sexta-feira, 31 de maio de 2013

Do Pastor do Verbo

O Pastor José da Lata



“O Sol perguntou à Lua | O sol préguntou à lua/ O sol préguntou à lua/ Quando'a, quando havera amanhacer/ Quando'a, quando havera amanhacer | À vista dos olhos teus/ À vista dos olhos teus/ Que vem, que vem o sol cá fazer/ Que vem, que vem o sol cá fazer | E o sol préguntou à lua/ Quando havera amanhecer”


José da Lata

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Com título

ama as palavras. 

do vento a tua casa procura o jardim como quem uiva.



amas os jardins com a ferocidade íntima dos lobos que sempre trazes por sarças nos olhos.
tens pássaros longos pássaros abrindo-se nos pulsos
altas árvores na breve memória orvalho da boca. 
muitas vezes desejas ser  apenas uma árvore,
a quieta sombra de uma árvore que te respire
e chegas a ser a criança no bolso de um casaco,
que já não usas muitas vezes.
a mais das vezes, na verdade, não chegas a ser o mar tão perto.

 ama as palavras. 
como quem lambe o inverno e o asfalto amas as palavras.
espetas alfinetes na língua e colocas a descoberto a ígnea cor do sangue,
desconheces por completo a letra do próprio nome 
na pretensa busca de uma subterrânea ignição 
com a retroescavadora própria de uma própria gramática,
essa criança esquecida no bolso de um casaco,
esse canivete para descascar laranjas e outros pulsos, isso que nunca foste.


perdes-te na pontuação e esqueces a sintaxe, a gramática

sempre te foi um fraco calcanhar
e  esqueces sempre esqueces  a chuva não basta a ser regresso
e o mais profundo respirar é o mar que te assola quando regressas
e quando regressas é o vento a tua casa abandonada.
amas as palavras como quem lambe.


