terça-feira, 30 de abril de 2013

Se eu fosse pintor...


Se eu fosse pintor passava a minha vida a pintar o pôr do sol à beira-mar. Fazia cem telas todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espectáculo extraordinário.´
Há-os em farfalhos, com largas pinceladas verdes. Há-os trágicos, quando as nuvens tomam todo o horizonte com um ar de ameaça, e outros dourados e verdes, com o crescente fino da lua no alto e do lado oposto a montanha enegrecida e compacta. Tardes violetas, neste ar tão carregado de salitre que torna a boca pegajosa e amarga, e o mar violeta e doirado a molhar a areia e os alicerces dos velhos fortes abandonados.
Raul Brandão, Os Pescadores.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Terra de músicos ou ilha musical?

Fotografia de Tiago Rodrigues

         O sopro vital do mundo, a alma que faz correr o sangue, estava desinteressadamente caótico e inquieto naquela noite de fim-de-semana, daí o inevitável desassossego do dia seguinte. Ouçamos e falemos, portanto, de música, a imperecível música, apesar do cansaço de que a música espalhada por todo o lado possa ser sinal, esta continua a ecoar pelos quatro cantos da cidade, em todos os dias da semana, rodopiando a nossa própria juventude tão pouco académica, num cerimonial antigo devotado aos ritmos e aos sons. Houve uma tarde que foi o Grândola do Zeca Afonso, a música senha para um futuro diferente, num almoço sindicalista evocativo e memorial de uma bela ideia de liberdade e de sentido colectivo. Depois, à noite, a Adriana Calcanhoto, a cantora de Porto Alegre, cidade fundada por antigos açorianos, que tacteou suavemente as cordas da guitarra, elevando a língua portuguesa ao alto da memória, consumando entretanto a dolência nocturna, anestesiando um centro congressos apinhado de casais e ouvintes curiosos. Nessa noite, em conversa com um taxista, vem a confirmação que a única roulotte de comida fica em labiríntica parte alta da cidade com festa estudantil a decorrer. Tempo, claro, para dissipar a ossatura pelo rock dos The Doit, em versões bem tocadas com energia e sentido de alinhamento. “A música põe-me a olhar para fora quando o que é preciso é olhar para dentro” terá pensado aqui o escriba que, muito embora a interrogação, prosseguisse na sua caminhada pela ilha carregada de bandas sonoras. Entra-se deste modo no dia subsequente com a promessa de assistir a mais uma noite de músicos e músicas em debate numa mostra denominada + Jazz, desta feita no Auditório do Ramo Grande, com Daniela Silveira enquanto anfitriã, mostra ilustrativa do Jazz enquanto género musical com raízes antigas e alicerçadas pela ilha por onde passaram alemães, ingleses e franceses e, obviamente, americanos. Ouviu-se e aprendeu-se muito com o fundador do Festival AngraJazz, José Pinto Ribeiro, em discurso directo, a história do Jazz na Ilha Terceira, o seu percurso e modus operandi na organização de um festival com nome e pergaminhos. Autor de um programa semanal – existe há mais de vinte e um anos, é feito por amor e carolice - intitulado “Os Sabores do Jazz”. Este é a prova e razão de uma vida de dedicação e persistência nas andanças da divulgação deste género musical. É muito curioso saber que neste festival já tocaram Betty Carter, Frank Morgan (concerto histórico, afirma!), Kenny Barron, Mark Murphy, Bernardo Sassetti e, surpresa muito grande, Esbjorn Svensson Trio, agrupamento do pianista que amava o mar e que mergulhou de imediato na Silveira aquando da sua chegada à Ilha Terceira. Lamentável como sempre, é o próprio lamento, ou porque alguém é esquecido, ou por que julgamos merecer muito mais do que aquilo que pensamos, ou por que gostaríamos que estivesse mais gente a assistir ou que o desencanto instalado  se apodere de nós, para além da ausência de alguém em particular e de não se poder partilhar com elas tantas outras estórias musicais e demais vivências. O que fazer? Talvez responder à pergunta: se queremos que o jazz perca “a gravata e o convite” por que é que o encerramos em grandes auditórios, ou lugares menos próprios para este ou, pior, em sessões de croquete e vernissage? Posteriormente à conversa-debate, estava agendada um ensaio aberto ao público do agrupamento Bruno Walter and Friends que, pela qualidade dos músicos e da interpretação musical, só teve a ganhar em força e expressividade para o concerto do dia seguinte. No que ainda restou dessa noite, soube-se que Kit tocou no Poliangra e ainda houve tempo para assistir aos electrizantes R.A.M, na Semana Académica da UAç que, infelizmente, não contou com o Jorge Palma, por razões que só o mau tempo e os aviões explicam. É que a alma assim não sabe se aguenta, pensou novamente este escriba, perante tanta música e tantos músicos, pois a alma são os ouvidos à escuta e os nossos ossos sólidos  percorrem e vagueiam a ilha em deriva musical,  esperemos que sempre dotados de energia e mobilidade por mais alguns anos de azul ferrete e verde campestre com os sentidos bem despertos.

