terça-feira, 31 de maio de 2016

João da Ponte: Um Activista Cultural!

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“A produção cultural em Lisboa é muito mais fácil de fazer, em certo sentido. Noutro sentido, tem muito muito menos interesse porque há muita gente a fazer. Vive-se, eu penso, muito mais de resultados do que aqui porque a competição é feroz, a concorrência é feroz. Aqui…quando nós começamos havia muita pouca gente a fazer coisas. Neste momento, há mais algumas, felizmente. Mas, continuamos a ser poucos e há espaço. E eu sinto que a pequena coisa que fazemos…, apesar de ser uma pequena coisa, com pouco impacto, porque não teve nenhum reflexo nos media, por exemplo. Apesar disso, valeu a pena…”

in “Causas por Amor”, entrevista a João da Ponte, produtor cultural, Revista Ilhas, Abril/Maio de 2002.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Porquê, João?

            

            O João da Ponte faleceu, diz-me o outro João. Dos amigos não apetece desconfiar do que dizem. Eu não quero acreditar, não consigo. A notícia é triste, demasiado triste.  O João é das pessoas que não devia morrer. O João com quem eu partilhava o fim da tarde no ¾, as noites de poesia na Tascà, com quem eu debatia cinema, política, teatro, futebol e tantas outras coisas que fazem com que a vida valha a pena. Sim, o João gostava de discutir sobre tudo o que estava relacionado com a vida. O João adorava viver. O João não devia morrer. E morreu. 

domingo, 29 de maio de 2016

3ª Sessão na Galeria Miolo

Cartaz de Victor Marques

Luz da Tarde

Tânia Santos (Loch Ness, Escócia, 2016)

Resposta a Janeiro Alves no Maduríssimo Maio

Apreciei abundantemente a ligeireza e a desfaçatez da sua carta, amigo Janeiro. Começo, de facto, a ficar deveras preocupado com a sua falta de maneiras e inexistência de delicadeza da sua parte. Serão, porventura, esses solilóquios junto da natureza e da árvore de pinho que o fazem retroceder a essa força vital e primitiva de outros tempos? Velhos, sim, foram os tempos em que o amigo Janeiro se dirigia à minha pessoa com respeito e reverência. Um verdadeiro gentleman na arte de congratular-se pelas bolas para o pinhal que tantas vezes lhe ofertei em anteriores missivas. O que é que se passa consigo, meu bom amigo? Será a febre dos fenos e seus respectivos esbirros e espirros?
A verdade é que eu já desconfiava que o nome de “Janeiro Alves” pudesse estar por detrás do enredo e consequente desaparecimento de mais uma obra prima de Miriam Manaia.  O que eu não sabia é que por esse motivo o amigo Janeiro aproveitasse para viajar até à Rússia e apanhasse uma valente bruega de vodka na bonita estação de Moscovo. Dizem, amigos comuns, pertencentes à União dos Amigos de Eisenstein, que só faltou trautear Alfredo Marceneiro e o “Playback”, de Carlos Paião, dado o fervor pátrio em que o nosso amigo estava imbuído. E, por fim, ainda lamentou a nossa trágica sorte pela perda das antigas colónias e os filhos e filhas que lá deixamos num manto de saudade irreparável. Que triste, Janeiro Alves. O meu amigo talvez ainda não saiba, mas tive uma fase da minha vida em que, também eu, chorava baba e ranho quando me traziam uma garrafa de “groguinho” da Ilha de Santo Antão.
Deixe-me dizer-lhe que sim, é verdade. Estou mal, muito mal, amigo Janeiro, pois sofro de uma patologia para o qual soube há instantes não haver cura mas apenas uma terapêutica preventiva. Padeço, portanto, de papiromania…um vício ignominioso e obsessivo por papéis. A enfermidade é tal que me faz engoli-los ou devorá-los consoante o momento em que os vejo ou encontro. Acordo sobrevoado de papéis, deito-me com papéis e bebo a pensar ficar rodeado por estes que acabo a julgar que, também eu, estou mergulhado até ao tutano nos célebres papéis do Panamá. Nada a fazer, penso. Muito embora, a psiquiatra, a Doutora Alice Campos Ferreira, me aconselhasse uma terapêutica de substituição: abrir uma conta no Livro das Caras ou realizar diariamente três quilómetros de caminhadas junto do mar!
            Por último, espero que Janeiro Alves se encontre bem aí para os lados de Belém. Coma, portanto, um pastel de nata para diminuir a azia, o que certamente lhe fará bem às próximas missivas a enviar e ajudará nas competências sociais a desempenhar.  
Com um grande abraço de amizade,