Tiago Rodrigues


segunda-feira, 27 de maio de 2013

Cinepoemagrafia

       Inacreditavelmente conseguimos um número de telefone de uma pequena barbearia atlântica onde o Doutor Mara costuma frequentar por volta das 14h55, essencialmente para tirar dois dedos de conversar e colocar “os pontos nos is”, como se costuma dizer. Confessam-nos, no entanto, que o Doutor Mara somente permanece meia-hora nesta barbearia-café intitulada “Capilar Menos”. Às vezes irritam-se com ele pois ele sai à hora certa, nem segundo a mais, nem segundo a menos, pedindo desculpa pela sua saída cronometrada todos os dias à mesma hora. Avisaram-nos também que ultimamente só fala de clássicos de cinema e que tira grandes noitadas para ver dois, três filmes, no seu moinho austero e recuperado. Às vezes constatam também que ele diz um ou outro poema de cor e salteado, fazendo menção ao nome e biografia literária de um novíssimo poeta português que aproveita para citar. De qualquer modo, esperemos, no entanto, que ele fale connosco pois há muito, muito tempo, que não temos notícias dele. A ver vamos o que nos reservam as linhas telefónicas…  
DM: Estou sim, Doutor? Doutor…somos nós…Doutor Mara…que balanço é que faz deste seu retiro que nos parece já uma eternidade?
Doutor Mara: Estou sim…estou a ouvir muito mal, há muitos cortes e estranhas interferências. Estou? Estão a ouvir-me? Sim? Os chatos do costume…Balanço? Se querem que vos diga a verdade, durmo muito mais descansado nestes últimos tempos. A acrescentar o facto de já não ter olheiras, papos à volta dos olhos ou insónias prolongadas. E, no entanto, nunca me senti tão vivo como nestes últimos tempos. Ser produtor das coisas que como e bebo deixa-me muito mais sossegado e pronto para viver uma vida nova. Já agora pergunto-vos, alguma vez vos aconteceu isto?
DM: Evidentemente que não, doutor. Estamos verdadeiramente contentes com aquilo que está a acontecer consigo. Por acaso, ainda não nos aconteceu esse êxtase existencial mas é um facto, gostaríamos muito que um dia isso nos acontecesse. No entanto, deixe-nos dizer que nos parece um doutor Mara renascido, com um elixir da juventude, ou será que é consequência de uma vida mais próxima da natureza?
Doutor Mara: Não sei…simplesmente deixei de pensar nos vaqueiros micaelenses sempre que bebo um copo de leite, nos agricultores brasileiros sempre que bebo um café, nos pescadores dos mares do norte sempre que como uma posta de bacalhau, nas mulheres e homens alentejanos sempre que bebo um copo de tinto. Tornei-me auto-suficiente e retiro da natureza aquilo que quero e o que ela me quer dar. Nem mais. Quando não tenho, troco aquilo que vou armazenando no meu celeiro. De vez em quando, quando está muito mau tempo, abro o meu moinho restaurado para podermos ver os clássicos do cinema durante a noite…chegam a aparecer personalidades muito, muito interessantes.
DM: Doutor, sessões de cinema num moinho restaurado e aberto ao público??? Mas, Doutor Mara, isso era um sonho de qualquer cineclubista há trinta e nove anos atrás…mas conte-nos, aparece muita gente nessas sessões e que tipo de pessoas é que frequentam o seu moinho?
Doutor Mara: Há dias apareceu o senhor João Rafael, com oitenta e dois anos de idade, produtor de mel. Estivémos a ver o filme “O Apicultor” (O Melissokomos, 1986), do grego Theo Angelopolous, com o Marcello Mastroianni num dos seus melhores papéis. Um filme bem diferente destes últimos acontecimentos que nos tem dado a ver a Grécia. O personagem Spyros vagueia entre colmeias e pólen, deixando para trás o seu cargo como professor e a sua relação com a esposa. Spyros é acompanhado por uma jovem perdida e ambos buscam o amor numa paisagem grega de desolação e de dor. No final, era ver o João Rafael chorar e perguntar a todos os presentes como foi possível ter sido privado durante a sua existência da cinematografia daquele cineasta grego. Agora volta sempre acompanhado da sua neta de vinte e dois anos que quer ser realizadora de curtas metragens…
DM: E os jovens também se interessam pelo cinema que passa no moinho?
Doutor Mara: Há de tudo como na drogaria…há três dias veio cá um jovem, cerca de 27, 28 anos de idade, com um documentário do Chris Marker, “O Comboio do Cinema” ("Le Train en Marche", 1973), versão francesa e sem legendas, numa cópia restaurada. O rapaz dizia estar cá de passagem, a fazer um retiro de silêncio, apenas interrompido com este filme que disse querer ver há muito tempo e que nunca tinha tido oportunidade. Ainda hoje não sei onde é que ele foi buscar a bobine do filme. O moinho estava cheio de agricultores e pescadores, pois tínhamos acabado de confeccionar um “Brasas e Braseiros” com peixe variados e muito bem regado com vinho da região, para além de ter tido o cuidado de mandar retirar mais quatro “pufes” com palha improvisados da cave. Começámos a ver o documentário, que ficou célebre com aquele discurso fantástico do Medvedkin, cineasta russo, que nos conta a experiência utópica e invenção do comboio cinema que percorreu o interior da antiga União Soviética, para lá das centenas de filmes feitos e perdidos, mandados destruir pelo Estaline. No final, o jovem estava extasiado com o documentário, no entanto, constatou que à sua volta que alguns dos presentes, após uma longa jornada de trabalho, se encontravam já em pleno sono. Então, decidiu pôr-se em altos berros e acordar toda a gente, apelidando os presentes de intelectuais do sistema, uma linha fiada de burgueses e integrados na conspiração da alta finança e que devíamos ir com ele por aí de comboio mostrar o cinema às populações incultas, alienadas pela televisão e pelo facebock, etc e tal. Esqueceu-se, no entanto, que por aqui não há linhas de comboio…
DM: Já vimos, então, que as sessões cinematográficas bem animadas?
Doutor Mara: Na primeira noite  em que abri o moinho aos amantes do cinema deste lugar tive o cuidado de exibir o “Cenas da Vida Conjugal” do Ingmar Begman. Após visionamento do filme, o público estava inquieto, desassossegado, e implorou para ver a sequela que o realizador sueco tinha feito há bem pouco tempo e com os mesmos actores: “Saraband”. Quando o filme terminou, o sol raiava no exterior, e ninguém se entendia sobre a noção de fidelidade e o que era verdadeiramente essencial para manter uma relação em funcionamento durante muito tempo. Houve quem concordasse com a referência à frase que o actor Erland Josephson fez a um padre que ele tinha conhecido...
DM: - "Uma vez um padre disse-me que o amor tem duas componentes: uma boa amizade e um erotismo inabalável"?
Doutor Mara: Sim…essa. Foi deveras um debate interessante…terminou ao meio-dia do dia seguinte com uma alcatra de peixe com arroz branco.
DM: Ouvimos, entretanto, dizer que passa muito tempo a ler os novíssimos poetas portugueses, é verdade?
Doutor Mara: Nem por aqui consigo estar sossegado…quem vos disse isso??? E…com este poema intitulado “Mudar de Casa”, do José Miguel Silva, alegremente me despeço:É bom mudar de casa, de janela,/arrumar de outra maneira as ilusões,/tratar de coisas puras como tintas/e sofás, pôr ordem entre os livros/e a vida, simular a liberdade./Parece-nos possível voltar a acreditar/na mão que nos estende um pé de salsa,/na pechincha da beleza, quando passa/ no poente da razão./Apetece cometer uma loucura,/comprar um telescópio, decorar/o canto nono dos Lusíadas,/subir umas escadas do avesso,/pensar que nunca mais teremos frio.”
DM: Um grande abraço, Doutor. Muito obrigado por este bocadinho…havemos de voltar a incomodá-lo. Com sua licença, até à próxima.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Luís Pinheiro Brum e Natália Correia no IAC

