quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Um Poema de Daniel Gonçalves

Talvez valha a pena, falhar tantas vezes, corrigindo
a moda dos vestidos, mudando o nome da moeda,
a taxo do juro que nunca te esquecerei, como
paciência que garimpa o fundo dos teus olhos, à procura
do que escapou, como fissura que se abrandasse,
água que nunca escaldasse, amor que ficasse,
voluntário e feliz, como uma palavra sem defeito.

in Estes Assuntos Tristes, Labirinto, 2016.

Um Verso de Tochapestana

o plástico é fantástico dura muito mais do que tu

domingo, 28 de outubro de 2018

Castello Branco: O Peso do Meu Coração

Você não é
Quem você pensa que é
Você não tem
Quem você pensa que tem

Pra entender o amor
Faça um trato com a fé
Diz que o céu, quando quer
Força o braço que for
E abrir o mar aí
E abrir o mar, aí

Pra entender o amor
Faça um trato com a fé
Diz que o céu, quando quer
Força o braço que for
E abrir o mar aí

Fica mais leve
O peso do meu coração
Fica mais leve
O peso do meu coração

álbum "Sintoma" de 2017.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

A Mala sem Fundo de Vivien Meyer

Caminhamos lado a lado 
ao quarto daquela residência
despertos pela guita e o deleite
do que ambos lograríamos pronunciar
promessas de enigmas a horizonte
contidas pelo fresco hálito da semelhança  
anseios num desejo em torvelinho
sopro imprevisível que alevanta moinhos
demais estruturas assentes em antigos pilastres 
o desatino de espelhos por revelar
já sem o temor da fornalha iminente.

Antes que o Retiro se Assome

Despedimo-nos daquele ensaio imprevisto,
o cabelo molhado por entre as folhas do jornal,
o ar distante a deslocar-se a oriente,
análogo à fuga dos garajaus no anil do céu,
aportamos ali, acanhados em permanecer,
sem garantias dum destino radiante,
o mal que nos fazem os pingos da chuva, dizes,
somente a mortalha, o espiar do sol,
agonia das nuvens, ventosas, inquietas,
vão connosco, sem rota, à deriva,
de olhos bem fechados,
antes que o retiro se assome.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

No Sorriso Louco das Mães de Herberto Helder

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.

Pequeno excerto de do poema «Fonte», de Herberto Helder, publicado em A Colher na Boca, 1961.

domingo, 21 de outubro de 2018

FALTA: Vem aí o nº1


Parte Poética

Não é fácil ser poeta a tempo inteiro.
Eu, por exemplo, nem cinco minutos
por dia, pois levanto-me tarde e primeiro
há que lavar os dentes, suportar os incisivos
à face do espelho, pentear a cabeça e depois,
a poeira que caminha, o massacre dos culpados,
assistir de olhos frios à refrega dos centauros.

E chegar à noite a casa para a prosa do jantar,
o estrondo das notícias, a louça por lavar 
Concluindo, só pelas duas da manhã,
começo a despir o fato de macaco, a deixar
as imagens correr, simulacro do desastre. 
Mas entretanto já é hora de dormir.
Mais um dia de estrume para roseira nenhuma. 

José Miguel Silva, in "Últimos Poemas", 2017. 

sábado, 20 de outubro de 2018

Da Escrita

"Isabel Lucas: Os Cus de Judas é publicado logo depois de Memória de Elefante. Pela primeira vez aprofunda o tema da guerra.
António Lobo Antunes: É difícil falar de guerra. Não sei se a guerra era tanto o tema quanto o espanto daquele rapaz que teve uma infância agradável. Os meus pais não eram ricos, não havia semanadas; se queríamos dinheiro, tínhamos de o ganhar. O meu pai ganhava pouco. Era o desespero da minha mãe, porque ia para o consultório e, em vez de levar dinheiro aos doentes, levava-os para casa. Não era capaz de levar dinheiro às pessoas porque estavam doentes. E nós éramos seis filhos. Tínhamos uma casa grande que o meu avô, pai do meu pai, tinha comprado. Ele era rico. Chamava-se António Lobo Antunes e eu adorava-o. Quando soube que eu escrevia, tinha eu 8 ou 9 anos, chamou-me e perguntou-me: “Ouve lá, tu és paneleiro?” Eu não sabia o que era paneleiro. E fui perguntar e a explicação deixou-me ainda mais aflito."

Excerto da entrevista de Isabel Lucas a António Lobo Antunes, Ípsilon, 19 de Outubro de 2018.

...

Só tu 
sabes sorrir 
na vertical.