Doutor Mara

terça-feira, 24 de maio de 2016

Amanhã, na Galeria Miolo, pelas 21 horas

Fotografia de Carlos Olyveira

        Depois de uma primeira apresentação em que não coube mais ninguém, chegamos, inclusive, a pensar repetir no próprio dia, iremos voltar à Galeria Miolo na noite de amanhã, quarta-feira, dia 25 de Maio, pelas 21 horas. O João Malaquias vai assim afinando o texto e repetindo de forma sistemática as suas repetidas derivações: “Será que podes controlar o que os outros pensam de ti? Não. Não podes controlar o que os outros pensam de ti. Não podes. Podes é parar de pensar sobre isso, pois podes. À tua frente, um espelho para olhar. Fixas o teu olhar no espelho. Espelho que em latim se diz speculum. Eis o teu reflexo nesta distância que vai de ti aos outros. Devolve-te agora uma imagem que julgas ser autêntica, verdadeira, real. Um espelho inclemente que te diz que vais envelhecendo a cada dia que passa.” Ao Vitor Marques e Mário Roberto, responsáveis pela Galeria/Editora Miolo, e  ao público e restantes pessoas que têm acarinhado e apoiado este monólogo, produzido enquanto espectáculo por apenas seis euros, champanhe incluído, o nosso mui obrigado!

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Missiva de Janeiro Alves neste Maio Maduro

Caro Dr. Mara,

À excepção do envio dos inevitáveis filetes de peixe, todo o conteúdo da última carta que lhe remeti no dia 1 de Abril não passou de um mero exercício de ficção, em nada correspondendo à verdade. Espero que tenha apreciado.
Gostaria de lhe dar uma explicação sobre o quadro subtraído da exposição da nossa amiga Miriam Manaia. Tratou-se de uma cabala, meu caro. Foi recolhido por um indivíduo que se fez passar por Janeiro Alves, mas que na realidade fazia parte de uma ala extremista da Máfia Russa sedeada em Volgogrado. Os meus capatazes puseram-me em contacto com o cabecilha, com quem encetei complexas negociações. Naquela mesma semana viajei para a Rússia com o objectivo de resgatar a obra de mãos criminosas, e a missão foi um sucesso. Não consegui trazer o quadro, mas fiz muitos amigos e diverti-me bastante por lá. Fui muito bem tratado, e no final ainda fui presenteado com um conjunto de bonecas russas em porcelana e duas garrafas de vodka.
Esclarecido este ponto, queria partilhar consigo o facto de me encontrar agora num período de reflexão, e de ter regressado à jardinagem. A complexa e fascinante geometria das plantas fornece-me concisas indicações de conduta, e alegres ilusões de beleza e proporção. No final, a frescura da erva cortada e dos ramos podados cintila no ar, e a passarada precipita-se harmoniosamente pelo jardim, comemorando uma espécie de libertação das trevas. Acredite Dr. Mara que este retiro me tem fornecido o vigor mental necessário para regressar com toda a pujança ao implacável relógio suiço que é a cidade onde vivo.
Mas deixemos para trás os pequenos trechos de quotidiano que salpicam a trajectória disforme da minha luta, e foquemo-nos em aspectos mais relevantes, e que têm a ver com a sua individualidade. Dir-lhe-ei desde já que me chateia, já para não dizer que me aborrece, o facto de saber de si sempre por interposta pessoa. Sei tudo sobre si, Dr. Mara, pese embora o facto de pouco me contar. Sei que anda muito ocupado na escrita, que escreve para cinema, para teatro e mais além, para si ou para alguém, de noite e de dia, à excepção de comer e beber, já não pára de escrever. Dizem-me que o vêem de vez em quando a passar meio apressado, com a barba por fazer, e com papéis a esvoaçar dos bolsos do seu casaco. Este seu invejável fulgor na escrita seria para mim motivo de regozijo em toda a plenitude do termo, não fosse a preocupante circunstância de o terem visto a entrar no consultório de um psiquiatra. O que se passa consigo Doutor Mara?