A propósito de Natália...Entre Linhas e Letras 
em exposição no IAC
          Reza a história que nas suas longas viagens marítimas os marinheiros levavam consigo biscoitos, um tipo de pão ázimo (sem fermento) cozido duas vezes. O que é um facto é que as curraletas de uma freguesia da costa norte da Ilha Terceira são constituídas por pequenos pedaços de basalto que se erguem por detrás das vinhas. A similitude destes pedaços basálticos com o pão (biscoitos) originou o nome daquela povoação. Luís Fernando Pinheiro Brum, arquitecto paisagista, nasceu a meio da década de oitenta na Ilha Terceira na freguesia dos Biscoitos. Licenciou-se em arquitectura paisagista no final da primeira década do século XXI em Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, viveu e estagiou entretanto na cidade de Barcelona e regressou recentemente à terra onde nasceu para viver e trabalhar. Em 2011, os terceirenses puderam ver uma exposição de desenho sua intitulada “Antropomorfismo Urbano”, no foyer do Centro Cultural de Congressos de Angra do Heroísmo, tendo sido seleccionado para a Mostra Nacional de Ilustração “Entre Polos”. Actualmente acontece a quem passa pelo centro de Angra, Rua de São João, poder olhar para um contraplacado que serve de protecção a uma casa devoluta e deparar-se com os desenhos deste e assim poder contemplá-los. Vê-se uma baleia e uma tartaruga voadoras de enormes proporções espelhadas numa grande superfície branca. A tartaruga alberga um casal dançante com música extraída da grafonola e a baleia transporta casas e um rapaz que embala um papagaio de papel. É difícil não se deixar levar pelo encantamento daquela tartaruga e baleia que têm o condão de servir de suporte à existência de seres mais terrenos ou não, depende da imaginação. É a fantasia da viagem que aqueles desenhos permitem e, se é certo que estes permitem referências imediatas, o importante é o cruzamento de um diálogo entre um imaginário infantil, estilizado através da gravura, e de um código de sinais e sentimentos, subjectivos ao autor. Há, portanto, aqui muita inventividade e destreza no seu traço sensível e elegante. É que o desenho de Luís Brum tem coração de ilha, pulsa, tem vida própria, e, coisa rara, denota a construção de um imaginário açoriano com a diversidade e riqueza de elementos insulares e marinhos que há muito aqui habitam. É muito possível que Luís Brum desenhe a ouvir o álbum “Rain Dogs”, do flamante Tom Waits, lançado aquando do ano do seu nascimento, mas qualquer coisa de surpreendente e misterioso se passa nesse desenho cozido e recozido como o célebre pão ázimo dos Biscoitos.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Mãe=Sol

