Fotografia Tiago Rodrigues |
sábado, 30 de novembro de 2013
Celebrar Angra
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
Em 1988 foi este livro e...este ano?
“Um manuscrito do Vitor é um
suplemento de ferro, tomem lá, ó esquálidos. Qualquer textinho lhe sai uma
beleza, como se saísse assim da boca dele, pardal de muita conversa e muito
livrinho. Em suma, o mais antigo editor paralelo em Portugal é toda uma língua.
Paralelo, e não alternativo, porque uma editora paralela nunca se encontra com
as outras, faz o seu caminho ao lado. No caso do Vitor, ao lado e subterrâneo.
Não é uma metáfora, é uma morada: & etc, rua da Emenda, 30, cave 3.”
escreveu assim há dias a jornalista/escritora sobre o Vítor Silva Tavares e
vencedora da edição deste ano do Grande Prémio de Romance e Novela da
Associação Portuguesa de Escritores (APE) relativo a 2012, com o romance “E a Noite Roda” (Tinta da China).
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Chicharros e Cordofones em Vila Franca do Campo
Selo dos 450 anos de Bento de Góis |
Vila Franca do Campo está situada
na costa sul de São Miguel e já foi a principal povoação desta ilha. Visita
ao seu porto para avistar o ilhéu e onde há homens, descalços e sentados sobre
antigas arrecadações, que consertam redes de cor castanha para mais logo, à
noitinha, os seus companheiros irem à pesca do chicharro. A tarde de chumbo
açoriana torna a preceito uma visita ao Museu, um solar imponente e repleto de
pedra da pertença da fundação Viscondes do Botelho. Numa das salas, ali está uma colecção
alargada e vibrante de cordofones, salientando-se o espólio de violas da terra,
tendo como construtores os nomes de Luiz José Nunes, António José Sousa Melo,
José Medeiros, Cirino da Cunha, José Luis Vicente, Miguel “Charuto” de Melo, entre tantos
outros. Actualmente é o jovem Hugo Raposo quem se dedica à artesania e ao restauro
destes cordofones, bem como são dele os moldes presentes na exposição.
terça-feira, 26 de novembro de 2013
Pão, Amor e...filmes italianos (1)
Ao princípio, eram os filmes. Ia-se ao cinema ver
filmes, e não, a pretexto de filmes, “ver Cinema”. Foi preciso passarem
décadas, para haver História (do Cinema). Chegarem os “Cahiers”, para haver
Teoria (do Cinema). Dos cinemas, salas escuras povoadas de cabeças e corpos,
emoções e suores, ansiedades por um tempo esquecidas, mãos por um tempo
entrelaçadas, passou-se ao Cinema, Arte 7ª, sem a presença da qual (ou o seu
peso em estrelas) nos dizem hoje que não adianta ver filmes. Escreve-se em
jornais diários como se o mundo fosse dos cinéfilos, teoriza-se aí à falta de
lugares próprios, que por cá nunca medraram – a prova de que os cinéfilos
sempre foram escassos, como quase tudo. Continua-se, pois, a ver apenas filmes, como a diferença – e não
é pouco – que os cinemas perderam aquela ar de templos da escuridão e locais da
cavaqueira nos imprescindíveis intervalos, para se tornarem cada vez mais,
iscos de compras em centros comerciais: “o filme não prestava, mas comprei uma
camisola nos saldos”. Mas cada um, como no princípio, leva uma vez por outra
para casa uma história, uma ideia, uma frase, uma música, um plano que talvez
não venha esquecer, tenha ou não estado perante uma credenciada “obra-prima”.
Como leva também a ligação “daquele filme” a coisas da vida, desse tempo ou
desse dia, a que a memória para sempre associará. Tudo isto são minúcias que a
“Arte pela Arte”, hoje arrogantemente triunfante, teima em ignorar.
