto que, como abrilhantador de
entrevistas e perguntador de alto gabarito, o Doutor Mara encare este como o
maior desafio da sua já longa (porém curta) carreira. É caso para lhe desejar
sorte, e lhe dizer que, dado o meu paradeiro, assistirei ao longe áquilo que
poderá ser a sua consagração ou quem sabe, o seu categórico declínio.
Com elevada
expectativa e a ancestral admiração,
Janeiro Alves
sábado, 9 de março de 2019
Neste Mar Imóvel de Blanca Martín-Calero e Eduardo Brito
Blanca
Martín Calero estabeleceu-se em São Miguel em 2013. Na edição de 2016 do
PONTES, evento-homenagem em Ponta Delgada ao malogrado produtor, João da Ponte, Blanca publicou um
poema nos "Cadernos de Poesia" intitulado “Cinquenta e Nove”. Foi através deste que Eduardo Brito,
fotógrafo e cineasta, com quem partilha a edição deste livro, se conheceram tal
como tiveram a ideia duma aventura editorial conjunta e consequente lançamento
de “Neste Mar Imóvel”, com a chancela da Araucária Edições (https://araucaria.pt/).“Levaste
a araucária do fundo da rua”, principiava assim o verso desse poema dedicado ao amigo
comum e revelar-se-ia claro o ensejo de Blanca de expandir a sua sensibilidade a
partir do universo das letras. Desde a sua chegada à ilha foram muitas as voltas que a vida deu pois, tal como podemos ver nos títulos do livro, afloramos a presença ou mesmo a ausência da ilha: “Vida
Limitada”, “Ilha e o Desconhecido” ou “O Regresso". Da simbiose entre a escrita de Blanca Calero e a imagem de Eduardo Brito constata-se que as fotografias nascem deste percurso inicial, ainda uma partilha da sua "mirada curiosa" bem como a reflexão que brota dos
interstícios da vivência no espaço insular. E, enquanto se contempla a ilha, comprova-se que esta é um "ninho" em que se entra e sai, ao mesmo tempo que se repara na força incontida das palavras: “O sotaque era grosseiro e rude como deve ser a
verdade”. Ainda que Blanca saiba que se pode estar muito perto de pertencer à ilha, isto é, de fazer parte da sua geografia interior, ainda que ninguém poderá
compreender muitas perguntas que podem continuar sem resposta, algumas deveras
pertinentes: “Pergunto-me se nos podemos tornar ilhéus ou se devemos nascer
numa ilha para o sermos.”, presente em “Ser Ilhéu”. O mesmo será dizer: olhemos para este mar imóvel e sintamos os navios passar.
sexta-feira, 8 de março de 2019
Inverno
Parece que eternamente sobre a terra
Choverá desolação e frio
A mesma neve de horror desencarnada
A mesma solidão dentro de casas
Sophia de Mello Breyner
Choverá desolação e frio
A mesma neve de horror desencarnada
A mesma solidão dentro de casas
Sophia de Mello Breyner
quinta-feira, 7 de março de 2019
quarta-feira, 6 de março de 2019
uma história saturada de mortos
eu
agora trinta anos fumo bebo
rodeado
de toda a tecnologia do homem
assusto-me
com o grito de uma perdiz
ali
fora na seara alentejana. Insones
os
pássaros pelas noites e dias
e
choro
neste
verso avesso por um verso.
um
filho qualquer que seja o seu sexo
mas
não aqui connosco nós
não
temos histórias para contar
senão
a morte
ao
deitar
Fernando
Machado Silva, in Passageiros Clandestinos, Companhia das Ilhas, 2012.
segunda-feira, 4 de março de 2019
Missiva Pré-Primaveril com Destino a Janeiro Alves no Entrudo Pleno
Caro
Janeiro Alves,
Redijo-lhe
estas linhas nos debutantes sussurros primaveris de 2019, desejando que o meu
amigo se encontre guarnecido das mais promissoras expectativas para o próximo
estio, que segundo asseveram as mais altas patentes da meteorologia, será o
mais quente de sempre. Quaisquer mangas cavas ou demais refrescos e gelados será
sempre pouco para o verão tórrido que se avizinha!
O
motivo desta missiva é interrogar-lhe sobre o seu conhecimento de um tal
Felício Chanfra. Recebi um convite duma publicação azórico-lusitana de
reconhecido gabarito para interrogar este psicoterapeuta dada a sua reputação,
trabalho e reconhecimento em terapias psicológicas oportunamente avançadas.
