Inauguração da Exposição de Fotografia de Ian Allaway |
quarta-feira, 31 de agosto de 2016
Sala de Embarque: Uma Festa no Fim de Agosto
Aí estão as festas de Santa Clara e que, após ensaio
na Galeria Arco 8, tivemos a oportunidade de marcar presença e saborear as
iguarias naquelas mesas corridas de arraial montado. Ontem à noite, houve fados, concertos de viola da terra e petiscos. É assim que ficámos a saber narrativas sobre este vetusto bairro piscatório, ainda não consumido nem arrasado pela “modernidade
arquitectónica”, bem como tomar nota sobre a origem do próprio nome de Ponta Delgada e, inclusive, a história
de pescadores que participaram na frota branca e que andaram pelos bancos da Terra Nova na pesca do bacalhau. Homens que permaneciam uma viagem de seis
meses sem dar notícias, nem uma cartinha que fosse. Socorro-me, entretanto, do
livro “Santa Clara: Um Tempo de Festa”, compilado pela Elsa Santos, editado
em 2002, para deste modo ficar a conhecer ainda mais esta pequena comunidade que ainda
hoje vive do que o mar lhe dá. Ao mesmo tempo que é de lamentar o descuido da zona térrea junto do mar, tão abandonada que está, bem como o estado destruído daquela escultura pela força do mar.
Agosto está, por isso, a findar e o desejo de
colocar esta peça em cena aumenta de dia para dia ao mesmo tempo ainda que não
apetece nada, nada mesmo, deixar fugir este mormaço estival. Apetece, isso sim, ficar toda a manhã a ouvir Scott
Walker cantar o original de Jacques Brel na sua versão sobre alguém que parte:
“If you go away/On this summer day/Then
you might as well/Take the sun away/All the birds that flew/In the summer
sky/When our love was new/And our hearts were high/And the day was young/And
the night was long/And the moon stood still/For the night bird's song”. E,
talvez por isso, filmámos neste último dia de Agosto um pequeno clip sobre a
ideia, “a mola”, que está subjacente a esta “Sala de Embarque”. Uma ideia de partida, diga-se, como seria de esperar.
Filme d´Estio: Fitzcarraldo de Werner Herzog
"Fitzcarraldo" de Werner Herzog (1982) imagem daqui: www.coming.soon.net |
Werner Herzog, um dos mais fascinantes cineastas alemães, realizou no
início dos anos 80 um filme intitulado "Fitzcarraldo". O filme relata
a história de Brian Sweeney Fitzgerald (Klaus Kinsky) que ambiciona edificar
uma Sala de Ópera na cidade Iquitos no Amazonas, Brasil. Ele é um amante
fervoroso do tenor italiano Enrico Caruso. Com antecedentes de outros fracassos
e demais investidas falhadas (uma Estrada em Ferro, a Transandina), "Fitzcarraldo"
ambiciona também construir uma fábrica de gelo. Este “Conquistador Inútil”,
como ficaria conhecido, estava possuído ainda por uma façanha ainda maior quando
convence a sua amante (Claudia Cardinalle), dona do prostíbulo da cidade, a
financiar a compra de um barco fluvial para a exploração da borracha. A partir
daí, embarca numa loucura desmedida quando pretende a qualquer preço,
sacrificando, inclusive, vidas humanas, explorar rotas e florestas nunca
vistas.
Da Inutilidade
"A literatura é perfeitamente inútil: a sua única utilidade é que ajuda a viver."