I Vitelloni de Federico Fellini (1953) |
Quem viveu a vintena
nos anos 50 e alvores dos 60, em Lisboa, sabe bem do que estou a falar. Mas não
é mau relembrá-lo, quanto mais não seja para que os espectadores de hoje se
libertem de complexos face às “estrelas” dos críticos, que tantas vezes podem
viciar a nossa relação com os filmes,
levando-nos à frustração de não ter visto neles o que nos foi inexoravelmente
anunciado: “a não perder”.
Víamos westerns (a que chamávamos filmes de
cow-boys) sem saber que eram do Ford ou do Walsh, musicais sem conhecer Bubsy
Berkeley, comédias ou melodramas sem nunca ter ouvido falar de Mankiewikz, de
Sirk ou de Lubitsh. Mas, à primeira, fixámos o nome do De Sica (com os “Ladrões
de Bicicletas”, e logo depois, com o “Milagre de Milão”) e do Fellini (com “La
Strada”). Rimos perdidamente com Abott&Costello ou com Danny Kaye, mas
rimos e pensamos ao mesmo tempo com o
Toto e com o Fabrizi.
Não esquecemos o Bogart ou a Bette Davis, mas nenhum dos seus filmes
nos terá deixado as marcas de um “Arroz Amargo”, visto talvez num alvoroçado
2ºbalcão do Império. Quem o realizou? Sabemo-lo hoje, mas já não precisámos que
nos viessem recordar que era com a
Silvana Mangano, que nos infernizou os corpos na altura. Como lembramos a
Sophia Loren da série “Pão, Amor e…”, sem ainda sabermos que estava ali uma
grande actriz, coisa de que nunca tivemos dúvidas da Alida Vali (no “Terceiro
Homem” e depois no Senso”) e no da Magnani, que não víramos na “Roma, Cidade
Aberta”, ainda andávamos de calções, mas admirámos na “Belíssima” ou em “A
Comédia e a Vida”. Como guardámos fundo também o De Sica-actor nesse magnífico “Generale
della Rovere”, filme que, talvez por demasiado sartriano (atributo nada
recomendável nos nossos dias), está hoje
no limbo dos objectos secundários nas
histórias do cinema europeu.
Pela distorcida imagem
– todas o são, de resto que dou dos filmes que frequentámos naqueles
anos não será difícil imaginar o papel que o cinema italiano ocupa na memória
dos que então aprenderam a amar o cinema (com “c” pequeno, esse de que cada um
tem a sua história privada), e a precisar dele como pão para a boca. Talvez me
engane muito, mas acredito que nesses anos terá chegado a haver momentos em que
eram italianos a maioria dos filmes exibidos nas salas de estreia de Lisboa. A
que atribuir tão grande popularidade? Que teriam eles de tão particular?
Boa
parte deles passava-se na actualidade de um país destroçado pela guerra e pela
ocupação, derrotado, com enormes carências no quotidiano, cada um a ter de
recorrer a mil expedientes para sobreviver. Os cenários eram muitas vezes
naturais, os actores muitas vezes não-profissionais. As histórias eram quase
sempre de “gente comum”, dos seus dramas, grandezas e misérias. Universo de
pequenos funcionários, de polícias e ladrões de meia tigela, empregadas
domésticas, pescadores, trabalhadores agrícolas, desempregados, oportunistas e
vigaristas, novos-ricos e biscateiros. Universo das “insignificantes” alegrias e tristezas de toda essa
gente, de tantos heróis ignorados, de amores e ódios desmedidos ou caricatos,
de violência das emoções e das paisagens (lembro “Stromboli”), de ternuras e
generosidade sem fim, de lutas inglórias ou patética, de exploração e raiva.
Numa palavra, universo de resistência.
(continua)
João Martins Pereira
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
Deste verde tão verde...
Escrevo
para si, Janeiro Alves, em Novembro, mês de castanhas assadas e vinho novo. Recebi
com júbilo a sua missiva no fim de tão melancólica estação, já que é no Outono
da minha existência em que me encontro, consciente dessa descida do Everest
desta humilde biografia que agora lhe dou conta. À semelhança de Manaia Júnior,
o mais aventureiro dos Manos Manaias, tenho procurado afastar-me dos olhares
públicos, refugiando-me no sossego do atlântico e do mar e outras águas menos turvas, essa fonte de riqueza
espiritual e, obviamente sonora, dado que também Shubert foi seu epígono quando
decidiu compor a obra musical “A Truta”`, à volta de um lago.