domingo, 28 de abril de 2013

terça-feira, 23 de abril de 2013

Abril, depois de amanhã

       Ritualmente era assim: o jornal estava pronto, mas a rotativa não andava. Não porque tivesse enguiçado. O que emperrara durante décadas foi a vida dos portugueses. Para além de notícias de retórica e de assombrosos artigos de opinião fortemente tutelados pelo poder instalado, pela mentira e pela fraude, as salas de redacção dos jornais eram, por isso, um mórbido sítio onde, de entremeio com cinzeiros a abarrotar com “beatas” chupadas até ao queimar os dedos e envelopes de telegramas da agência noticiosa oficial, ardiam os valores e a dignidade de quem tinha que engolir em seco as tramóias da censura. Cada golpada dos agentes do regime era um soco no estômago a quem, porventura, arriscasse pôr o pé em cima do risco que limitava a mentira, o frete ou a subserviência ou então, simplesmente, dizer a verdade. O que não chegava às secretárias já escrito pelos fazedores de uma opinião pública cada vez mais tacanha e enriçada numa teia que o fascismo foi urdindo, era logo condicionado ao tratamento que os todo-poderosos entendiam ser divulgável. “Não referir”, “Não mencionar”, “Proibido desde aqui até ali”, “Proibida a divulgação” e outros que tais, eram epítetos utilizados pelos censores para controlar os jornalistas e o País. Uma batalha, de resto, com um vencedor previamente anunciado. Para isso lá estava atenta, veneradora e obrigada, a truculenta Pide de má memória no seu zeloso serviço de…servir a Pátria. A funda de David, em vez alguma, poderia largar uma pedrada num olho de Golias. Esqueceram-se, porém, que os dinossauros de há muito que estavam extintos e que as imitações são, normalmente, de duvidosa qualidade. Apodrecem e cedo cheiram mal.
Hoje, vinte e três anos depois, as rotativas imprimem os jornais logo que as redacções entendem que o trabalho está feito. Fulano de tal, a atingir os quarenta e que na altura usava calça curta, há-de lembrar-se das idas diárias ao escritório do censor com a prova final do jornal para que, finalmente, a máquina pudesse andar. Mas agora, na administração do mesmo periódico, já não têm que mandar “o rapaz” à censura. Mal acaba esta crónica – sou sempre o último a chegar – o jornal estará na rua. Mãos à obra, amiga impressora, que a tinta já está no tinteiro.
José Daniel Macide, 23 de Abril de 1996

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Vive a Vida


"Vive a vida. Vive a vida nas ruas e no silêncio da tua biblioteca. Vive a vida com os outros, pois são eles as únicas pistas que tens para conhecer-te.Vive a vida nesses bairros pobres criados para a droga e para o conflito ou nos finos palácios dos ricos.
Vive a vida com as suas alegrias incompreensíveis, com as suas decepções (quase sempre excessivas) e com a sua vertigem.
Vive a vida nas madrugadas infelizes ou em manhãs gloriosas, a cavalo por cidades em ruínas ou por selvas contaminadas ou ainda pelos chamados lugares paradisíacos sem olhar para trás.Vive a vida."

Luis Alberto Cuenca

domingo, 21 de abril de 2013

sábado, 20 de abril de 2013

Tráfico do Dom

“A relação exige um desprendimento muito grande. Como a liberdade. Hoje estamos nos lugares, e amanhã deixamo-los. Hoje estamos aqui, e amanhã partimos de viagem. Nessa arte do desprendimento o que fica é o que demos e o que recebemos dos outros. Fica o momento, fica o ressoar. O resto é para a grande história. Acredito muito no tráfico do dom.”

José Tolentino Mendonça

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Utrapassagem (ou Aquele que Sabe Viver)

Cartaz  (retirado de www.ivid.it)i



Anos sessenta italianos: os filmes do pós-guerra e o cinema povoado de nomes como Antonioni, Rossellini, Fellini, Pasolini, Visconti, no auge da sua máxima força. Eis que surge "Il Sorpasso" - primeiro road movie mundial, antes de Easy Rider, com os actores Victorio Gassman e Jean-Louis Trintagnant no elenco e no pleno da sua juventude. A direcção de actores Dino Risi é excelente. Il  Sorpaso, título italiano, é um documento essencial daquele período da história de Itália bem como importante  obra cinematográfica que não fica nada atrás de todo o conjunto italiano. Curioso, o título francês-  Le Fanfarron  e não deixa por isso menos interessante o nome que este já teve na língua portuguesa - "Aquele que Sabe Viver".

O que será (À flor da Terra)

O que será que será/ Que andam suspirando pelas alcovas/ Que andam sussurrando em versos e trovas/ Que andam combinando no breu das tocas”.