Jorge Sousa Braga in de Fogo Sobre Fogo.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Réplica a Janeiro Alves ao Cair da Folha Outonal

Caro Janeiro Alves,
É de madrugada e estava eu já com um pé na porta quando recebi um telefonema que alterou os meus planos.  Encontrava-me assim com duas latas de atum da corretora na mão quando recebi esse inusitado convite que travou a minha ida ao seu encontro: serei júri da maior prova de vinhos do mundo a realizar este fim de semana na marina de Cannes. Somos apenas cinco provadores, um de cada continente, por isso não devo nem posso faltar. É um reconhecimento tardio, mas que julgo vir no momento certo.
Tencionava, por isso, visitá-lo com urgência, mesmo que não autorizem visitas, já que soube, entretanto, que o meu amigo Janeiro não se encontra na plenitude das suas capacidades, o alerta foi dado pela antiga companheira do meu tio, a sueca Vicky Malastrom, confirmando o estado grave e alterado da sua personalidade. Ela enviou-me a tradução singela do poema contido na sua última missiva:“Ajude-me, salve-me desta tragédia!”. Depreendo deste modo que corre perigo, amigo Janeiro Alves. A loucura quando chega é para todos.
E, talvez por isso, transportaria comigo alguma literatura humorística-satírica com o intuito de trazê-lo de volta à realidade. Estou certo que o meu amigo tem levado uma vida com demasiada seriedade, sempre pronto a evidenciar o sacrifício dos dias laboriosos, o longo calvário em que se tornou a sua existência, demonstrando pouca tolerância e propensão para o ócio. E olhe, com toda a garantia do que lhe digo, os mangas de alpaca não tarda irão tomar conta disto.
Enquanto lhe escrevo esta missiva e atiro mais um par de meias grossas para a mala dourada deste enólogo certificado internacionalmente, avisto as açucenas – “a menina vai à escola” – que despontam no meu sublime jardim. Terei, assim, que abandonar por agora os meus estudos relacionados com a botânica ou a higrometria insular tal como essa visita à casa de restabelecimento mental em que se encontra. Espero, por instantes, que esta carta o encontre coberto das mais nobres vestes e calçado com os seus sapatos italianos de cetim afivelados, continue a ouvir concertos de clarim e harpa para coro de pássaros exóticos. Ou que as ninfas e ninfetas lhe continuem a fornecer directamente à sua boca os mais frescos frutos do bosque sussurrando palavras de bonomia aos seus ouvidos bem como esses fontanários de água celestial permaneçam a jorrar como tónico capilar para o cabelo que lhe voltou a medrar aos gorgolhões.
Amigo Janeiro Alves, não tardará muito para que, após o desaguar de vapores etílicos no meu circuito venal, o acompanhe nos corredores dessa casa magistral povoada de folia.
Seu estimado e maravilhoso amigo,
Doutor Mara

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

"Fernando Lemos - Como, não é retrato?" de Jorge Silva Melo

Retrato de Alexandre O´Neill por Fernando Lemos 

    


     "O desejo é a cura do que nos falta. Você só deseja curar aquilo que te está faltando."

Fernando Lemos

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Medeiros/Lucas: Falta um Mês

            
Medeiros/Lucas na Igreja da Mãe de Deus
Pontes I (Março 2017)
(Fotografia de Carlos Olyveira)
             
             

           Já passaram quatro anos desde o primeiro concerto desta dupla, organizado então pelo produtor, João da Ponte, na extinta Tascà da rua de Lisboa, em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel. À altura deram um concerto para apenas duas dezenas de amigos, tendo servido para  alavancar este apaixonante projecto que conta já com três álbuns gravados: “Mar Aberto”, “Terra do Corpo” e “Sol de Março”. A novidade dos últimos dois discos trouxe também as letras do escritor micaelense: João Pedro Porto. Na memória ainda pairam os concertos na abertura do Tremor 2016, no Museu do Trabalho das Capelas, e aquele que abrilhantou a primeira edição do “Pontes – Gramáticas da Criação”, em Abril de 2017, onde estes tocaram na Igreja da Mãe de Deus. O novo regresso está marcado para o dia 17 de Novembro, às 21h30, no Teatro Micaelense, inserido no evento literário: "Arquipélago de Escritores". Falta exactamente um mês e, por aqui, há já quem aguarde com ansiedade o regresso destes príncipes do atlântico. 

terça-feira, 16 de outubro de 2018

A Ofensiva Outonal de Janeiro Alves (Não Tardará pela Resposta)