Recentemente e, dada as condições
miseráveis da prolongada sanguessuga financeira a que estamos condenados, decidi
evitar saborear bivalves, crustáceos e demais peixes do oceano, pois não vá uma brigada anti-ácidos
gordos e Ómega 3 se encontrar por perto e me obrigar a devolver as carapaças e as espinhas. Li, portanto,
com uma inconfessável e desmesurada jóia, a sua missiva dando conta desse
improvável e sangrento encontro com Vivaldo Manaia. Que horror, essa matilha de
Vivaldo, confirmando assim a lenda que já no berço este distinto Manaia estava
rodeado de espécies canídeas em redor. Ainda bem que não houve danos de maior e
que o meu caro amigo ainda se movimenta. Entretanto, sabia o meu bom amigo, que
me encontro a visitar a mais digna literata e filósofa dos Manaias, a Miriam, que está de
volta ao clã para se dedicar de punho firme e desmanchada certeza a escrever uma
biografia póstuma da família. A Miriam continua delicada e esbelta, tendo eu descoberto há dias,
enquanto lavava os meus alvos dentes, que ela tinha vedado o “lava-pés”, já que
não gosta de partilhar a água da torneira com que lava as cartilagens dos seus membros com mais
ninguém…esta Miriam é incrível!
Tenciono, por
isso, dar-lhe conta desta minha aventura pelas terras do chã, das folhas de
tabaco e dos ananases com maior brevidade.
Seu servo,
Doutor Mara.
domingo, 24 de novembro de 2013
Didi adora posar...
Didi adora posar para o seu amigo
fotógrafo e encher as páginas do seu “book” com fotografias arrojadas, de
grande pendor sensual, a roçar o erotismo. As fotografias trazem sempre o cabelo
ondulado e doirado de Didi e uma parte dele estende-se sobre o seu corpo
delgado e fino, pontuado de linhas e curvas bem esclarecidas, acentuando a sua
pele bem tratada, ainda que alguma rugas faciais denunciem já a passagem de
Didi dos trinta e muitos, obrigando-a assim a alguns constrangimentos
alimentares e ao cuidado exagerado com as combinações das roupas e dos seus
vestidos com o tom de pele, apostando na delicadeza e suavidade das cores do
baton nos lábios e as tonalidades certas de pó de arroz sobre as maçãs do rosto
esgalgadas. O propósito de Didi é muito simples e eficaz. Didi quer muito que
todos reparem nela e que cada vez que passe pelos representantes do sexo
masculino, estes se dêem conta do que ela traz vestido e que a mirem de alto a
baixo, como se de uma princesa inacessível se expusesse ali perante os seus
lânguidos e lascivos olhares. O cuidado de Didi quando posa é tal que ela
respira fundo quando ouve o click do
seu amigo fotógrafo, em parte porque gosta de dar sinal do dever cumprido. O
amigo fotógrafo de Didi também não deixa que nada lhe escape e, se vê que Didi
está fora do plano, trata imediatamente de a admoestar ou avisar. E quer sempre
muito que tudo fique como deve ficar, isto é, como ela aspira, para mais tarde
recordar. A desventura de Didi é não poder usar todos os dias os seus óculos
Paco Rabane, pois preenchem-lhe a cara mais do que é costume. O sol do lugar
onde vive não ajuda e a invernia prolonga-se quase até à chegada do verão. Numa
das fotos sensuais e audaciosas de Didi, ela está deitada sobre a areia numa
praia deserta, com o mar ao fundo completamente desnudada ao cair da tarde, com
o sol e a luz a desaparecer, sempre com o seu sorriso cândido e escondido, não
tirando nunca os seus colares de mini bolinhas doiradas que se prolongam pelas
costas. É impossível não pensar que Didi queira muito ser desejada pelo sexo
oposto e que em parte o consegue dado que são muito poucos ou nenhuns que
conseguem permanecer indiferentes à sensualidade do seu olhar doce e indolente.