Chico Buarque, 1976

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A insatisfação é uma dor



          “Hoje entendo a vida como um lugar para termos a maior fome que pudermos, a maior sede que formos capazes. A vida é uma máquina de construir desejo. Bem-aventurados os que têm um desejo tão grande, tão grande que nada pode responder. Isso faz-me procurar outras respostas. Pessoa também diz: “Triste de quem está contente.”, não é? A insatisfação é uma dor. Mas essa ferida torna-se fecunda, criativa!”

José Tolentino Mendonça, entrevista de Anabela Mota Ribeiro ao P2, Jornal Público.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Um estado de imperfeição



Na rugosa espiritualidade de Angra aberta. Não estava ninguém. Só solidão, silêncio e dragoeiros fechados. Voltaria amanhã se estes se cobrissem de brisa e de seiva. Quando se acerta em cheio no sulco da terra eis a devida recompensa. Presta-se ao sofrimento, dilui-se na bruma, nunca merecida. E no entanto o aconchego apresentava-se em linha, num tronco por rasgar, num carreiro indefinido. Nada é seguro. Tudo me faz querer voltar a cada momento a essa desenvoltura, como um segredo que nasce e o sol fosse breve e subtil na sua incandescência que se compõe de eloquência hábil e transbordante. Enganas-me sempre com a convulsão infinita pois espero que a mensagem seja fugaz e legível. É pomba morta e a língua deixasse de existir entre nós. Recomeçávamos sempre de um requinte inventado e sofrido pela involuntariedade sentida: o padecimento e a esperança. Queríamos acreditar. Nada me levanta as certezas a não ser agora a tradução de um manifesto vivido a correr. Aos prantos. Numa aflição súbita. Entretanto, satisfaço a curiosidade formigueira e aceito por agora a mágoa. Instinto ardente e aliciante sem que alguém traduza este eterno desencanto. A chama apagou-se e não me sinto capaz de me oferecer em geometrias variáveis e confusas aos novos caminhos do vento. Já nada faz sentido e viajo até investigar a possibilidade que cabe num pequeno bolso, o resto é difícil apreender do mundo, em desconfiança completa, a felicidade gerada a desilusão de haver esquecido o gesto em si. E assim a dor bate à porta. Outra vez. Vento despedaçante, água que cobre, neblina que cega. O mal já foi feito. E ainda há o vinho que é um amigo das noites sem nuvens, o encanto da cidade adormecida, ausente, despovoada. Nos membros espessos, extenuados, sinto já o peso da viagem que é um ensejo e é um templo de carência que pede há tanto tempo povoamento. Quanta beleza, quanta riqueza e pobreza conjugadas. Não sei porque me rio e deixo transparecer uma cândida nostalgia. Saudades de uma coisa que nunca vivi sem consequência do desespero habitado e secular. A pensão do desamor é já ali e a mente escorrega, desliza, e permite dizer que vão estar cá todas em plena comunhão da luz quando partir. Amanhã ainda é invernia e à noite iremos percorrê-la em farândola aventura. Basta. Estou cansado demais para que isto talvez possa ser uma forma simples de existência e ficam escolhas e letras numa madrugada de chuva que cai incessantemente. Esmoreço a pensar demais e a escrever tão pouco e raramente me adianta esperar nem desesperar ao revés de tudo aquilo que me foge como um pássaro e devagar acreditar. Como se lentamente viesse a morte numa suave contagem decrescente e assim aumentasse de feição o desespero de nada ter conseguido e continuar serenamente idêntico ao meu ponto de partida este estado de contínua imperfeição.

PS - Escrito a partir do mote dado por um aprendiz de arquitectura da Old School.

Povo que Canta

      “O mundo é sempre assim: uma surpresa. As pessoas...ou melhor, os princípios e as verdades não podem ser tomados como coisas a priori. Pode-se sempre dar a volta, são sempre diferentes daquilo que pensamos. O problema é que é sempre preciso um espírito de criatividade e aventura. É preciso saber aproveitar o que a vida nos traz. Aproveitar uma paixão quando ela surge, como aconteceu comigo em relação à música. De facto, não posso viver sem música.”

Francisco D´Orey (produtor musical do Povo que Canta) in Filmografia Completa de Michel Giacometti. Coordenação geral de Paulo Lima.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Lanterna Mágica (VIII) Baía

É preciso fazer um poema sobre a Baía...
Mas eu nunca fui lá.

Carlos Drummond de Andrade

O olfacto


“Dos cinco sentidos, o olfacto é o que melhor transmite a ideia de imortalidade.”
Salvador Dali

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Eremitonauta



O inédito sucedeu-se agora quando nos deparamos neste momento com o Doutor Mara, em pleno aeroporto e de malas prontas para demandar viagem. Ele está com o semblante carregado de quem dormiu menos do que as oito horas habituais. O inefável Doutor Mara traz consigo um canudo muito branco, com uma camélia dentro, e transporta consigo um jornal com as folhas bem amarelas, com notícias muito, muito atrasadas, crê-se do ano anterior. A sala do aeroporto, porém, pára de cada vez que o Doutor Mara pega no jornal para ler o rol de notícias do ano anterior.