Caro Doutor Mara,
Ficaria este seu mui amigo descansado, se esta carta o encontrasse na plenitude das suas capacidades intelectuais, sobretudo se orientadas para assuntos belos tais como a divindade na botânica ou a higrometria insular, e não para devaneios anarco-sindicalistas que já o prejudicaram no passado.
Escrevo-lhe no despontar do Outono da varanda do meu quarto, onde pelo meio da folhagem tropical se vislumbram excertos do pátio central desta magnífica casa de saúde setecentista, enquanto com a mão esquerda afago os meus sapatos italianos de cetim afivelados que tantas recordações me trazem da Eslovénia e de Trieste. Queria saber como vai o meu amigo, mas posso desde já assegurar-lhe que bom, bom estou eu. Naquele dia em que corria nu pela Praça D. Pedro V, firme e convicto na minha luta contra certas e determinadas situações contemporâneas que corroem os pilares da nossa sociedade, estaria longe de imaginar que uma camisa de forças me transportaria a este idílico cenário de anjos, concertos de clarins e harpas para coro de pássaros exóticos, ninfas e ninfetas que nos fornecem directamente à boca os mais frescos frutos do bosque como se fossem comprimidos para a inibição das consciências enquanto sussurram palavras de bonomia aos nossos ouvidos, risos de cristal que ecoam nos claustros e balaustradas, e fontanários de água celestial a correr como tónico capilar para o cabelo que me voltou a crescer às golfadas. Isto constitui apenas uma breve impressão desta casa magistral, pois tenho a certeza de que se fosse entrar em pormenores, o meu Caro Doutor Mara estaria aqui já amanhã, de mochila às costas, a pedir que o deixassem entrar. É uma pena que não estejamos autorizados a receber visitas, e digo-lhe desde já que não sabemos bem onde estamos. Ser-lhe-á fornecido um apartado, para o caso de o meu caro amigo ter a gentileza de responder a esta carta.
Termino esta missiva com um excerto de um poema sueco muito bonito, que partilho consigo pois aqui ninguém fala essa bela língua: “Hjälp! Rädda mig från denna tragedi”
Janeiro Alves

Dias Líquidos

Fotografia de Carlos Olyveira

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Associação Cultural Octopus: 40 anos


A Associação Cultural Octopus faz 40 anos de actividade. É com enorme orgulho que fiz parte desse movimento colectivo de organizar sessões de cinema todas as semanas numa pequena cidade costeira do litoral português. Lugar de aprendizagem colectiva da sétima arte, foi sempre um espaço de debate e de afirmação da expressão cinematográfica que se quer diversa e plural. Hoje as sessões continuam no Cineteatro Garrett já que a sala do Estúdio Santa Clara não existe mais. Este verão assisti entretanto a uma sessão de cinema ao ar livre, desta feita no jardim da casa de Manuel Lopes, um bibliotecário-cinéfilo recentemente desaparecido. Recordo, por isso, nesta data redonda a referência às palavras debutantes do grupo fundador da associação aquando do início do cineclube: "Fomentar o diálogo, a opinião crítica e a convivência, sensibilizar para a leitura da imagem cinematográfica, cultivar o cinema como arte e como forma de intervenção social e divulgar o cinema português são os objectivos que o Grupo Octopus pretende alcançar com a exibição regular de películas de autores nacionais, tão mal queridos dos habituais circuitos comerciais de exibição.”

Wine in Azores: 19, 20 e 21 de Outubro no Pavilhão de Exposições da Associação Agrícola na Ribeira Grande

Desde há algum tempo que os vinhos nacionais conquistam estantes noutros países, para além do facto de serem elogiados e terem obtido prémios nos muitos concursos existentes, muito à base dos produtores e promotores que lutam pela qualidade dos mesmos. Seria bom que o mercado mantivesse a qualidade associada ao bom vinho e barato, sobretudo para que estes continuem com um preço acessível, e que assim permaneça a garantia vinícola associada à região onde se dá a vinha e ao carácter do seu produtor. É curioso que somos poucos os que damos valor aos críticos ou então que se valorize de forma excessiva a importância que estes possam ter na "solvência" do mercado vitivinícola. O que é certo é que o vinho português aumentou a sua qualidade tal como se estendeu o seu hábito a uma boa fatia da população portuguesa, mantendo-se assim como um dos produtos característicos e identitários deste rectângulo à beira-mar plantado mais as suas ilhas atlânticas.