Falta saber se Didi quer ser amada pelos que vêem aquelas fotos no silêncio dos
seus computadores, nos iphones da última geração, ou se ela gostaria que todas
as noites alguém lhe narrasse estórias simples e verdadeiras, ou apenas alguém
lhe desferisse o conto do bandido? Nunca
saberemos, Didi, certamente que não. Por
ora, é isso o que o olhar de Didi revela ainda que se apresente tão difuso, tão
aéreo, porquanto tão sensual, não se sabendo ao certo se no momento da
fotografia Didi está a olhar para o flash ou se para o público que passa
naquele momento em que o seu amigo tira as fotografias. Didi sorri muito sem
ser propriamente um sorriso inoportuno ou desproporcionado. Ela sabe que o
resultado final nunca desilude, daí se expor tanto, chega mesmo a mostrar-se de
todas as formas e feitios, pois sabe que quanto mais pose tiver mais a sua imagem se
alastra sobre todos os lugares onde ecoa o seu nome. Didi demonstra ser livre
enquanto posa e essa liberdade ninguém a tira. Uma das fotos que deu mais prazer a Didi e que ela narra a toda
a gente ser a sua cara é aquela em que ela está em cima de um zebra completamente
inclinada sobre o animal atenuando a leveza do seu peso sobre o seu dorso ao
mesmo tempo que lhe afaga a crina. Didi, na verdade, adora posar ainda que
todos saibamos que essa sua pose não tem fim, hora, dia, mês ou estação, pois
alimenta-se de um oxigénio inesgotável. Didi tem consciência disso. Didi apenas
desejaria posar. Cada vez mais.
sábado, 23 de novembro de 2013
Abre os Teus Olhos
Verrá la
morte e avrá i tuoi ochi-
questa morte
che ci accompagna
dal mattino
alla sera, insonne,
sorda, comme
un vechio rimorso
o un vizio
assurdo. I tuoi ochi
saranno una
vanna parola,
un grido
taciuto, un silenzio.
Così li vedi
ogni mattina
quando su te
sola ti pieghi
nello
spechio. O cara speranza,
quel giorno
sapremo anche noi
che sei la
vita e sei il nulla
Cesare Pavese, Verrà la morte e avrà i tuoi occhi, Giulio Einaudi editore, Torino 1951
Cesare Pavese, Verrà la morte e avrà i tuoi occhi, Giulio Einaudi editore, Torino 1951
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
O Silêncio Habitado da Mente
"Há algo para além da nossa mente que habita em silêncio na nossa mente. É o supremo mistério que ultrapassa o pensamento. Apoiai a vossa mente e o vosso corpo subtil nesse algo, e não o apoiais em nenhuma outra coisa."
Api
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
Uma Missiva na Queda de Novembro.
Caro Doutor Mara,
Ali estava Vivaldo Manaia, a antítese viva de Bocage, a apanhar o eléctrico nº 14 para o Duomo, com três cães, um grande, um pequeno e um outro que não era grande nem pequeno, e nem sei se seria um cão. Reconheci-o à distância a que se reconhecem os grandes homens, sem que eles nos reconheçam a nós. Apressei-me para apanhar o mesmo eléctrico, e engendrava uma forma de poder registar aquele momento e conseguir algumas palavras do grande mestre Manaia. Sentei-me à frente do cão maior, que me fitava enquanto mostrava lateralmente a sua potente cremalheira pronta a afiar em caso de necessidade. Mantive-me calmo. Já com os olhos postos no chão conspurcado da carruagem, desprovido de argumentação, oiço: “Você não é o Janeiro Alves?”. Imagine, doutor Mara!
Espero que esta carta o encontre no
máximo das suas capacidades físicas e mentais, e na habitual desordem provocada
do seu pensamento futurista. Espero igualmente que o preço dos filetes de peixe
esteja mais acessível do que da última vez, pois sei que é um verdadeiro
apreciador.