Claude Roy (1915-1997)
terça-feira, 30 de agosto de 2016
Uma Ode a Santa Clara
Regressámos, portanto, aos ensaios, ainda que o
façamos mais cedo pois havia filme-homenagem que não queríamos perder. Passou,
entretanto, mais de uma década sobre a memória de “Ver o Pensamento Correr”, um
documentário sobre António Palolo, realizado por Jorge Silva Melo. Por isso,
foi muito importante ver este “Ana Vieira: e o que não é
visto”, não pela semelhança entre artistas mas pela forma com o realizador
“encena os seus documentários sobre artistas plásticos”. Jorge Silva Melo começa
por dialogar com Ana Vieira, filmando-a inicialmente de costas num jogo de
ocultação/visibilidade, investindo no questionamento do espectador com as obras
de arte, essencialmente na forma como este as percepciona e se coloca perante
os objectos artísticos. Deste modo, permite que Ana Vieira esclareça esse jogo de espelhos,
as sombras e transparências...fazer ver de fora e com uma consciência em off.
Sem dúvida, um documentário subtil, delicado e honesto na representação da
artista e do seu trabalho. Hoje há conferência pelo Paulo Pires do Vale na
Galeria Fonseca e Macedo.
E depois, voltaremos novamente à luminosa e
encantadora Santa Clara, antes deste fim de Agosto, esse mês em que gostaríamos
de permanecer como na infância…os últimos dias deste Estio caloroso, húmido, e
com o sabor a sal. Leremos, assim, repetidamente e, de forma exaustiva, partes da peça, já com bancos do
cenário montado, sobretudo para que dessa forma possamos encontrar uma maior
“organicidade” do texto teatral – um chavão agora repetido e abusado ad nauseam pelos já poucos espectadores de teatro. E, queiramos ou não, lá entraremos em Setembro…
Do Prazer
O maior prazer que alguém pode sentir é o causar prazer aos seus amigos.
Francois de Voltaire (1621-1695)
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
Cenário
Fotografia Carlos Olyveira |
Substantivo masculino
1. Conjunto
das vistas e acessórios que ocupam o palco ou o local de uma representação
teatral, televisiva ou cinematográfica ou de um espectáculo semelhante.
2. Plano de
uma peça, de um romance.
3. Documento
escrito que descreve cena por cena o que será rodado em cinema ou televisão.
-in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
Três poemas Urbanos
Cate Blanchet
Se te visse apenas diria
que és assim assim
um girassol ligeiramente inclinado
nesse teu vestido em tons lilás brilhante
ao longe
já que perto nem de binóculos
isto é
se me permitissem ver
se me permitissem ver
a ligeira ruga e o lóbulo auricular
avistados há tempos num filme
dum clarinetista habitante de Manhattan
dum clarinetista habitante de Manhattan
Rua D´Agoa
Não corre nenhum rio por ali
sendo o oceano além das portas
É tudo uma questão de estilo
ou não
a varanda por contemplar
as nuvens e o céu celeste
sem brisa
adormecidos como diosas cigarras
em pleno dia lembrando
outros minúsculos vasos de flores
aguardando a foz deste Estio
Padeiro
Não te vi hoje ao serviço
empunhando a massa e o boné
Devias estar escuso e recluso
daquele alvo oceano mimetizado
Uma assembleia de gente nívea
reunida em baile e celebração
O fermento serve o propósito
tal a indumentária confecionada
Nem o surgimento da alba amotinada
esmorece fadiga tua ao amanhecer
Homenagem a Ana Vieira
Ana Vieira: E o que não é Visto de Jorge Silva Melo, Doc 56 m |
A Galeria Fonseca e Macedo pretende homenagear hoje e amanhã a artista plástica Ana Vieira. Esta noite apresenta, pelas 21h30, um documentário sobre a obra da artista. É no Cine Solmar, com o apoio do 9500-Cineclube de Ponta Delgada. Eis a sinopse do trabalho realizado por Jorge Silva Melo: "É insólito o lugar de Ana Vieira na arte portuguesa: trabalhando o rasto, a sombra, a passagem da luz (ou dos corpos?), o reflexo, a sobreposição, a pegada, a memória ou a planificação do futuro (qual delas?), a sua arte enfrenta o invisível. E questiona o lugar do espectador, colocado sempre"de fora", com a consciência do "off"." A entrada é gratuita.