Fotografia de Tiago Rodrigues

Mãe

Tanto tempo mãe para saber ao que nos cegam as coisas
Tanto tempo mãe para cá estar
para tratar da vida
para tratar da morte
para tratar de tudo.
Tanto tempo mãe com o tempo todo mudo.
Tanto tempo mãe tanto de tudo.
Quero exilar-me mãe
quero tratar
não me quero matar
quero a morte quando for morte
só quero a morte à dita sorte
de estar escrita na vida
mãe seja predita e diga-me mãe
para que foi tanto cansaço
tão pouco espaço
tanta falta de espaço
na vida.
Mãe, só a vida.
Vida, vida.

António Gancho

No sorriso louco das mães

No sorriso louco das mães
No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo.
São silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos. Porque
os filhos são como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudez de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado
por dentro do amor.

Herberto Helder

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Da onomástica guardarei o assombro do teu olhar...



           Há pessoas que escrevem coisas íntimas nas paredes de casas que julgam abandonadas. Há dias vi alguém que escreveu “Amo-te Filipa” na parede da casa onde durmo pelo menos oito horas por noite. Sempre que abro a porta de casa penso em todas as Filipas e na pessoa que terá escrito aquela frase. Será que se conhecem?
          Li, entretanto, que o nome Filipa significa o amor pelos cavalos. É um nome grego que os portugueses usam para dar às raparigas, por vezes  no masculino também nos rapazes, mas penso que não é por se assemelharem aos cavalos ou mesmo às éguas. É um nome que lembra a verdura e a fertilidade dos campos primaveris.
             Da janela de minha casa vê-se uma marina e é curioso que haja pessoas que, não sei se pais ou mães, apelidam as suas filhas com este nome que contém o atlântico e outros tantos barcos à vela dentro.
           Há barcos com nomes de pessoas com um olhar que não esqueço. Pessoas que fazem imaginar partidas, regressos, aventuras, viagens por mares agitados e turbulentos e entradas serenas em portos de abrigo. E enquanto desenho escrevo o nome delas tatuado no seu olhar carregado de sal e da cor do mar. 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Florilégios do século XXI

I
trazes na algibeira um olho de pássaro, dois berlindes e um sugo de baunilha,

trazes um braço ao peito
como um jovem cruzado,
aos pés Giotto rendido

II
frágil
o que pensava ser um peixe dourado,
era apenas um pequeno fantasma
adormecido
sobre a minha mão

III
carpem os degraus
noite adentro
cavaleiro e cavalo vendados
os olhos graves, em tom menor

IV
compravas uma santa de açúcar
que lançavas ao peito
e as tuas mãos lambuzadas
deixavam no vestido
marcas do divino
debruado a veludo

V
deponho uma pena sobre um coração de pássaro
tem um bater pequeno
compassado de aflição
com que me chama,
ardente de sede

VI
trazes um animal preso pela imaginação
não lhe reconheces a forma, nem o gemido
mas alimenta-lo com as páginas dos teus livros:hoje serviu-se daquela
em que descrevias como o princípio do prazer
magistralmente
se sobrepunha ao da realidade
                                                          
Ana Paula Inácio

segunda-feira, 20 de maio de 2013

eva surrealista

o teu corpo ossificado
menina vaidosa, mulher precoce
sem tempo para ser menina

asfixia cosmopolita, vírus de silicone no cérebro
menina beleza-agulha-e-destruição
o teu perfil de náusea dourada
menina cocaína - inferno calculado em gramas
impotência cultural, desmaio sociológico
saltos altos, claustrofobia da arte, mente dietética
menina a morrer na pista de dança,
balança, o corpo que avança, esqueleto epiléptico
no calendário, na capa da revista
na telenovela bioquímica
a entreter a inteligência do povo

o teu seio flor plástica, feminina
menina mecânica, tripas neuróticas
óculos escuros e deleites
coxas lipoaspiradas
o coito perfeito - tecnologia sofisticada

eva, criança
hábil golpe de beleza
acelera o pedal da economia. 