Da Raridade

"Todas as coisas dignas de atenção são tão difíceis quanto raras."
                                                                                                                Espinosa

Filme d´Outono: Annie Hall de Woody Allen



       "Voz de Alvy: ...eu pensei naquela velha piada, sabem, daquele tipo que, vai ao psiquiatra e diz: “Doutor, hum, o meu irmão está maluco. Pensa que é uma galinha." E, hum, o médico pergunta: "Bem porque é que não o interna?" E o tipo responde: "Eu internava-o, mas preciso dos ovos". Bem, creio que é mais ou menos isto que penso sobre as relações humanas ou entre as pessoas. Sabem uma coisa? Elas são completamente irracionais e loucas e absurdas e, mas, hum, creio que continuamos a mantê-las porque, hum, a maior parte de nós precisa dos ovos”.

Woody Allen in Annie Hall, 1977.

Verso de Tom Waits

Well I hope that I don't fall in love with you

domingo, 14 de outubro de 2018

Bella Ciao (Goodbye Beautiful) por Tom Waits e Marc Ribot

One fine morning I woke up early
Bella ciao, bella ciao, bella ciao
One fine morning I woke up early
Find the fascist at my door
Oh, partigiano, please take me with you
Bella ciao, bella ciao, goodbye beautiful
Oh, partigiano, please take me with you
I'm not afraid anymore
And if I die, oh, partigiano
Bella ciao, bella ciao, goodbye beautiful
Bury me upon that mountain
Beneath the shadow of the flower
Show all the people, the people passing
Bella ciao, bella ciao, goodbye beautiful
Show all the people, the people passing
And say, "oh, what a beautiful flower"
This is the flower of the partisan
Bella ciao, bella ciao, bella ciao
This is the flower of the partisan
Who died for freedom
This is the flower of the partisan
Who died for freedom

Chegou o Outono

              Chegou o Outono. Com ele avistam-se as primeiras beladonas  mais o seu ar colorido, singelo e festivo. Há neste lugar de tanto verde quem lhes atribua o nome “meninas para a escola”, sendo também conhecidas comummente por  açucenas. Outubro é o mês em que devemos fazer o cultivo na horta de nabos, nabiças, nabo greleiro ou ainda fazer o plantio de verbena, goivos, sálvia entre tantas outras coisas. É também o mês das grandes chuvas, do vento e dos dias líquidos tal como das folhas caídas. Daqui a pouco já podemos comer castanhas e escutar o mar em silêncio. 

Fotografia de Carlos Olyveira

Se tanto me dói que as coisas passem

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo 
Em que as coisas do amor se eternizassem

Sophia de Mello Breyner Andresen 

Ontem, escrito numa parede da cidade

Soube dessa história pela tradição nasal

sábado, 13 de outubro de 2018

Verso de Vinicius de Moraes

Porque hoje é sábado

Onde não houver riso e sabedoria

Onde não houver riso e sabedoria 
Desata a correr larga de mão
Não cometas a imprudência dos tontos
Ainda que saibas adivinhar as marés e a queda do sol
Na cerimónia oficial dos levianos sorrisos
Recomeçar já não contém o fogo e a lava
Enquanto foges tropeças na atmosfera
Enganas por momentos o lirismo ao entardecer
Falta assim um horizonte de leveza.  

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Trespassados

“Não vão ser só os portugueses a ficar muito pobres nos próximos dez anos. Até as raças superiores terão que conter despesas e isso pode ser uma vantagem para nós: mais pobres os do Norte talvez se sintam tentados a trocar Bali ou Rajastão como destinos de férias de praia ou “culturais” em favor de lugares mais baratos: as praias e o património exótico situado nas traseiras das suas casas. Portugal pode ser um desses destinos caseiros de emergência e, em vez de investirmos em eólicas, ou seja, de atirarmos dinheiro ao vento, devíamos dedicar-nos a melhorar as praias, os acessos às praias, os hotéis, os campos de golfe, o património histórico-artístico português…e a disfarçar o melhor que for possível a devastação da paisagem urbana e rural a que nos dedicamos com afinco há 50 anos.
(…) No final de contas isto já foi tudo trespassado às raças superiores. Agora é só a questão de as convencer a aproveitarem as vantagens: o mínimo que podemos fazer é mostrar-lhes sítios bonitos, alindar esses sítios, escondermos a fealdade…e levá-las à praia.”

Paulo Varela Gomes, in P2 , Jornal Público, Abril 2011

Figueira Australiana (Ficus macrophylla)

 Ficus macrophylla no Jardim António Borges
(Fotografia de Carlos Olyveira)

Carta Tardia

Há tanto tempo.
Às tantas, achas tonta esta carta tardia.
Perco a conta aos anos: em tantos, parece que passou só um dia.
Espero que estejas bem.
Pensei bastante em ti.
Tanta mudança à pressa: vou cumprindo o programa das festas.
Tenho os mesmos dilemas mais velhos.
Sou pai de uma criança perfeita.
Em casa tenho amor, à noite canto o mar.
Manda notícias, sim?
Diz se sempre vais emigrar ou se aguentas um pouco mais por aqui.