Encetei com contumácia as questões necessárias e li mesmo toda a literatura
ilustrada sobre a Psicologia Moderna. Até aqui labor intenso e esforçado. O meu amigo Janeiro Alves sabe que sou um brilhante interrogador, possuidor de um
estrepitoso charme e assertivo nas minhas convicções hodiernas. Doravante, eis que não
saberei o que me irá acontecer. É que quando procurei recolher informações
sobre Felício Chanfra no grande motor de busca global, fui confrontado com
ausência biográfica, surgiram mesmo algumas frases redondas e referências próprias de uma
fragilidade inconfundível, muitas delas poderiam mesmo constar de qualquer
mural nas redes sociais. Isto, para não falar de uma hiperealidade abissal. Indaguei assim a razão do
sucesso de Felício na lista das personalidades promissoras deste novo século, e nada
consegui concluir. Na lista de grandes promessas figuram ainda o
irreparável Victor Klaus e o inefável Alberto Ai. Conjecture lá, Janeiro Alves, tamanho descaramento!
Como
deve imaginar, não sei o que hei-de fazer para diminuir a ansiedade, desatei por isso a
escrever e escutar interrogatórios de forma compulsiva, socorrendo-me apenas da recordação dos momentos de folia quando interroguei Giorgio Delle Mare e
Andar Carrasco. Em breve, faço questão de lhe endereçar o resumo, a súmula do
depressivo e suculento encontro que irei ter com esse famoso psicoterapeuta retirado do mundo. Segundo me afiançam, convirá também ficar atento aos ligeiros
achaques e altivez a que habituou o seu público desde que ganhou o Prémio Sigismundo F, atribuído pela Academia
dos Atos Falhados.
Despeço-me
no ápice da euforia e no cúmulo da folia sobretudo pelo trabalho que o meu
amigo tem vindo a realizar em prol da literatura de cordel, augurando-lhe, desde já, um
Feliz Entrudo. Com um até breve na caixa do correio.
No esplendor máximo da estima e da consideração,
Doutor Mara
A Mesa está Posta de Jorge Silva Melo
“São textos dispersos, textos que
escrevi, entrevistas, coisas que disse, cinquenta anos de viver e de andar a
pensar e a fazer. É uma escolha, são textos díspares em que água mole foi
batendo em pedra sempre dura, mas não está cá tudo, nem pensar, há textos
perdidos, outros que ficaram de lado, outros que andam por outras recolhas*.
São cinquenta anos insistentes, felizes, teimosos, sempre a defender, ó
monotonia!, essa coisa mais linda que é viver entre palavras, palavras de
outros, antigos, modernos, tantos. São textos recuperados, corrigidos,
revistos, alguns inéditos, tanta coisa sobre Teatro, pois é, foi uma vida.”
Jorge Silva Melo
*Apresentação do livro no dia 7 de Março, no Teatro da Politécnica.
domingo, 3 de março de 2019
sábado, 2 de março de 2019
O meio literal português
Nem cá nem lá,
no meio literal português cada um ocupa
o seu lugar, a meio caminho entre aquele que
a providência lhe destinou e aquele a que
o alpinismo de planos rasos o fez ascender.
Os romancistas revolvem-se em trezentas páginas,
no pânico de corpos enterrados vivos em caixões de papel,
e os poetas empregam-se
em produzir mais versos do que os minutos todos
de todos os leitores.
Os críticos esbracejam, nem contra nem pelo contrário,
nunca há pedra que a boca não engula.
E uns e outros, ofendidos como putas pudicas,
curvados
pela constatação que ninguém os lê,
convertem-se ao cinismo
de quem já leu tudo o que não quis ler.
Falar alto, intimidar de copo na mão,
em provocações e poses de taberna, continua a ser
a melhor forma de ocupar o espaço.
O pântano reproduz-se e as pegadas, come-as a lama.
Madalena Castro Campos, in "A Gun in the Garland ", Companhia das Ilhas, 2019.
no meio literal português cada um ocupa
o seu lugar, a meio caminho entre aquele que
a providência lhe destinou e aquele a que
o alpinismo de planos rasos o fez ascender.
Os romancistas revolvem-se em trezentas páginas,
no pânico de corpos enterrados vivos em caixões de papel,
e os poetas empregam-se
em produzir mais versos do que os minutos todos
de todos os leitores.
Os críticos esbracejam, nem contra nem pelo contrário,
nunca há pedra que a boca não engula.
E uns e outros, ofendidos como putas pudicas,
curvados
pela constatação que ninguém os lê,
convertem-se ao cinismo
de quem já leu tudo o que não quis ler.
Falar alto, intimidar de copo na mão,
em provocações e poses de taberna, continua a ser
a melhor forma de ocupar o espaço.
O pântano reproduz-se e as pegadas, come-as a lama.
Madalena Castro Campos, in "A Gun in the Garland ", Companhia das Ilhas, 2019.
Subscrever:
Mensagens (Atom)