Caro Doutor Mara,
Estava eu nos preparos para a
passagem de ano, a abrir uma garrafa de Macieira reserva e a separar as passas
para a meia noite, quando me bateram à porta para me entregarem a sua carta.
Dei-me ao trabalho de a ler, apesar de me ter causado algum transtorno em plena
preparação do fim de ano. E deixe-me que lhe diga - o Doutor Mara diverte-me.
Mas falo de uma diversão constrangedora, num sorriso flácido que produzi com o
canto da boca, ao mesmo tempo que revirava os olhos. A forma leviana como me
insulta é de uma pobre, insípida e desprovida de qualidade literária. Chamou-me
burguês, inchado, bonacheirão, insensato, o “maior”, doidivanas, artolas, e por
fim linguista sensaborão. É caso para
perguntar “está aí alguém?”. Alô! acorde, Doutor Mara! Estamos no século vinte
e um! É que se me quer importunar, pelo menos faça-o com classe!
Enquanto não chega a meia
noite, e pelo respeito que tenho por si (sobretudo pelo seu passado pois o seu
presente é uma nuvem negra), envio-lhe algumas sugestões para que me possa insultar
categoricamente em 2017 sem que eu tenha de o desprezar. Pois fique sabendo que
eu sou um ser irascível! Há quem diga que sou a alma dos bórgias a penar, um
excremento de animal na via pública pisado por uma dondoca da linha, sou o
bicho de estimação de um rafeiro que me deixou no canil municipal, tenho a
impotência da criação e o dom da malcriação, sou parasita social e atrasado
mental. Sou mesmo um mentecapto profissional, salafrário velhaco e safardana.
Sou um saloio pote de banhas e caixa de óculos, com boca de charroco e orelhas
de abano. Não passo de um reles bebedolas, mas ao mesmo tempo copo de leite e
menino da mamã. Eu sou a praga do século vinte e um a alastrar, um farsola
macarongo e obnóxio. Enfim, um verme asqueroso, azeiteiro e lambe-botas.
Percebeu?
Espero que o ano de 2017
estanque de forma definitiva esta sua decadente caminhada para o abismo, e lhe
devolva a glória dos anos cada vez mais distantes do seu fulgor de juventude.
Espero que acorde para a vida, abrace o futuro, e pare de viver de recordações
do passado. Também lhe assentaria bem uma vontade de trabalhar, e um corte
definitivo com esse dolce fare niente
alimentado por heranças e outras benesses familiares. Talvez assim, quem sabe,
se tornasse efectivamente útil à sociedade (e não falo da sociedade nocturna
que frequenta).
Em espírito de missão na
reparação intelectual da sua pessoa, e apesar de tudo com estima e
consideração, desejo-lhe um bom Janeiro.
Janeiro Alves em Penedono, no
31 de Dezembro de 2016