Sónia Bettencourt 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Edição de Em Maio Florimos Melancolia, letras e desenhos d´Angra Líquida



“Em Maio florimos Melancolia letras e desenhos d´Angra Líquida” é o título de uma colectânea de poesia a ser editada dia 18 de Maio, sábado, pelas 21h30 pelo colectivo de poetas da Casa do Sal. Num período em que os poetas fazem edições de livros entre cento e cinquenta e trezentos exemplares, a Casa do Sal / Oficina d´Angra reúne trabalhos de poetas a residir em Angra do Heroísmo e dá-los a conhecer ao público leitor. O lançamento desta colectânea coincide com a apresentação do número 85 do Boletim Cultural Fazendo dedicado à Ilha Terceira e que assim se dá a conhecer aos seus leitores terceirenses. Por esse motivo foram pedidos três poemas a Tiago Rodrigues, Luís Silva, Luísa Ribeiro, Sónia Bettencourt, Fernando Nunes, Paulo Serrão, Hernâni Candeias, Bianca Mendes, seis florilégios a Ana Paula Inácio e uma canção ilustrada a Paulo Branco. Os desenhos de Inês Ribeiro e Phillipa Cardoso ilustram esta edição de cinquenta exemplares, todos numerados e com carimbo da Casa de Sal/ Oficina d´Angra.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Insustentável Leveza do Ser

(imagem retirada de www.livre-se.com)

       Theresa: Thomas, em que é que estás a pensar?
  Thomas: Estou a pensar no quanto sou feliz.

in A Insustentável Leveza de Ser, filme de Philip Kaufman e livro de Milan Kundera

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Antologia de Autores Açorianos Contemporâneos

      “A ilha poderá ser, antes de mais, esse espaço de estar (e “estar” é muito mais verbo para ilhéu do que “viver”, escreveu Nemésio) e onde se assiste ao fluir do tempo dissolvendo contornos e arestas. Espaço demasiado próximo o corpo, dorido e doloroso também, confrangedor e paradoxal nos horizontes ilimitados que deixa antever sem realizar, daí o confronto que na escrita se encena entre o efémero, a finitude da ilha e o Absoluto como miragem do desejo, daí também esse jogo entre o perto e o longe, o concreto e o inatingível, que em Rui Duarte Rodrigues, por exemplo, deixa o inevitável rasto de uma subtil melancolia.”

Urbano Bettencourt in “Dos Açores e da sua literatura: errância e permanência”, pp.64-70, Lisboa, edições Salamandra, col. Garajau, 1999). 

O Fazendo apresenta-se na Ilha Terceira


O boletim cultural FAZENDO(https://issuu.com/fazendofazendo)apresenta-se ao público de Angra do Heroísmo no dia 18, na Casa do Sal, pelas 21h30, dando assim a conhecer aos leitores o número 85, no seu quinto ano de existência. A sessão, para além do lançamento da edição de Maio, conta com as apresentações musicais de Paulo Cunha, André Narval e Nuno Sardinha, uma exibição de vídeos do Experimentar Na M´incomoda, da autoria de Aurora Ribeiro, uma exposição de capas desta publicação e ainda a apresentação do primeiro fanzine de poesia do Colectivo Poetas do Sal intitulado “Em Maio Florimos Melancolia, letras e desenhos d´Angra Líquida”. Diga-se que o "Fazendo" deve muito da sua existência à vontade, empenho e dedicação dos seus colaboradores e, essencialmente, ao seu núcleo directivo. Este número oitenta e cinco é totalmente dedicado à Ilha Terceira, uma edição repleta de artigos, desenhos e ilustrações sobre a vida cultural terceirense, o que torna o Fazendo cada vez mais insular e plural. 

terça-feira, 14 de maio de 2013

ALENTOS

(Sephi alter)

I

a amendoeira
acho que é dia
vou entre línguas
que ninguém sabe
amarga e branca
em pleno inverno
o sol já vinha
florescia
fora da amêndoa
dentro das línguas
ninguém sabia
que despertava
com a flor primeira
acho que é dia

 II

mexe mexe damasqueiro
ainda sem  folhas ali
com as origens à mostra
todo o por dentro de fora

que até se vê através
das flores que não vieram
toca no que ainda dorme
mexe no mês de Janeiro

fica desarmado um ninho
onde o tronco se bifurca
desabitado  uma roda
de restos em turbilhão

mexe dentro da origem
toca na polpa do alperce
invisível mas que vem
relâmpago no caminho.