DM: Doutor Mara, soubemos que irá partir, por que é que nos abandona num momento tão crítico como este?
Doutor Mara: Não vos irei abandonar, meus caros, simplesmente vou para um lugar muito pequeno, aconchegado do mundo, a meio do oceano atlântico. Preciso de ler a poesia portuguesa contemporânea, aquilo a que chamam agora os novíssimos da poesia portuguesa, pretendo lê-los de uma assentada bem como dedicar-me com afinco à produção de vinha e à moagem de cereais de forma tradicional. Quero concretizar um sonho antigo do período em que me considerava um digno representante do socialismo acrata ou anarquismo, como lhe queiram chamar, isto é, o período em que pretendia ideologicamente tornar-me auto-suficiente e recusar qualquer intromissão do aparelho estatista e da sua presumida ordem. Terei pão, vinho e poesia…o que é que um homem pode pedir mais?

DM: Fecha assim as portas a uma intervenção política e quem sabe vir um dia a honrar um compromisso público?
Doutor Mara: Nos próximos tempos está fora de questão uma intervenção púbica. Quero por agora viver coisas que não a coisa política. Continuarei de forma honrosa a defender todos os métodos participativos e comunitários: o associativismo, o sindicalismo ou as agremiações de bairro. Estou e vou continuar sem chefias, sem vaidades, sem “status”, sem partidos. Por agora, o que eu quero essencialmente é ler poesia e ter pão à mesa...

DM: Mas doutor hoje não ninguém lê poesia, os poetas editam trezentos exemplares por cada livro, no entanto somos neste momento auto-suficientes e excedentários no que ao vinho diz respeito. Há mais alguma razão para além destas evocadas, doutor? Decididamente, não compreendemos…
Doutor Mara: Hmmm…é certo que recuperei uma casa rural, uma adega e um moinho do século XVI que não posso recusar. Os donos estavam falidos e entregaram aquilo às finanças locais, por isso espero passar lá umas temporadas valentes, longe do mundo e sem acesso a qualquer tipo de informação ou contacto com o mundo exterior. É, sem dúvida, um retiro, um retiro desejado, como podem imaginar e, neste caso, certamente respeitar. Pode ser?

DM: Claro que pode, doutor. Não deixa de ser estranho, caríssimo Doutor Mara, num momento em que acabamos de saber que em caso de encerramento de fronteiras conseguiríamos que ninguém morresse à sede, pois  sabemos o quanto o doutor gosta de um bom copo. É certo que não abandona Portugal, mas porquê este súbito desapego à pátria e ao seu destino, este afastamento inédito da sua comunidade de pensamento. Não declare que ficou ofendido ao saber da nossa grande dependência de produtos da indústria de pesca?
Doutor Mara: Se fosse só por isso e…esqueceram-se novamente dos cereais? Meus amigos, vocês sabem tão bem como eu que o mais importante é aquilo que é distribuído por todo e tem que haver um equilíbrio entre a economia e o bem-estar dos cidadãos dos países. E como poderei aceitar que num país de dez milhões a tiragem de um livro de poesia seja de trezentos exemplares, às vezes, nem isso? E que haja filmes portugueses reconhecidos nos festivais de cinema que não tenham o eco devido bem como o reconhecimento merecido junto da população indígena. Ou que um jornal de referência venda apenas vinte mil exemplares? Não me digam que é por falta de incentivos…um livro de poesia, um jornal, um conto pode ler-se numa viagem de autocarro, de avião, ou mesmo de riquexó…que semidiâmetro de país é este que condena à fome os seus cineastas, poetas, os seus editores, os seus melhores escritores ou mesmo jornalistas???

DM: No entanto, há boas notícias, doutor, em caso de calamidade, conseguiríamos sobreviver sem grandes sobressaltos com aquilo que produzimos em termos de hortícolas, carne,  ovos, leite, frutos frescos e conservas de peixes. Não fica feliz por isso?
Doutor Mara: Claro que fico. Sempre gostei de uma boa lata de conservas num parque de campismo e sempre que realizava um inter-rail municiava-me das mais variadas conservas com os seus magníficos rótulos. Certo é que se esqueceram que continuamos a consumir muito bacalhau vindo do exterior, muitos congelados, secos e salgados. O que nos vale são os moluscos que pescamos em grandes quantidades, mesmo que seja a agricultura e a indústria as nossas maiores fontes de riqueza alimentar. Agora para o sítio onde vou levo apenas comigo uma lata de polvo em calda, mas não tenciono comê-la, é só para me lembrar no que estamos metidos quando atingir o ponto máximo do saudadómetro.