Para além de notas soltas da
minha diária contemplação do maciço dos Alpes, e da permanente observação de
fenómenos extra-planetários, nada teria para lhe contar, não fora a
circunstância inesperada de me ter encontrado com Vivaldo Manaia, o mais
Italiano dos Manaias, e que surpreendentemente reside muito perto do meu
humilde habitáculo. O doutor Mara não imagina, nem lhe consigo descrever por
palavras, a satisfação que foi poder conhecer o mais profícuo dos Manaias de S.
Miguel, o mais internacional e consagrado elemento do clã, no seu habitat
artificial. Tudo aconteceu numa tarde em que fotografava fenómenos espontâneos
de situações que acontecem simultaneamente, numa rua movimentada de Milão,
quando me deparo com um homem;
Gordo, de olhos castanhos, carão
rechonchudo,
Mal servido de pés, também em
altura,
Estragado de facha, pior de
figura,
Nariz gordo no meio, olhar
sisudo
Ali estava Vivaldo Manaia, a antítese viva de Bocage, a apanhar o eléctrico nº 14 para o Duomo, com três cães, um grande, um pequeno e um outro que não era grande nem pequeno, e nem sei se seria um cão. Reconheci-o à distância a que se reconhecem os grandes homens, sem que eles nos reconheçam a nós. Apressei-me para apanhar o mesmo eléctrico, e engendrava uma forma de poder registar aquele momento e conseguir algumas palavras do grande mestre Manaia. Sentei-me à frente do cão maior, que me fitava enquanto mostrava lateralmente a sua potente cremalheira pronta a afiar em caso de necessidade. Mantive-me calmo. Já com os olhos postos no chão conspurcado da carruagem, desprovido de argumentação, oiço: “Você não é o Janeiro Alves?”. Imagine, doutor Mara!
Disse-me que me conhecia, mas que
não podia dizer de onde nem porquê. Saímos e fomos beber uma garrafa de vinho
Lombardo a um botequim da cidade, e discutir assuntos mundanos. Mas eis que no
meio de divagações de menor relevância, o nosso ilustre Manaia me comunica que
pretendia desvendar-me as linhas gerais do seu plano magistral, assunto de
extrema importância para Portugal, um projecto de uma amplitude paranormal que
iria definitivamente alterar o cenário nacional. Um plano para a crise, e
portanto, para dizimar, com ou sem aspas, o velcro governativo que nos dirige.
E nós sabemos do que os Manaias são capazes, doutor Mara, nós sabemos... Mas
porque há momentos em que sucedem coisas indetectáveis em tempo útil, eis que a
meio de um brinde, e em profunda ansiedade de querer saber mais, o cão que não
era pequeno nem grande se atira a mim e me provoca ferimentos de alguma
gravidade. Fui transportado para o hospital de urgência. O médico que me
acordou no dia seguinte, esclareceu-me tudo. Fui atacado por um papagalo, uma
espécie da floresta negra alemã, cruzamento entre um cão, um furão e uma cabra,
e conhecido naquela zona alemã por comer galos inteiros à dentada. E assim
terminou o meu triste encontro com Vivaldo Manaia.
Mas a razão desta carta guardo-a
para o fim. No bolso do meu casaco verde de veludo, ainda marcado de sangue e
dentes caninos, encontrei um bilhete. “Caro Janeiro Alves, peço-lhe desculpa
pelo sucedido. Saberá a breve trecho todos os detalhes do meu plano por
intermédio do Doutor Mara...”
Um fraterno abraço,
Janeiro Alves
terça-feira, 19 de novembro de 2013
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Da Pulcra Existência
A faca que corta dá golpe sem dor…descobrir prováveis hipóteses e
mesmo assim não detectar seja o que for. Ter o receptor pronto, iniciar o caminho das trevas, mover todos os propósitos e nada alcançar. Ter a
sensibilidade pronta para captar a mais provável das suspeitas e admitir que o
que vier a seguir é uma mera possibilidade. Esta é a circunstância de nada
conseguir saber, ter a cabeça a prémio, juntar peça por peça e lentamente
desconfiar do que foi feito. Vivemos ambos sobre ruínas e em breve também este
tempo findará. Por isso há cada vez mais desmoronamentos, sobressaltos, mais
devastação em redor. Reconhecemo-nos, no entanto, nessa dimensão da esperança, a tensão do encontro, a surpresa da coincidência ou da pulcritude simples. Convém, portanto, manter
a curiosidade, a leveza e o desapego, desprovidos de cobiças e apegos vãos. Se
no final de um dia, soubermos pronunciar as palavras que em nós pulsam com maior
veemência, talvez encontremos aquilo que nos descerra e nos prende, aquilo que
nos liga e deslaça, aquilo nos dá vida e nos mata.