Com a mais profunda amizade,

Janeiro Alves

sábado, 21 de maio de 2016

Mar

Faz-se chamas com a fúria cava
de uma onda ou a táctil cobertura
de uma espuma

Começa em silêncio, embalando
uma canção de dentro, chamando
para a distância a promessa do reverso
afundado do mundo

Se digo mar
falo do homens que não passam
de sobras esquecidas para quem o destino
ilude, com um mais do que desesperado brilho
o recorte de um pesadelo
E acabam
com os corações
pescados ao largo de Lampedusa.

E não sei – nem sabem estes versos -,
como deixar que não seja o mar,
com o mesmo som sem lamento e sem delírio,
que traga mais ruína
à memória com que ainda se escreve Europa
enquanto regressa e acentua
a diferença entre tempo e eternidade
e me encontra à espera da manhã
a sua superfície em frente,
como se olhasse através do fim.

Rui Miguel Ribeiro, in “Mar”, livro de fotografia de Tiago Miranda.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

“Podemos Controlar o que os Outros Pensam de Nós?” na Galeria Miolo

João Malaquias por Carlos de Olyveira
Sete anos após aqui amarar, o texto “Podemos Controlar o que os Outros Pensam de Nós?” foi a terceira proposta teatral, ou leitura encenada, se assim lhe quisermos chamar, realizada nestas andanças pelo arquipélago dos Açores. Decorria o ano de 2011, quando se deu a dramatização do texto poético intitulado “O Olhar de Uma Inatingível Ternura”, contando, à altura, com os gestos e as vozes de Ana Sequeira e Tiago Silva, a interpretação e criatividade musical de João Silva, os desenhos de Daniel Seabra Lopes e Isabel Lhano, ainda os vídeos de Aurora Ribeiro. A representação/ evocação do texto punha em cena a relação imaginária e afectiva entre um expectador e a actriz fetiche de Ingmar Bergman: Liv Ulmann. Este texto foi apresentado por duas vezes, uma na Biblioteca da Horta e outra na Fábrica da Baleia. Enquanto curiosidade, este texto seria mais tarde traduzido para norueguês pela Kristina Kvile, ainda que nunca tivesse sido lido pela actriz norueguesa. A segunda dramatização de novo texto ocorreu em Fevereiro de 2014, na Travessa dos Artistas, com a representação do capítulo “Futurofagia”, a partir da súmula das “Charlas Quotidianas do Doutor Mara”, que contou com as participações dos actores João Malaquias e Judite Fernandes bem como as ilustrações do artista plástico Luís Brum. Muito embora a mudança de ilha, três novos capítulos das “Charlas Quotidianas do Doutor Mara”-"Ginecomagia","Tarantorerapia" e "Enomátria"- foram postos nas tábuas do palco, desta feita no Auditório ao Ar Livre da Biblioteca Municipal da Horta, com as interpretações de Tiago Vouga e Aurora Ribeiro, replicando a representação por mais duas vezes e para uma audiência de 150 pessoas nas diferentes actuações. Este espectáculo chegaria, entretanto, à cidade de Ponta Delgada em Janeiro deste ano, para somente uma apresentação na Galeria Arco 8. Uma noite de sala cheia e boas memórias. Desta feita, ontem, na Galeria Miolo, no centro histórico de Ponta Delgada, com a interpretação de João Malaquias, foi a vez de apresentar o monólogo teatral“Podemos Controlar o que os Outros Pensam de Nós?”

Daqui a instantes...


segunda-feira, 16 de maio de 2016

"Pulsos Fistréticos - Contos Maléficos" de João Habitualmente

Companhia das Ilhas, 2016.
São várias as histórias/contos que povoam este universo de João Habitualmente, editado agora pela Companhia das Ilhas. Os títulos deste “Pulsos Fistréticos - Contos Maléficos” anunciam várias narrativas: “Leocádia, a Streaper Rural”, “Desidério, o Filósofo do Planalto”, “Antenor, o Combatente da Esperança”, “Oleksiy, o Trapezista do Betão”, “Depois dos Diálogos com o Musgo”, “Train Trip”, “Do Outro Mundo”, “Últimas Palavras”. São 160 páginas de puro deleite narrativo e prazer da leitura, tal como se pode ler em “Oleksiy, o Trapezista do Betão”: “Às quatro em ponto parou para beber água. Miríades de gotículas formavam um diadema aquoso por toda a testa. Descontraiu-se, expandiu o olhar pelos campos em redor. Daquela altura podia vê-los a desdobrarem-se em tons amarelados até à linha da costa. Em paz contemplativa, espraiou-se no andaime como quando, nas noites de friagem de Zaropigia, se reclinava no sofá a aquecer a vodka na crepitação da lareira. Da carcaça do edifício brotava agora a dolência melancólica dum fado, bruscamente interrompido pelo sinal horário. «São 16 horas no continente e na Madeira, 15 nos Açores». Onde seriam os Açores?” Boa malha!