DM: Saudadómetro?
Doutor Mara: É um medidor da saudade…comprei-o há muitos anos numa dessas romarias populares conjuntamente com três lençóis vendido pelo preço de dois. Aproxima-se o objecto da mão direita e espera-se que o ponteiro indique o estado de saudade em que se encontra. Houve um momento em que estava de tal modo apaixonado que o ponteiro ficou colado no lado direito…tive que esperar uns dias até que a saudade ficasse pelos 96, 97, 98 por cento.

DM: É pena esta saída extemporânea do Doutor Mara, sobretudo agora que se fala na criação de um bom cartaz de teatro na televisão, vários campos de golfe bem drenados e uma panóplia variada de restaurantes japoneses. É, sem qualquer dúvida, um momento muito triste para todos nós a sua partida, doutor.
Doutor Mara: Para ser franco, nunca gostei muito de sushi. Depois vocês sabem que não vejo televisão e quanto ao golfe é certo que  vi durante muitos anos mas sobretudo em dvd...bastavam duas tacadas para adormecer…ficava, sem qualquer dúvida, mais barato que um calmante.

DM: Doutor, se não é indiscrição gostaríamos de saber qual foi o lugar escolhido para este retiro, ao qual, muito sinceramente, esperamos que seja breve?
Doutor Mara: Se não me levam a mal, não posso revelar.

DM: Muito obrigado, doutor. Boa viagem!!!

sábado, 13 de abril de 2013


"Tu és um rebelde de raça e também tu não encontrarás resposta para o teu problema."


Corto Maltese, Hugo Pratt

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Melhor Juventude



O filme termina como uma espécie de elogio à beleza. Também no meu filme precedente “Os Cem Passos”, falo desta beleza. Por que é que para mim é importante afirmar o valor da beleza? Porque ela pressupõe uma série de outras coisas como a justiça, a economia, a política. Estas coisas são muito importantes, mas o seu fim é a beleza, de outra maneira são coisas que existem por si só e não têm nenhum valor. Têm valor porque levam à beleza. Deste modo, a meu ver, elogiá-la, defendê-la, tutelá-la, insistir que existe, que é perseguida e procurada, é digamos, presumir de todas as outras coisas que são muito importantes para concretizar este objectivo. E…o que posso dizer mais?


Marco Tullio Giordana, realizador de  “La Meglio Gioventú”(2003)

quinta-feira, 11 de abril de 2013

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Tarantoterapia


Ninguém acredita no que está neste momento a ver pois contra todas as probabilidades ali temos o incrível Doutor Mara, numa sexta-feira à noite, em discoteca bem conceituada, por sinal e, em plena coluna no centro da pista de dança a agitar-se desabridamente, feito exímio e excêntrico dançarino, com uma camisa às flores (julgamos ser hortênsias), encharcado em água e suor, sendo que este se encontra permanentemente a ser agraciado com baldes de cerveja que, ele simpática e educadamente, vai sucessivamente recusando. De qualquer modo, convém dizer que tem sido difícil para nós obtermos o seu depoimento e aproximarmo-nos até bem perto dele. Vamos, certamente, fazer a dita charla impossível, o que pedimos aos nossos leitores a máxima desculpa por algum baloiço e oscilação. 

DM: Doutor Mara, será que podemos ter a nossa charla habitual consigo?
Doutor Mara: Neste momento, não posso. Vocês não vêem que me encontro em pleno acto dançante. Que chatice…

DM: Sim, já reparámos. Você está frenético…está tudo em ordem?
Doutor Mara: Sim, à parte que neste momento padeço de Tarantismo súbito.

DM: Tarantismo súbito?
Doutor Mara: É um impulso frenético de dançar e a consequente incapacidade de suster e estancar os movimentos da dança. Eu estou, definitivamente, infatigável… mesmo que queira, não consigo, já houve gente internada por este dito achaque contemporâneo e também houve muitas pessoas que emagreceram muitos quilos depois disto. É também uma coisa interna, uma busca incessante da nossa verdade interior e da verdade colectiva na forma como os outros nos vêem. Posso garantir-vos, que durante o período da minha juventude, perdi uma ou outra namorada devido a este meu estado súbito de tarantismo. Peço-vos imensa desculpa, mas necessito continuar a dançar...o tarantismo quando chega nem sempre é para todos e...tenho que aproveitar.

DM: Mas, doutor, isso parece-nos muito grave, muito grave mesmo…não consegue mesmo parar de dançar?
Doutor Mara: É verdade…isto não tem explicação segundo os médicos nem a ciência moderna. Os músicos dizem que isto acontece quando um disco jóquei actual passa mais de três músicas seguidas com grande nível, o que é raro nos dias que correm. Por outro lado, quanto mais danço mais vontade tenho de fazer amor, desculpem, quando mais danço mais vontade tenho de fazer a revolução, desculpem outra vez, quanto mais danço mais vontade tenho de dançar…assim é que é…será? Tirei a noite para dançar…não sei, portanto, quando é que isto irá parar.

