sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Ribeiragrandense: Houve Jonathan e também PMDS!

     De forma surpreendente e elegante deu-se a rentrée musical em São Miguel, mais concretamente na Ribeira Grande e no seu mais que belíssimo teatro centenário, o Ribeiragandense. Foi no sábado, dia 10, com uma sala bem preenchida e com uma plateia atenta e ansiosa por escutar inicialmente a música do guitarrista canado-terceirense, de nome singular: Jonathan. Sim, é de origem terceirense, já que regressou muito tenro do Québec, no Canadá. A sala estava escura e ele, no auge da sua timidez e nervosismo, começou por augurar um bom espectáculo, referindo também nas suas palavras que se trataria de uma viagem musical. Jonhathan parece ter a guitarra como extensão do seu corpo, a respiração e cadência sente-se e é notória para quem assiste de longe. É urgente gravar estas deambulações sonoras, são cordas à solta com trinados de grande fulgor. Algumas mesmo em delírio, errantes, outras em porto seguro. E, sejamos sinceros, quem entrou neste enleado sonoro só se pode dar por feliz, extenuado, contente por saber-se tonto, exausto. Não, não era ukelelé, mas aquelas cordas navegantes cativam, serpenteiam, são águas agitadas e profundas daquele modo ilhéu nervoso, numa contensão imprevista, sedutora até à exaustão.

      De seguida, apareceu em palco a dupla PMDS, anunciados como cabeça de cartaz, o que provariam de imediato quando encetaram a audição dos temas do álbum “Caloura”, editado em Janeiro deste ano. Num cenário coroado de pura atmosfera tecno-electrónica, por vezes celestial, outras mais experimental, sem esquecer as raízes e a tradição, como foi o caso da execução do tema tradicional terceirense - “Meu Bem, desta feita elaborada ao piano de forma minimal, com roupagens de música pré-gravada. O público presente rendeu-se ao diálogo sonoro protagonizado por Pedro Sousa e Filipe Caetano, não esquecendo a imponência do cenário, aqui numa composição plástica de Marco Machado, quase espacial, algo etérea. 
    Desta feita, os PMDS passearam-se em palco propondo múltiplas viagens, e  num desses itinerários tinha por título "Berlin", evocação da capital alemã, contando também com um público “amigo e familiar”, que estava atento e cativo das camadas e atmosferas sonoras provenientes da dupla. Podíamos, evidentemente, destacar uma paleta variada de influências dos PMDS, como os Kraftwerk ou Tangerine Dream à cabeça, mas há algo de particular e distinto que nos transporta para um lugar outro ainda por nomear. Ou, muito simplesmente, a vontade de agradecer este devaneio musical produzido na ilha maior! 

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

"Pano Cru" de Sérgio Godinho

Capa de José Brandão
 







Verso de Chico Buarque

 Que tal um Samba? 

Sobre o "Inverno Demográfico"

     "O nosso "inverno demográfico"(uma metáfora tão congelada como a "longa noite fascista", que assola em diferentes graus de gravidade toda a Europa, desvia-nos da verdade demográfica, quando apreendida na escala planetária: a população mundial aproxima-se dos 8 mil milhões e não pára de crescer. Não há um problema global de falta de gente; pelo contrário; há gente a mais. Não há um déficit demográfico; há um problema de carácter biopolítico. Os desequilíbrios na distribuição de população pelos territórios são análogos aos desiquilíbrios na distribuição da riqueza. Mas o que se perfila no horizonte é que esta situação (agravada por outros desiquilíbrios) ) é insustentável e os sintomas disso já estão bem à vista: a população escolar diminuiu mas, ainda assim, não há professores suficientes, tal como não há gente para trabalhar nos cafés, nos restaurantes, nos hotéis, nas vindimas, na construção civil. Actualmente, um eletricista ou um carpinteiro são requisitados como figuras comunitárias dos quais se reclama o cumprimento não de uma tarefa, mas de uma missão. E não se pense que é um problema português: a Alemanha para fazer face ao déficit de mão-de-obra nos mais diversos sectores(alguns dos quais completamente estrangulados) precisava de recrutar cerca de dois milhões de pessoas".

António Guerreiro, in "A obsolescência não programada", Ípsilon, 2 de Setembro de 2022. 

Man Ray

Sem título, 1931
 

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Figueira da Foz: "Os Cinéfilos da Sétima Arte"!

Cartaz de José Brandão
É sempre bom recordar, lembrar com acuidade aqueles dias ainda de sol do mês de Setembro, nem que seja porque vamos entrar no tempo do calendário em que o verão se despede. Por esta altura, há mais de três décadas, rumávamos para a Figueira da Foz e, sobretudo, estávamos preparados para invadir as salas de cinema do Casino daquela cidade costeira. Durante dez dias, víamos e ocupávamos as praças e esplanadas nas redondezas para conversar após os filmes naquelas salas povoadas de cinematografias oriundas de proveniências diversas acompanhados por gente ligada à realização e produção de objectos cinematográficos.  
    A Figueira da Foz, naqueles dias setembrinos, era o "farol" da sétima arte. Era lá que encontrávamos outros membros dos cineclubes de Portugal e estrangeiros, realizadores de cinema, amantes das imagens na tela e outros tantos curiosos da sétima arte. Muitos de nós éramos estudantes e, talvez por isso, havia um forte apoio nos transportes para ali chegar, na estadia e alojamento, bem como na alimentação necessária ao visionamento de várias jornadas cinematográficas ou ainda reduções no passe geral.
    Desta feita, rumar à Figueira por estes dias de Setembro era sinónimo de lazer misturado com descoberta da essência das imagens em movimento. Quem quisesse aprender em conjunto havia ainda tempo para ir às palestras matinais de Pierre Dumont, naquelas sessões apelidadas de “Quoi dire aprés le film?”. E, muito facilmente, sentados nos bancos e esplanadas se avistava e falava com gente conhecida na realização – Samuel Fuller, John Mekas, Fernando Lopes, entre tantos outros. Ou ainda aquele famoso transeunte que, de cada vez que nos encontrava, nos decidiu cunhar com um pleonasmo, ao referir-se aos "Cinéfilos da Sétima Arte", o grupo dos que chegavam à cidade por esta altura. 
Por último, convirá referir que a organização do Festival, sobretudo nas últimas edições, faz agora vinte anos da última edição, em 2002, nem sempre foi pautada pela perfeição, no entanto, graças à boa vontade e entusiasmo, tudo era superado por essa liberdade e disponibilidade de ver filmes sem critério, à deriva, à semelhança destes dias em que dizemos adeus à estação dos grilos e das melancias e vamos, assim, retomando labores e compromissos.

Portugal Visto por Georges Dussaud

Trás-os-Montes, 1981