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Una Donna...

Una Donna in Vacanza è bella

Una donna in vacanza è bella
Porta il calendario incerto della bellezza
E i principi disciplinati della passione
A volte a mezzogiorno sulla sabbia si risveglia
L'orologio biologico delle frasi calcolate

Una donna in vacanza è bella
Una donna in vacanza è troppo bella
Racconta storie incredibili, improbabili
Nasconde la schiuma come onde all'alba
E, infine, conserva la cera che brucia durante gli addii.

Una Donna Arrabbiata è Bella

Una donna arrabbiata è bella
Assorbe fiele come onde agitate
Nasconde scatti di luminosità e di calma
Riconosce il piccolo dolore e il grido
Accumula incisioni e forte riluttanza
Incoraggia l'esistenza senza paura
la casa accesa e la fortuna dovuta

Una donna arrabbiata  è bella
Una donna arrabbiata è troppo bella
Impaziente conserva nella memoria le risate
Rischia dall'alto della luce sovrastante
Si prende cura della paura senza rivelare la storia
Dialogo continuo tutta la notte  
E si rafforza nei sogni reticenti
allontanandosi dall'eccessivo  trambusto.

-Versões de "Uma Mulher em Férias é Bonita" e "Uma Mulher em Fúria é Bonita" vertidas para a língua de Dante com a colaboração de Eva Giacomello. 

Regras do Jornalismo

    “Se fizesse ideia da relação pecuniária entre Carlos Santos Silva e José Sócrates teria feito perguntas por considerar a situação, no mínimo, eticamente reprovável. Mas nunca, desde novembro de 2014, fui questionada, por qualquer dos media que, aos longo de quase ano e meio, me tentaram implicar no caso, sobre o que eu sabia. Nem um pedido de esclarecimento, de entrevista, um questionário. Nada. Como interpretar isto? As regras do Jornalismo (se quisermos fingir que achamos que certos órgãos praticam jornalismo) são claras quanto à obrigatoriedade de ouvir as partes interessadas.”

Fernanda Câncio, revista Visão, 9 de Maio de 2016

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Jorge Kol na Galeria Miolo

exposição de fotografia "Uma Mancheia de Circunstâncias de Independência",  de Jorge Kol de Carvalho, abre hoje ao público, quinta-feira, pelas 18 horas, na Galeria/Editora Miolo, na cidade de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel. Trata-se de um conjunto fotografias que tem como referência uma parte recente da História dos Açores, mais concretamente os movimentos autonomistas e independentistas que se lhe seguiram, essencialmente no pós-25 de Abril de 1974. As fotografias, todas elas com a presença de um busto de um homem com a mão ao alto, sob o signo do discurso de independência, mostram essa imagem espalhada por vários lugares: paredes de casas, edifícios oficiais, casas particulares, muros brancos, materiais públicos, etc. O fotógrafo interroga de forma apelativa e estética o discurso revolucionário contido na imagem principal bem como os códigos citadinos associados associados à sua representação. Jorge Kol apresenta-nos uma crítica mordaz e irónica e, por isso, dialoga muito bem e de forma bastante inteligente, com os lugares de todos os dias, evidenciando um campo aberto de perspectivas e sentidos para nos re(vermos) e pensar (mos). A ver e visitar até dia 3 de Junho.

"Fome de Vento" de Medeiros/Lucas (com Tó Trips e Filho da Mãe)

“Primeiro tudo é boca
E dela o trago sorvido

Depois o mundo cresce
E nasce o sonho vivido

De pés e mãos andantes
O corpo quer ser vivido

Depois do ventre o norte
E vontade do sentido

Desde o fundo do tempo
O Homem vê-se sofrido

Depois o peito embate
E tudo se faz cumprido

No fim silêncio ouvido
E nele o jogo vencido.”