DM: Mas, Doutor, você é bom é a escrever, a produzir obras de grande valor estético, você está ao nível das grandes celebridades da literatura.
Doutor Mara: Isso é o que vocês críticos dizem… e como vos agradeço, tenho uma imensa dívida para convosco ao me ajudarem a pagar as contas da electricidade, da água e do gás. No entanto, escrever bem, como diria o velho Freud, é ser capaz de contar histórias, isto é, de se interessar pelo homem, pelo seu destino individual e colectivo. Vejam estes jovens que quase dançam aqui à minha volta, cada um traz consigo uma estória mas são muito poucos os que se interessam por eles…quem escreve sobre eles? A antiga sociedade de produtores só lhes consegue arranjar lugar como consumidores e é talvez por isso que eles ficam neste estado letárgico, ludibriando a incerteza do tempo em que vivem e atirando-os para a anomalia de não saber o que fazer com o mundo que têm pela frente. Alguns deles não dançam pois estão mais interessados em transmitir pequenos esgares e olhares furtivos ao mesmo tempo que tentam ser retribuídos nessa ânsia de serem desejados. E, por favor, se não se importam, vão-me desculpar, mas tenho que continuar a dançar...isto é uma verdadeira terapia.

DM: Doutor, pedimos desculpa pelo incómodo, estamos eternamente agradecido por esta charla impossível. Esperemos, entretanto, que consiga travar esse baloiço bailador em que está metido. E que não seja preciso camisas-de-força para tirá-lo daí. Até um dia destes. 

Caro Diário







“Querido diário, só no mar me sinto feliz, durante o trajecto entre uma ilha que acabo de abandonar e uma outra em que devo desembarcar.”


Nanni Moretti 

"Jáfoneca"


(ou o contínuo Inverno açórico na Praça Velha)

    De vez em quando a memória tem destas coisas pois é capaz de atirar para o presente recordações de infância ao mesmo tempo que se esquece do lugar onde deixou o filme que se encontrava a ver. Caminha-se pela urbe atlântica e alguém aproveita para fazer um sorriso gracioso, amável, familiar, ali no lugar onde se reúnem e se encontram as pessoas há muitos, muitos anos, daí o nome de Praça Velha. Subitamente, este homem alto que sorri para mim, estende-me o braço, aperta-me a mão para me cumprimentar, num gesto simples, amigo e delicado. Ri-se muito. Saúda-me e pergunta-me se está tudo bem. Este homem podia ser meu pai, meu avô, um velho amigo. Este homem fala comigo como se me conhecesse. De onde é que o conheço? Não o conheço certamente. No entanto, decido ficar com ele, ali no meio da antiga ágora angrense, a ouvi-lo, como se nada mais existisse para fazer. É isso que eu faço. Este homem tem oitenta e dois anos, uma cara carregada de rugas e de tempo e possui dois olhos com a cor do mar. Pergunto-lhe o nome sem ele dar conta. Diz-me que ele será sempre o “Jafoneca”, que lhe chamam assim desde pequeno na sua freguesia, na ilha. Tento fixar o nome mas não sei se é assim que se escreve nem interessa. Interessa-me é escutar o mais velho marinheiro de Porto Judeu em actividade que demora duas horas a chegar ao Topo, na Ilha de São Jorge, para encetar a sua pesca ao goraz, cherne, boca negra, espadarte. Acrescenta que trabalha no mar e na terra, já que também é agricultor. Indago se este conheceu o Chalandra, o que confirma e diz-me que este fazia transporte de passageiros entre o porto de alfândega e os navios de carga. Olha-me nos olhos, fito-o com a atenção e eu fico com a sensação de que o conheço há tantos anos, ainda que nunca nos tivéssemos visto ou conversado. “Jafoneca” é possuidor de um barco de vinte e cinco bulhas de nome “Foguete”, no entanto por causa do mau tempo apenas foi cinco vezes ao mar entre Janeiro e Março. Este homem trabalhou quarenta anos na estiva. Eu podia ficar aqui o dia inteiro a ouvir este homem e despeço-me até um dia destes ao acaso. Não é que eu não queira é porque não posso, pois estes homens estão vivos, demasiado vivos dentro de mim.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Angradecimento



for Emanuel Félix, Rui Rodrigues.
Both left the city a widow
many-breasted Isis, each tit
a public trough
Civic pride demands fresh meat,
living sacrifice or a roadkill, she
eats it all. Raparigas na casa,
young an old and remembered;
Raparigas a papel, dreamt
desire. Antdotes
to beauty taken and nostalgia,
an appetite these poets satisfy
by sabotage, urging us
to want something more. Gone
the same year, active still
in underground theatre, continuing
their provocation  by making
us respond  to them as books,
as men, pebbles in mouth,
reheasing their words.