domingo, 28 de agosto de 2016
ARCO 8: Da Melancolia Marítima ao Funaná e Coladera
álbum "Intelectual" de Ildo Lobo (imagem daqui www.lusafrica.com) |
Os Primeiros Quatro Poemas de Jorge Sousa Braga
Esse Verão
Vinha meio nu
Trazia uma cesta de vime cheia de amoras
que colhera nas margens do rio
Passara a tarde toda de silvado em silvado
Na sua mão direita um pequeno arranhão
-Tão quente tão quente
esse verão
…
«Acabei agora de comer
um campo de tulipas
Não sei o que fazer
com tanta beleza nas tripas»
Crepúsculo
Já ninguém percorre este caminho
a não ser dois petroleiros
com os porões vazios
Nuvens
Sinto-me como se vivesse dentro de uma
nuvem. Branca. Fecho os
olhos e deixo-me arrastar. Pelo vento.
É imprevisível o destino de uma nuvem. Pode
dar várias vezes a vol-
ta ao globo. Ou desfazer-se de encontro à
montanha mais próxima.
Mas isso em nada parece afectá-las.
Afectar-me.
Vivo dentro de uma nuvem. Cujo destino é
vaguear. E cujos limites
é não haver limites.
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
Sala de Embarque: Ensaios
Espaço da Galeria Arco 8 |
A
peça teatral Sala de Embarque já tem datas marcadas: 29, 30 de Setembro e 1 de
Outubro. Sempre às 21h30, na Galeria Arco 8. Três dias de apresentação
consecutivas após três meses de trabalho colectivo. O cenário ganhou ontem nova
coloração, com a chegada dos bancos em
madeira que são a "mola" principal da acção. Agradecemos o apoio, a delicadeza e o empenho.
Trabalharemos com intensidade para fazer jus dessa cedência, apoio à produção. Assim o
faremos.
Hoje temos novamente a
presença do Carlos Olyveira. Entra novamente em cena este fotógrafo, um conhecedor da
urbe e do seu pulsar, pois é um narrador incansável dos dias que se repetem. Ultimamente
tem sido com ele que gostamos de espreitar o quotidiano trânsito da ilha em viagem, tornando-nos
cúmplices da sua paisagem e do movimento citadino. Enquanto isso acontece, a Júlia
Garcia prepara minuciosamente o desenho gráfico (os cartazes e os postais), aguardando o tempo
preciso para apelarmos às técnicas antigas da Tipografia Micaelense e ali usarmos a
valência do passado para servir o tempo presente. E, por aqui, continuaremos...a ensaiar!
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
WE SEA na Galeria Arco 8
A banda mais açoriana do momento actua esta sexta-feira, dia 26, na Galeria Arco 8. É o momento ideal para sabermos e aferirmos em que ponto é que se encontra a banda de Rofino, Clemente e Barbosa, e ainda Dino como convidado na bateria, após aquele extraordinário concerto por alturas da festa dos cravos em Abril no Solar da Graça. Este é, sem qualquer dúvida, um dos projectos de música pop mais interessantes que nos foi dado a conhecer nos tempos mais recentes e com a particularidade de não ter editado qualquer registo até ao momento. O segredo é a simplicidade de uma banda que canta num português melódico e perceptível, com temas musicais repletos de ambientes sonoros de charme e plasticidade, como se dessem o peito às balas e às flores. Uma banda com corpo e intensidade na forma com que se dispõe e se apresenta em palco. A entrada é gratuita.