Letra de João Pedro Porto

quarta-feira, 11 de maio de 2016

segunda-feira, 9 de maio de 2016

"Maio" de Raul Brandão

      "Já rebentaram as fontes. Toda a terra se agita, viva, dentando cá fora o seu sonho. Dir-se-ia que sob o chão que pisamos correm rios de tinta que transbordam, subindo nos troncos, cobrindo-os de roxo, de branco, de púrpura e verde…. Vai por esse mundo um deboche de cor. As plantas aparecem-nos na mais linda toilette, os bichos vestem as suas roupas mais ricas. Não há princesa na terra que possua tão maravilhosos tecidos, sedas, oirescências, desenhos, aplicações de igual beleza e juntamente de fragilidade tamanha…. Vi ontem uma vespa a passear numa pétala de rosa…. Tinha caído um desses aguaceiros de Primavera rápidos e precipitados – mas logo o céu correu a jorros, dourando a terra.
(…) O português, que é sempre um poeta, tem esta falha – não ama as flores. Em qualquer canteiro se podem criar obras de prodígio; a mais mesquinha terra é fácil de converter-se em sonho. Pois vê-la-eis estéril e abandonada. Há neste doce país o desprezo da flor – a não ser que ela se possa trocar em moeda corrente. Não é raro vermos numa praça pública abater-se sem protesto uma árvore. É até vulgar!.... Quando uma árvore começa a ser bela, esgalhada e enorme, cheia de ruídos e de sombra, surge o vereador e corta-a, sem imaginar, sequer, que mais vale um simples e humilde plátano do que um conselheiro de Estado. O político é inútil…. Faz mais diferença à natureza o assassinato de uma grande árvore, que dá sombra e frescura, que a alta missão de purificar a atmosfera, do que a morte de meia dúzia de conselheiros de Estado gravíssimos e calvos. Perdoem-me!...
Ah sim! Maio, não era? Era de Maio que eu vinha falando?.... Já rebentaram novas fontes e não há valado, carreiro de aldeia onde não cresçam lírios selvagens, lindas florinhas graciosas e humilíssimas…. As raparigas cortam-nas, enfeitam com elas os cabelos e os seios – e riem, coram, se as olhamos. Só na cidade não há flores. Ontem, ao entardecer, deparei na rua com este caso enternecedor e banal. Nem já se diferenciavam as ressequidas. Uma triste rapariguinha que passava, descalça, de saia rota e cabelos ao vento, apanhou-as da poeira. Sacudiu-as e pondo-as no peito, partiu a cantar numa satisfação imensa, alegre como um pássaro.
Era decerto condão das flores – mas também de Maio que chegou, com a sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra di-la-eis agitada e viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem de árvores de roxo, de púrpura, de verde."

in Brasil-Portugal, Lisboa, 16 de Maio de 1901, pp.125-126- Tb. In Vimaranense, Guimarães, 5 de Maio de 1917, p.1. Retirado do livro A Pedra ainda espera dar flor, dispersos. Raul Brandão (Organização Vasco Rosa).

Sonhos

Dreams de Sten Erland Hermundstad
(imagem You Tube)
         
           Quanto vale um sonho? Quando custa perder um sonho? E os sonhos todos juntos quanto valem? E perdê-los todos num só dia? E abrir mão deles podemos? Há dias em que podíamos muito bem construir todo um universo à volta deles?A música contribui para esse edifício onírico à volta dos sonhos de olhos abertos.Sonhos que permitem que absorvemos o ar todo do mundo, a respiração dos pequenos gestos quotidianos, o esplendor da vida que ao nosso lado se agita. Por isso quando sonhamos sabemos que há sonhos que são unicamente nossos, que nada nem ninguém nos consegue tirar...

sábado, 7 de maio de 2016

Chet Baker

Amarga coincidência essa de te fotografarem
sentado no peitoril de uma janela tocando
trompete e o modo como morreste. A toada

limpa e morna que se ouvisse se tocavas para alguém
para a cidade ou apenas para a noite são perguntas
com tanto de inútil como de impossível de responder.

Permanece o forte tempero de ironia de que
o jazz é composto esse sorriso à dor uma forma
de unir tudo o que na vida é fuga.
Agora só essa toada de bicho nocturno confirma isso

a ironia a fotografia a forma como morreste e quem sabe
um engano que levasse o tempo de uma queda

de um corpo da janela ao chão da rua.