Flor no Pântano, Luz nas Catacumbas.
"Flor no pântano, luz nas catacumbas" escreveu Vitorino Nemésio sobre a obra de Raul Brandão. Curiosa expressão ouvida pelo boca do doutor Machado Pires, especialista na obra do escritor da foz do Douro e que não se importa, até concorda ser boa ideia, este ter escrito sempre o mesmo livro. Brandão e Nemésio viajaram - ainda que por motivos diferentes- tal como travaram conhecimento na viagem que deu origem ao livro "As Ilhas Desconhecidas". Brandão tinha 52 anos e Nemésio 22. Desconfia-se assim que o "Corsário das Ilhas" terá nascido dessa vontade diarística. O que é certo é que, tanto um como outro, escreveram essencialmente sobre a passagem do tempo. E o que escreveram é, ainda hoje, tão relevante de ler.
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
A Mão no Arado
Feliz aquele
que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua
É triste ir
pela vida como quem
regressa e
entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solitário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tuido isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.
Ruy Belo
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solitário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tuido isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.
Ruy Belo
sábado, 9 de novembro de 2013
“Menina”- Márcia Santos e Samuel Úria
Imagem retirada daqui:www.som-directo.com |
É mais uma parceria luminosa e bem-aventurada
esta de Márcia com Samuel Úria para a interpretação do tema “Menina”, segundo
single do álbum “Casulo”(Maio de 2013). Os cantores assinam a composição da música
e da letra desta canção que tem harmonia, melodia e uma alma que transborda, sobressaindo assim o texto da letra que contém finura e um delicioso requinte poético, acrescentando-lhe a tensão
necessária com a entrada em cena de Samuel Úria, numa exaltação de vozes aventureiras e apaixonadas, em tributo digno e verdadeiro à língua de Alexandre O´Neill. A pele musical de Márcia já
vem desde os seus 13 anos e é de transporte para uma iminente dança imprevista e louca, numa
luta sem medos, que esta cantora e Samuel Úria anunciam o desejo de querer dançar a quatro
pernas e ventos, evidenciando uma vontade emancipatória de nos movermos, soltemos…sem receios ou
complexos: “Desfaz o Nó/ destrava o pé/
desmancha a traça e avança./Chocalha o chão,/esquece os que estão,/rasga o
marasmo em ti mesma./Vê corações,/ na cara que pões,/ vira do avesso esse
enguiço./ Desamordaça a dança pra te convencer./O teu coração/ sem querer
dispara/força e simpatia ao Ser que te vê dançar./O teu coração ainda pára,/
forçando a apatia p'lo medo de dançar.” Parabéns à dupla!
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
Escrito numa parede da cidade
Desisti do mundo
Degrado-me para que me
Esqueçam
Na lonjura da morte irreconhecida
Degrado-me para que me
Esqueçam
Na lonjura da morte irreconhecida
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
O Regresso do Fazendo
Ilustração de Luís Silva para o Fazendo nº57 |
terça-feira, 5 de novembro de 2013
Varadouro
"Varadouro", de Paulo Abreu e João da Ponte |
Quem
viu o documentário “Adormecido” de 2012 - interessante e exaltante poema visual e
sonoro à volta do vulcão dos capelinhos – sabia de antemão que alguma coisa de
maior poderia estar em germinação. Por isso, assistir à sessão inicial de
Novembro do cineclube de Ponta Delgada e, concretamente à apresentação pública
de “Varadouro”, só podia confirmar os melhores augúrios.