Filme d´Estio
Pallombella Rossa de Nanni Moretti (1989) |
Um dos filmes mais intrigantes e estimulantes de Nanni Moretti dá pelo nome de “La Cosa”, 1990, (“A Coisa”, em português) onde ele próprio andou pelas sedes e lugares de militância comunista a ver o que é que sucedia ao Partido Comunista Italiano (PCI) após a Queda do Muro de Berlim. Um périplo rodeado de peripécias e de dúvidas que culminou num enorme e previsível ponto de interrogação. Ainda hoje o manto desse questionamento paira sobre os caminhos seguidos e a seguir após tamanho cataclismo ideológico. Antes disso, ele que acompanhou de perto as incidências da esquerda italiana, ao realizar o filme “Palombella Rossa” pretendeu metaforicamente augurar um destino feliz e promissor para a orfandade e desorientação proveniente do Leste Europeu. A dado momento, Moretti grita com uma jornalista: “Chi parla male. Pensa male. Vive male. Le parole sono importante.”. Pois é, as palavras são muito importantes para definir o que pretendemos fazer e nada melhor como rever este filme na canícula, ainda que divertido e bem humorado, para poder pensar nos novos rumos a tomar.
terça-feira, 23 de agosto de 2016
Da Cultura
"São necessários anos de leitura atenta e inteligente para se apreciar a prosa e a poesia que fizeram a glória das nossas civilizações. A cultura não se improvisa."
Julieen Green (1900-1998)
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Tereza Arriaga: "Os Meninos do Vidro da Marinha Grande"
"Os Meninos do Vidro" |
À Luz e à Sombra de Alexandre O´Neill – Trinta anos depois
Fotografia Carlos Olyveira a partir de desenho de João Lázaro |
“À Luz e à Sombra de Alexandre
O´Neill – Trinta anos depois” foi o pretexto para que nos juntássemos e lêssemos
textos do poeta falecido a 21 de Agosto de 1986, no Hospital Egas Moniz, em
Lisboa. Desta feita, a poesia de Alexandre O´Neill obteve novos timbres, ritmos
e cadência de quem o quis homenagear no "Lisboa, Menina e Moça", ali mesmo no centro histórico de Ponta Delgada. Recorde-se que este poeta não era muito dado a
celebrações e homenagens. Lembrou-se também o seu percurso pela publicidade, já que ele
ficou conhecido pelo "há mar e mar, há ir e voltar". E o fadista Mário
Fernandes cantou o seu poema “Gaivota”, acompanhado pelo Alfredo Gago da Câmara, sabendo
nós que este não era apreciador de fado pela associação ao regime salazarista. A noite de domingo não foi, por isso mesmo, uma feira
cabisbaixa, tendo tido um ponto muito alto quando a Margarida Benevides disse um texto (gravado no coração) do poeta que resume, e de que maneira, a sua existência literária: “Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim?
Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir
o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português,
traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar
os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados
podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para
melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros. É pouco como
projecto? Em todo o caso, é o meu. O que vou deixando escrito, ora me desgosta,
enjoa até, ora me encanta. Acontece certamente o mesmo aos outros poetas,
tenham estatuto ou não. Mas comigo, talvez essa oscilação se dê com mais
frequência. É que a invenção atroz a que se chama o dia-a-dia, este nosso
dia-a-dia, espreita de perto tudo o que faço. É o preço que tenho pago para o
esconjurar, pelo menos nas suas formas mais gordas e flácidas.” E ao que
parece, as pessoas que assistiram gostaram!
sábado, 20 de agosto de 2016
Sala de Embarque: Pausa para Café
Fotografia Carlos Olyveira |
“Daqui a um
mês estaremos prontos” - é este o pensamento geral de todos os que se
juntaram para fazer esta peça intitulada de Sala de Embarque. No entanto, sentimos que
trabalhar neste período é ingrato dadas as solicitações e sugestões inerentes
ao período da canícula. O tempo é, maioritariamente, vivido no exterior com
toda a inquietude e humidade provocada pelas oscilações climatéricas, à semelhança da vida do caracol cantada magistralmente na excelsa voz do Carlinhos Medeiros: “A
vida do caracol/É uma vida arrastada, /Anda com a casa às costas/Onde quer faz
a morada.” E, por isso, pacientes, caminhamos lentamente, com as pausas e os “desvios”
típicos do Estio.