António Amaral Tavares

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Fazendo 106

      Saiu a edição nº106 do boletim cultural FAZENDO(https://issuu.com/fazendofazendo), mais uma vez em formato online e versão impressa. Ao todo são quinhentos exemplares impressos na Tipografia Telégrafo, na cidade da Horta, Ilha do Faial. Em oito anos de publicação, já lá vão 106 números distribuídos e espalhados pelas mesas e lares das ilhas açorianas. Nos últimos tempos chega com sucesso (e de forma aérea e voluntária!) a cinco ilhas: Faial, Pico, Terceira, São Miguel e Santa Maria. É, desde o primeiro número, livre, gratuito, independente e comunitário. É a experiência participada, informativa, livre e autónoma mais bem sucedida nos tempos mais recentes em todo o arquipélago açoriano. A direcção deste boletim cultural é pertença do Tomás Melo e da Aurora Ribeiro. E todos os anos a revista altera o seu grafismo, renova a constituição dos seus conteúdos, não incluindo qualquer forma de publicidade comercial. Não há memória de nada assim ousada e tão longeva, essencialmente com estas particularidades na história das revistas/jornais nos Açores. Curioso também é o facto de não estar sob a alçada de qualquer instituição governamental ou poder político. 
A edição de Maio do FAZENDO traz consigo a capa do fotógrafo Jorge Barros que continua a fotografar as ilhas e os açorianos de forma sensível e irrepreensível. Caso mesmo para dizer: “Baleias de Barbas e Baleeiros de Bigode”. Há, portanto, no seu interior muitos artigos para ler e fruir nesta Primavera com muito pólen no ar e muitas águas vivas a chegar. Boas leituras! Eis a edição online:https://issuu.com/fazendofazendo/docs/106_zen_impress__o/1

Satie 150 no Teatro Micaelense

Joana Gama por Eduardo Brito
Erik Satie“Sonneries de la Rose + Croix (Air du Grand Prieur)
John Adams“China Gates”
Erik Satie“Gnossienne n.º1”
Carlos Marrecos“Três Prelúdios Sobre o Mar”
Erik Satie“Gymnopédie n.º1”
Arvo Pärt“Für Alina”
Erik Satie“Embryons Desséchés”
John Cage“Dream”
Erik Satie“Sonatine Bureaucratique”
Alexander Scriabin“Vers la Flamme”
Erik Satie“Cinéma

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Erik Satie: o Peripatético!

Cartaz em serigrafia de Luís Henriques
          

         Erik Satie nasceu há 150 anos na Normandia e viveu uma boa parte da sua vida em Paris, falecendo na capital francesa em 1925. As suas composições musicais ficaram conhecidas mundialmente pelo seu minimalismo e simplicidade. Os que privaram com ele disseram que ele era excêntrico e irreverente. Cultivava a poesia, o desenho de caricaturas (inclusive de si próprio) e o esoterismo. Coleccionava guarda-chuvas e cachecóis, pois tinha pouco apreço pelo sol. Foi na cidade das luzes que trocou a Montmartre por um quarto modesto na periferia industrial da urbe parisiense. Na sua biografia constam nove quilómetros diários de dar à sola para tocar. Esteve apaixonado por uma única mulher ao longo da vida: Suzanne Valadon. A pianista Joana Gama aborda a sua vida  e obra às 18 horas do no Conservatório de Música de Ponta Delgada. Amanhã há filmes relacionados com este compositor e na sexta há recital pela pianista.

terça-feira, 3 de maio de 2016

O Direito à Cidade

(…)“Encontramo-nos perante cidades onde o consumo é o motor principal das acções urbanísticas. A consequência é a proliferação de espaços de segregação cultural e económica, que afastam a população da realidade urbana, e fazem com que as cidades se pareçam umas com as outras. Os processos de gentrificação e turistiificação são alguns dos motores desta segregação.
O aumento do turismo provoca grandes expectativas em termos de desenvolvimento económico, mas coloca também a questão dos recursos a afectar à conservação e revitalização dos centros históricos. Na maioria dos casos, as cidades, por causa da pressão exercida pela indústria turística, transformam-se em imagens estereotipadas, ou têm de se adequar ao mercado internacional.
Ao mesmo tempo, os processos de gentrificação e turistificação provocam o deslocamento mais ou menos voluntário das populações locais, colocando em causa o direito à cidade.
A visão teórica da reabilitação na óptica da valorização do património para todos, salvaguarda a diversidade cultural e de um desenvolvimento sustentável permanece na agenda do dia. Porém, as dinâmicas económicas e as transformações urbanas daí resultantes têm vindo a comprometer a coesão socioeconómica e territorial.
Fabiana Pave inGentrificação e Turistificação: o Caso do Bairro Alto em Lisboa”; Le Monde Diplomatique, Abril de 2016.