“Varadouro” é
o segundo filme de Paulo Abreu filmado em solo açoriano e novamente na Ilha do
Faial, revelando desta feita uma descomunal sensibilidade na captação da pulcritude
dos espaços insulares e dos sons da “natureza extrema” que habitam esta ilha e de que o
arquipélago é pródigo. É claro que muitas das instigantes soluções
videográficas do “Brel nos Açores”, espectáculo de Nuno Costa Santos,
pertenciam já a Paulo Abreu, confirmando assim o seu sentido estético e
desalmado gosto pela experimentação, para lá do risco que as paisagens e os
barulhos insulares lhe sugerem. Este documento fílmico apresenta somente
dez minutos de contemplação dessa piscina natural, desde o azul do atlântico
até às suas profundezas, e, na verdade, é como se estivéssemos deleitados na capital
de veraneio faialense, em plena costa ocidental, acompanhados por ilhéus a
banhos, numa paisagem formada por rochas basálticas de lava incandescente e a
memória de forasteiros de relevo que por ali passaram (Jacques Brel esteve lá
em 1974, ou ainda sir Peter Ustinov e o escritor Mark Twain), acrescentando-lhe narrativas e ensejos pícaros com essa evocação. No fundo, tal como eles, é fácil
deixar-se encantar por aquela fajã de clima ameno, quase tropical e dada a
novos arrastamentos, à semelhança da vida do caracol, o popular tema musical açoriano cantado
aqui pela excelsa voz do terceirense Carlinhos Medeiros. Este objecto cinematográfico contou
ainda com a colaboração na realização de João da Ponte, conhecido cineclubista
micaelense, tratando-se dum contributo desta dupla para o Doc´s Kigdom, seminário
internacional sobre cinema documental realizado recentemente na Ilha do Faial. Por fim, “Varadouro”
obteve os contributos solares e presenças mitológicas de Norberto Serpa, Tiago
Afonso, Maria Emanuel Albergaria, Frederico Lobo, André Laranjinha, Sérgio Gregório, João Pedro
Gomes, Tomás Melo e Aurora Ribeiro. E é bem provável que, com a ajuda dos
cineclubes, este postal do estio com sabor a documentário, seja exibido numa sala bem perto de si.
sábado, 2 de novembro de 2013
Um arquipélago a meio do atlântico.
"Há
três cidades à beira-naufrágio,/ e muitas outras sem rosto nem memória./E
nomeavam: Horta, Angra, Ponta Delgada/e arregaçavam mais as calças, os
pescadores de algas/ e silêncio.”
Santos Barros
Mural de Luís Brum na Rua de Lisboa |
Reencontrar
uma outra ilha, avançar tantos anos depois com um nó na garganta, percorrer a
sua periferia e a paisagem escutando a voz e o sorriso da Nelly Furtado cantar:
“But the smile is bigger than the
Atlantic sea/It happens to bring out the Atlantis in me/Island of wonder/Where
do you come from?/Is it the way the sun hits my face/Or is it your memory which
I cannot trace, I cannot trace.” Poucas
vezes importou o lugar de onde vimos. O espectáculo de beleza do Outono tão
pouco. Na chegada a São Miguel e, à entrada de Ponta Delgada, é impossível não
dar conta da presença de gigantescos cartazes do concerto de “O Experimentar” bem
como dos mupis espalhados pelos diversos cantos da cidade. Finalmente, uma
promoção de uma banda insular como deve ser. Será do cosmopolitismo dos seus
elementos? O luminoso concerto deu-se no Teatro Micaelense, com o florentino “Rema” a
ser tocado já sob o signo da confiança e da euforia pela nave açoriana que regressou aos palcos com gente de tantos lados e a retomar o concerto sob ovação de uma plateia fiel e rendida. À saída concerto e na descida da rua de São João há uma loja
com os sumptuosos iogurtes da Ilha das Flores bem como na Rua de Lisboa há um desenho do terceirense Luís Brum, o que reforça a ambicionada ideia de que
estamos num arquipélago a meio do atlântico. E é tão estimulante que assim seja.
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