Angradecimento
Para Emanuel Félix, Rui Rodrigues.
Deixaram ambos a cidade uma viúva,
Ísis de múltiplos seios, cada teta
uma gamela pública.
O orgulho cívico exige carne fresca,
sacrifício vivo ou morte acidental, ela
consome-a toda. Raparigas na casa,
novas e velhas lembradas;
Raparigas a papel, desejo
imaginado, Antídotos
contra a beleza tomada como nostalgia
um apetite que estes poetas satisfazem
pela sabotagem, urgindo-nos
querer algo mais. Partiram
 no mesmo ano, ainda activos
no teatro subterrâneo, mantendo
as suas provocações fazendo-nos
responder-lhes como livros,
como homens, de pedrinhas na boca
ensaiando suas palavras.

Stuart Blazer, Março de 2006, in Revista Art&manhas, nº1, edição Teatrinho Espaço de Criação

sexta-feira, 5 de abril de 2013

A Pedra ainda espera dar flor de Raul Brandão




"Um dia, o rei D.Luís, encontrando na costa uma das nossas características embarcações, falou a um dos  da companha:
-Vocês são portugueses?
-Não, senhor - respondeu o mais loquaz -, somos poveiros.
É certo. Ser poveiro, entre nós, é casta à parte. Pior do que isso: humilde casta...quase estrangeira. Ninguém pensa em socorrê-los." 

In o Imparcial, 12 de Março de 1910, «Primeiras Impressões», p.1. Não assinado. 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Maraísmo-Doutorite



Doutor, doutor, de fato e gravata e sapatos bem engraxados, que honra nos dá assim vestido. Serão reminiscências pascais da sua meninice? Ainda por cima com um relógio no pulso e um Iphone da quinta geração. Que probidade, doutor Mara, pois ficámos a saber que há instantes foi convidado para ser presidente de mais um organismo ligado à cultura, desta feita à cultura da alga e do salitre. É o terceiro cargo da mais elevada importância que irá ocupar no espaço de seis meses. Porque requisitam assim tanto os seus saberes e méritos para os mais altos cargos directivos, caríssimo doutor Doutor Mara?
Doutor Mara: De elevada importância? Altos cargos directivos? Vamos com calma, rapaziada…Como tenho o ancestral hábito de ir provas de vinho por questões de curiosidade e aprendizagem, no final do quarto ou quinto copo dessas agradáveis provas dos melhores néctares dos deuses, há aqueles senhores, enfatuados e ensoberbecidos, que devem pensar: “e…se arranjássemos um cargo para este gajo, que, por sinal, também é doutor, fala com eloquência e profere umas coisas acertadas e que ninguém consegue refutar?”. Como podem imaginar, quem tem algum poder gosta muito de distribuir cargos irrelevantes pelos seus subordinados para poder controlar o que se vai fazendo e assim continuar sem nada para fazer a não ser mandar. Depois, há também a muito batida troca de favores, que é uma prática muito antiga na nossa cultura, às vezes ridicularizada nos tempos modernos, essencialmente quando se recorda a entrega de diferentes oferendas e víveres ao cacique local, ao médico de família ou ao pároco da aldeia em tempos remotos.Hoje um favor é pago com outro favor sem grande alarido e fica tudo em família, ao contrário de antigamente. Há favores muito bem pagos ao longo do tempo. É por isso que eles se agarram ao poder como à carne sangrenta…

DM: Carne sangrenta, doutor?
Doutor Mara: Relembro aqui o crítico de arte John Ruskin (1819-1900) que um dia escreveu: “Não manda bem quem tem a ânsia de mandar”. Corremos, no entanto, o risco de ser esse o retrato que ficará do nosso amado país no final do século XX e inícios do XXI. Sobretudo daqueles que mandaram e se ocuparam dos mais altos cargos dirigentes em governos ditos republicanos, ao serviço da causa pública.Ficarão célebres pela sua ânsia de mandar e muito pouco serviram o seu povo ou círculo de eleitores. Daqui a pouco iremos ter eleições autárquicas e após contarmos a quantidade de anos que alguns autarcas passaram pelas respectivas câmaras, seria bom verificarmos por instantes como ficarão financeiramente as suas edilidades e arquitectónicamente as suas cidades.Alguém fará isso? É verdade que há quem deixe obra de qualidade e que tenha realizado dignamente o seu trabalho mas também houve muita gente que não cumpriu seriamente o serviço público para o qual se comprometeu. Alguns serviram-se muito mais do que serviram,“ansiosos apenas por mandar, agarram-se ao poder como a carne sangrenta”. Já para não falar vezes do factor C (Cunha) que imperou um pouco por todo o lado. 