Desta feita, o texto da
Sala de Embarque tem mais uma nova versão e, por sinal, mais uma impressão. Os
cafés ajudam a clarificar o sentido do texto, a orientar para os seus meios e
fins, a lembrar que também estes estão presentes enquanto evocação do tempo e
de memória, pois tal como diz o personagem de “O Velho" quase no final: “Ao fim
da tarde, reuníamo-nos todos nos cafés, com aulas ou sem aulas. Os cafés
daquele tempo eram frequentados por toda a gente sem distinção social, a nossa
presença amiúde era uma forma de mantermos o contacto diário e de despertarmos
a curiosidade uns dos outros sobre aquilo que nos apetecia saber e fazer. Quem
é que hoje se encontra? Agora é cada um por si…” E agora, que ainda é de manhã, antes das
compras para a semana, aqui fica este registo fotográfico, a imagem dessa comparência e a mola necessária para mais uma leitura.
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
TASCÀ: A Poesia Volta no Outono!
Fotografia de Bruno Gaudêncio |
A TASCÀ está situada na Rua de Lisboa e há mais de dois anos que tem nas noites de quinta-feira tribuna aberta para a poesia. É um edifício muito antigo, uma verdadeira taberna minúscula, mas essencial para criar corpo e cumprir cumplicidades. As “hostilidades” poéticas deram início há três anos na Travessa dos Artistas mas foi pela mão dos amigos João da Ponte e João Malaquias e da conivência de Paulo Amado que se consolidaram naquele local citadino. A cidade de Ponta Delgada, em São Miguel, agradece. Durante dois anos aconteceram coisas boas no pequeno mundo da poesia: editaram-se os “Capítulos A, B e C”- uma colectânea de poetas a residir nos Açores, os dois livros do Leonardo - “Âmbula” e “Onde Sequer o Luar” e ainda a dupla Medeiros/Lucas que convidou João Pedro Porto para escrever as canções de “Terra do Corpo”. Não esquecer: esta dupla apresentou-se pela primeira vez ao vivo neste peculiar estabelecimento pela mão do malogrado João da Ponte. O dono de tão ilustrado e bem frequentado antro poético, o senhor Paulo Amado, como é sabido, também é visto por vezes a ler poesia e participa das sessões, tal como jamais se esquece de refrear e serenar os bardos compulsivos quando pretendem prolongar a noite ou ainda arremessar farpas aos espúrios poetas que lá caem de pára-quedas ou outros meios de locomoção. As noites de poesia micaelense estão agora paradas e regressam, pois, em Setembro, com o Outono!
Que Vergonha, Rapazes!
Fotografia Carlos Olyveira |
Que vergonha, rapazes! Nós práqui,
caídos na cerveja ou no uísque,
a enrolar a conversa no “diz que”
e a desnalgar a fêmea (“Vist’?
Viii!”)
Que miséria, meus filhos! Tão sem
jeito
é esta videirunha à portuguesa,
que às vezes me soergo no meu leito
e vejo entrar quarta invasão
francesa.
Desejo recalcado, com certeza...
Mas logo desço à rua, encontro o
Roque
(“O Roque abre-lhe a porta, nunca
toque!”)
e desabafo: - Ó Roque, com
franqueza:
Você nunca quis ver outros países?
– Bem queria, Sr. O’Neill! E... as
varizes?
Alexandre O´Neill
O´Neill, desimportantizar a língua
Alexandre O´Neill nasceu a 19 de Dezembro de 1924. Anuncia a sua biografia oficial: "Frequentou o Curso de
Pilotagem da Escola Náutica em Lisboa, tendo-lhe sido recusada, devido à sua
miopia, a cédula marítima". Um dia escreveu um poema para o seu filho
intitulado “Chaval”: “Entre o Bem e o Mal,/cresce a borbulha na cara do
chaval./O chaval ainda não sabe/que a barba, bem ou mal/feita, é uma
banalidade/matinal”. Os seus poemas estão reunidos na Assírio e Alvim em várias edições.