J.P.Simões, Quinteto Tati, álbum "Exílio", 2004.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Jacques Brel: 40 anos

Jacques Brel por Nuno Campos
(Daqui:http//cantodobrel.blogspot.com)

"Oh, mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore, tu sais, je t'aime
Et plus le temps nous fait cortège
Et plus le temps nous fait tourment
Mais n'est-ce pas le pire piège
Que vivre en paix pour des amants
Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
Je me déchire un peu plus tard
Nous protégeons moins nos mystères
On laisse moins faire le hasard
On se méfie du fil de l'eau
Mais c'est toujours la tendre guerre"



excerto de "Le Chanson des Vieux Amants",1967.

Futuro

"O coração é a única estrada que faz sentido"

Rui Machado 
Se cada palavra me redimisse do futuro
do medo absorto de aqui estar
talvez eu pudesse encontrar-me contigo
talvez eu soubesse outra forma de te dizer
“-Vamos de novo construir castelos de areia”
assim como o coração é a única estrada
que faz realmente sentido
eu escolheria o verbo exacto 
o adjectivo
próprio para que pudéssemos
encontrar num ebúrneo
um espaço verdadeiramente feliz.

                                                             Abril 2004

Não se Perdeu Nenhuma Coisa em Mim

Não se perdeu nenhuma coisa em mim
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas
Trago o terror e trago a claridade
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.

Sophia de Mello Breyner Andresen in "Poesia I".

Um Verso de Gianna Nannini

Meravigliosa creatura sei sola al mondo

Integração

            "Deixou-se de considerar a integração como um processo para a construção de um modelo de sociedade avançada, para o desenvolvimento económico, para se passar a considerar a UE basicamente como um espaço económico onde cada um obtém o maior lucro possível e ninguém está disposto a ceder em nada a favor dos outros."

Eduardo Paz Ferreira 

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Microgrames na Galeria Brui


          “Microgrames” é o título da exposição que estará na Galeria Brui, na Rua D´Agoa, nº46, até ao dia 30 de Novembro. Aqui evoca-se o cinema, a literatura, o imaginário infantil, respirando-se curiosamente um olhar delicado e atento sobre as artes ditas plásticas.
Nesta primeira apresentação há uma alusão aos códigos de representação populares e infantis, assumidos de forma lúdica. Visitar esta exposição na Galeria Brui é, portanto, caminhar sobre um espaço fortuitamente novo e pueril e que nos propõe uma outra perspectiva sobre o que é o tamanho real e o que é a miniatura na representação dos "objectos" expostos.  
Assim, entremos nesta galeria na condição de aumentar o conhecimento sobre o autor que está por detrás desta auspiciosa e divertida proposta, ainda a possibilidade de ampliar o nosso campo de percepção. Certo é que estas obras apontam para uma alteração/diminuição da perspectiva de quem percepciona, investindo-se na deformação da escala e, com a ajuda da imaginação, abraçam qualquer outra dimensão, tendo como companhia literária, Robert Walser e o Pinóquio, de Carlo Collodi, num périplo expositivo que se quer envolvente, criativo e  aconchegante.  

domingo, 7 de outubro de 2018

Sete Cidades

Fotografia de Carlos Olyveira

Andamos de costas voltadas a prometer

Andamos de costas voltadas a prometer
sabe-se lá o quê e o desembarque
jamais aflora nem de perto se afigura
como possibilidade ou aventura

Estamos com muita conta, peso e medida
em horizonte intermitente, à espera,
tal e qual a longa vida dos pardais
daqueles que no Outono migram
onze dias à espreita, ávidos permanecem, insones,
sedentos de quem lhes diga
sigamos em frente
sem olhar para trás.

A Fauna e a Flora

A fauna e a flora modelam-me os traços. Há uma ligação onde estou e o que sou, e um questionar o outro. Depois de sair de um lugar pergunto-me o que mudou em mim, que qualidade de paladar ou tacto, que tom, que subtil alteração ocorreu na forma de estruturar o pensamento.

Alberto Manguel

Verso de Vini Reilly

All I wanted was your time

...

é uma tarde de outono a pique
a luz vertida do inverno
na ladeira fria
onde o gato se espraia
nos despojos fúnebres
um róseo vítreo de celofane murcho
como as flores que o menino descalço pisa
os pés carregados de chagas
os pés vermelhos de lume

Ana Paula Inácio in As Vinhas de Meu Pai,  Quasi Edições, 2000.