DM: Acredita então que o factor D (Doutor) foi uma mais valia para os convites que lhe têm sido feitos recentemente? É caso para dizer que no seu caso o Factor D foi substituído pelo factor C?
Doutor Mara: Que engraçados, vocês, meus caros!!! Se bem me lembro, julgo que desde pequeno que me chamam Doutor. Julgo que foi uma forma de me tirarem um peso e uma dificuldade aquando da minha chegada à idade adulta. Creio que foi também para me ir habituando ao "país dos doutores" e que não tivesse contínuas faltas de respeito pelos meus colegas de escola ou ausência de reconhecimento social nos locais para onde fosse viver. É curioso, pois quando regressei da faculdade com o respectivo canudo, até o meu vizinho, conhecido por ser antipático e trombudo, me saudava com um feliz e retumbante: “Um excelente bom dia para sim senhor doutor Doutor Mara”. Comovente, sem qualquer dúvida.

DM: Bom…está agora a aparecer nas últimas online que escolheram o Doutor Mara para ser o presidente do Júri do primeiro  Festival de Teatro Mínimo…peças teatrais com apenas quinze minutos de novos autores, um mega evento em perspectiva e a que ninguém, mesmo ninguém, ficará indiferente. Face à situação actual do teatro, o Doutor Mara irá aceitar?
Doutor Mara: Lá estão vocês a exagerar…Festival de Teatro Mínimo? Logo eu que já vi uma peça de teatro de onze horas numa sala de cinema…que saudades do documentário teatral. Por vezes, sobram para mim estes cargos de cariz quase esotérico e residual que raramente não consigo dizer que não, sobretudo vindo de jovens actores, Casas do Povo ou associações culturais sem dinheiro para mandar cantar um cego. Julgo que aceitarei, desde que o pagamento seja feito com uns almoços e uns jantares bem regados. E que me deixem, entretanto, algum tempo para praticar o meu bilhar de três buracos.

DM: Sabe-se que o Doutor Mara tem rotinas diárias de um verdadeiro doutor, não é assim? Quer dizer-nos como ocupa as suas tarefas quotidianas?
DM: Nada de especial, meus caros. Levanto-me todos os dias às seis e quarenta e cinco da manhã invariavelmente. Bebo um sumo de limão e como uma tosta sem sal. Faço duas corridas ao bilhar grande, suo um pouco e entro no mar rapidamente com o objectivo de provocar um choque térmico e dilatação arterial. Limpo-me com uma toalha vermelha, escrevo e trabalho até às onze da manhã. A partir do meio-dia dedico-me a ler e a fazer perguntas sobre o estado do mundo e sobre o estado das artes em geral. Por volta das seis da tarde, passeio-me junto do mar com o meu psicanalista. Pelo menos três vezes por semana, este verifica se tenho muitos actos falhados, se continuo a sonhar com actrizes escandinavas dos anos setenta e se mantenho os meus instintos agressivos ao nível dos euros que trago no bolso. No final do dia, respondo às inúmeras cartas e solicitações que me enviam de toda a parte. Às dez horas da noite, encontro-me já a dormir que nem um executivo do Banco Central Europeu. Felizmente ou infelizmente, o taxímetro metabólico corporal comprova a sua existência com a a necessidade de evacuação de líquidos logo no alvoroçar da aurora. Ao fim de semana, não me perguntem...já vos dei algumas dicas. 

DM: Doutor Mara, muito pouco ou quase nada sabemos sobre a sua infância a não ser que já nessa altura o apelidavam de doutor. Será que nos pode contar alguma coisa sobre si?
Doutor Mara: Nasci no final da década de sessenta, no seio de uma família portuguesa, conservadora, de classe média. Fui uma criança muito feliz, com o devido respeito pelos vizinhos que possa ter importunado a cabeça e que não devem ter sido poucos. Recordo-me vagamente da escola primária e dos desenhos que fazia nas aulas. Um terror. Os meus desenhos eram horríveis. Apanhei grandes reguadas da professora por não saber desenhar uma montanha como deve ser ou então por estar sempre a procurar companhia para as brincadeiras ou galhofas. Mas foi também aí que descobri o meu amor às ciências do mar e às letras…enquanto sedução das minhas companheiras de carteira. A minha colega Eunice ainda hoje guarda as duzentas e vinte cartas que lhe enviei durante a minha passagem pelo ensino básico. Espero vivamente que ela não se lembre de as publicar no facebock...seria catastrófico, sobretudo do ponto de vista literário.

DM: O Doutor Mara era uma criança mal comportada, ou então uma criança hiperactiva como hoje se diz?
Doutor Mara: Nem uma coisa nem outra. Era sobretudo uma criança filha dos meus pais, do lugar onde cresci, do tempo e da história que estava a viver, um verdadeiro filho da pátria, portanto. Deu no que deu…como podem constatar!

DM: Muito obrigado, doutor Doutor Mara. Até um dia destes sem inflamação doutoral.