-Fotografia de Carlos Olyveira a partir da capa/desenho de João Lázaro publicado na revista Pública de 18 de Agosto de 1996.
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
Alexandre O´Neill: 30 anos depois
Fotografia Carlos Olyveira |
Devia ser um adolescente a tropeçar de ternura quando a poesia dele me chegou às mãos. Não sabia, à altura, que a poesia podia descer às catacumbas, às tascas, ao povo-léu. A partir daí, comecei a levá-lo comigo para todo o lado, pois "há mar e mar, há ir e voltar". Até que em Coimbra decidimos fazer um recital com os seus poemas - eu, a Ilda Teixeira e o José António Mariz. Recordo-me de ter entrado de bicicleta pelo Café Santa Cruz e ainda de lançarmos uma máquina de escrever Remington pelo ar. Descobri também que ele era o autor do poema de "Belarmino", título de um filme maravilhoso do Fernando Lopes e, mais recentemente, de uma canção dos Linda Martini. Dele sei alguns poemas de cor, decorados pelo coração, tal como reconheço nele alguma mágoa pelo país adiado que somos. Ao longo dos tempos coleccionei textos, artigos, homenagens que lhe fizeram ao longo dos anos passados. E como perfaz no próximos domingo trinta anos, número redondo, desde que o seu coração deixou de bater no Hospital Egas Moniz, iremos juntar-nos para ler alguns dos seus textos, lembrar a sua vida, evocarmos a sua biografia. O Alexandre bem merece!
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Sala de Embarque: Agosto é no Arco 8 de Santa Clara
Agosto nos Açores é
semelhante a estar junto de um braseiro, uma lassitude que se instala e propaga,
ainda que raramente haja vento, uma humidade que não se aguenta. E, por isso,
insistimos assim, no gerúndio, trabalhando, ensaiando, à noitinha, quando é possível respirar. Hoje, quando aqui chegamos, Santa Clara ainda se
encontrava com aquela cor azul anilina, transparente, qual lugar excelso e prazenteiro ao fim
da tarde. Saúde-se novamente a luz coada quando o sol se depõe e o mar chão é
sinónimo da luz espelhada ao comprido. Trata-se de um espectáculo cromático assaz divertido, conjuntamente com a policromia das casas e daquela atmosfera marítima
circundante.
Este texto teatral começou por ser pensado para
as tábuas do palco em Agosto, mas julgo que ainda vai ser preciso mais algum
tempo. Será certamente a nossa "Canção de Setembro", o nosso desafio de até lá
montar algo em que tenhamos orgulho e paixão na sua apresentação. Este grupo que aqui se
juntou é bastante cúmplice, dinâmico, arraigadamente coeso. O teatro junta
sempre tanta gente, tantas pessoas que ainda gostaria convidar, daí ter estendido o convite ao músico João Macedo para compor a “banda sonora”. Ele
assiste aos ensaios, ouve e reflecte quais os sons a incluir em algumas partes
da peça. Depois, contamos esperar algum tempo pelo resultado desta sua experiência. O mesmo irá acontecer com o cenário, que queremos que seja de nuvens,
memórias, futuro e, muita, muita, fantasia. E é claro, quando pensarmos no trabalho
relacionado com a imagem/divulgação deste espectáculo que pretendemos colectivo, teremos aqui que contar com o ensejo da Júlia Garcia e da Tipografia Micaelense.
terça-feira, 2 de agosto de 2016
Telegrama para Janeiro Alves no Forno de Agosto
Fiquei perplexo e com os pulsos fistréticos após a leitura da sua missiva no jorro de Julho. Não sei se conseguirei entrar com os pés juntos no mês de Agosto dado ter entrado em pânico ao ver que finalmente alguém o chamou para se apresentar num interrogatório do palácio governamental em Lisboa. Nada a temer. O amigo Janeiro vai desculpar-me, mas todos nós necessitamos dos seus conhecimentos humanos e das suas mais recentes descobertas científicas ao serviço da humanidade. Não se apoquente, precisamos muito de si, meu caro, e eles devem saber exactamente o que pretendem. Aproveite para dar a conhecer a essa juventude, sem ponta de respeito ou liberdade, os seus deliciosos pantagruélicos filetes de peixe porco. Não sei se sabe, mas eu tive também que responder à Polícia dos Costumes e da Tirania do Progresso do porquê de ainda não ter aberto qualquer conta no facebook ou o motivo por que é que não vejo televisão há sete anos ou ainda a razão de não ter curiosidade por atentados auto-sacrificiais ou mesmo dar qualquer importância à secção de Classificados de Carne Humana do Correio da Manhã e, em último caso, o facto de só me interessar pelas vitórias de Portugal no Campeonato da Europa, tendo em vista o objectivo de me deixarem virar discos durante seis horas numa taberna com bar aberto.
À semelhança do amigo Janeiro, também eu tenho a casa escoltada, mas por outras razões. É que decidi acolher em meus aposentos a minha querida amiga de origem sueca (o pai é da Nicarágua, a mãe é de Lund), a belíssima Pipi Halstroom, uma estrela emergente da Sociologia Moderna e que não pára
de citar Emile Durkheim pela manhã, Karl Marx pela tardinha e Slavoj Zizék, após
duas garrafas de maduro tinto. Caso o Janeiro Alves ainda não o tenha
pressentido, ela é perita em turistificação e gentrificação. Incansável e
focada no seu métier, encontra-se
neste momento a criar sinergias com a comunidade local no sentido de travar o
capitalismo de saque que quer, recentemente e a qualquer preço, transformar os centros
históricos em autênticas salas de partidas e chegadas. Desconfio que mais tarde ou mais
cedo seremos convidados pelos turistas a tirar fotografias para exemplificar
como era a vida nas velhas ruas ou sítios abandonados antes de tudo isto ter acontecido. Até lá, aproveito para lhe enviar uma caixinha de mirtilos para que
desfrute deste Estio sem pensar muito na selvajaria económica que tomou conta do nosso presente e das últimas poupanças.
Com estima e consideração,
Doutor
Mara
Dramaturgos Profissionais; Dramaturgos amadores
Charlas Quotidianas do Doutor Mara |
É evidente que muitas das
vantagens, se não todas, estão do lado primeiro. Sem dúvida que o cultivo
aturado de uma profissão – que bem pode ser uma arte – faz que se vão
descobrindo os segredos dela, e que horizontes mais vastos se vão rasgando.
Notemos, no entanto, que tal aprofundamento e tal alargamento são especificamente
do métier. Quero dizer: se em toda a arte há uma técnica própria e um conteúdo
humano (evidentemente que o conteúdo artístico é imprescindível, sem o que não
poderíamos falar em arte), a continuidade no exercício dela só pode, ou pode
principalmente, assegurar ao artista o domínio dos meios técnicos de a exercer.
Mas
a dramaturgia vislumbra-se, através de problemas técnicos, problemas humanos.
Não parece que a obrigatoriedade de fornecer empresas, o empenho de corresponder
ao agrado do público, a luta pela conquista do êxito sejam elementos
exaltadores da sensibilidade artística. O profissionalismo, assim concebido,
pode criar inibições no espírito do dramaturgo. A arte de escrever peças é das
que mais directamente estão sujeitas à aceitação do público que as paga para as
ver e ouvir. Mais do que nenhuma outra dependente do tempo e das oscilações do
gosto, não há nela margem para a reflexão que corrige as injustiças e reconhece
obras primas em produções que passaram despercebidas aos serem pela primeira
vez apresentadas.
João Pedro Andrade in "Reflexões sobre o Teatro Português" com Introdução e ordenação de textos de Maria Helena Serôdio.
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