 III

se te lembras da China
ou se já tudo esqueceste, diz,
amoreira tão alta, cansada de
tudo. cantas  agora em silêncio,
escuta-se   
a tua altura sem neve.
lembras-te ao menos do verão
da fadiga, folha após folha
dizendo amoras amoras
dizendo tudo da seda da fruta.
cantar, diziam amoras
nos sinais do Outono
a cair a cantar

 IV

querem as uvas sair daqueles meandros
daquelas matérias mortiças;
vide dormindo sem presença
passa despercebida
tempo concentrado, vida escura
querem que  pague a fé na sepultura

que hás-de florir
dar sombra verde uma turba de mãos
estender-te velocíssima
agarrar trepar aumentar invadir o espaço
fazer brotar cabelos de bagaço

sei por ouvir dizer
por histórias contadas repetidas
coisas do teu futuro
cachos sumos bebedeiras
bondades crimes carreiras.

acreditas que sonhei
estar sentado à tua sombra
num socalco de Lisboa
e depois vinha uma abelha
de Évora com um ferrão
(daqueles que suicidam qualquer abelha em qualquer lugar)
para me comer à mão?

 V

nespereira
não pereira
que já seca
que já arde
na fogueira
pêra seca
sobre a mesa
desespera
a noite inteira
dizes freira
sempre verde
gargalhada
não esperada
cócegas dentro da nêspera
tragédias de Inês Pereira
nome doce
no caroço
abrasivo
na dentada
riso vivo
amarelo
como a casca
como a chama
alaranjada
quatro nozes
vinte vozes
contra a alma
mil algozes
no regresso do Japão
casa queimada não gozes

João Paulo Esteves da Silva 

Ser adulto...


      “Queria abordar o tema do que é ser adulto. Baseei-me num tio meu, de que gostava muito, que saía completamente das normas que a sociedade hoje exige a um adulto: ser bem sucedido, ter uma família, filhos, uma casa, um emprego…o tio Tomás era completamente fora disto: não era casado, não tinha filhos, nem família, nem emprego fixo. E no entanto, ele era importante para mim. A ideia que eu gostaria de passaria – vou ver se consigo – é que não preciso de fazer nada de extraordinário para ser excepcional para alguém. Foi com esse tio que aprendi desenhar.”

Regina Pessoa, in Público.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Escrever como quem mergulha

Fotografia de Tiago Rodrigues 




Escrever como quem mergulha
À falta de vaga e de espuma
E dentro do escafandro observar
A profundidade dos dedos dos pés...

Indispensável

       "Os poetas são as únicas pessoas para quem o amor é uma experiência não só crucial, mas indispensável."
Hanna Arendt (1906-1975)

sábado, 11 de maio de 2013

Balada para Angra


Fotografia de Tiago Rodrigues
"É pecado dizê-lo, amor, mas se eu fosse Deus, serias irremediavelmente minha namorada. Apanharia com doçura a tua mão esguia e os teus dedos breves como as madrugadas azuis do nosso silêncio saberia, então, encostar-me à tua baía de todas as bonanças. Se eu fosse Deus, amor, ia percorrer-te a cada instante nas tuas marginalidades e nos teus epicentros sempre prontos a bulir e acabaria, irremediavelmente pecaminoso, ancorado a uns lábios de um luar saboroso até que o mar acabasse. Amor, se fosse Deus, iria ajoelhar-me no fim de tudo para te levar, com glória, para um reino que não é deste mundo.
Decerto que endoideci de paixão. Em vez alguma poderei entrançar-me nos teus cabelos longos e lindos e belos, nem adormecer sossegadamente no teu colo de verdura tenra. Levou-te o mar para presente aos Oceanos."

José Daniel Macide, in Diário Insular, 18 de Junho de 1996

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Aos 39 anos a democracia…


        “-Vamos fugir das grandes palavras, mas há realmente uma prioridade que é a prioridade da comunidade financeira, que se apoderou de todos os centros de irradiação de ideias e de todos os centros de poder. Vemos isso na Europa. Ou nos impõe uma globalização como forma de nos sonegar a possibilidade de escolhermos o que quer que seja. Somos obrigados a sobreviver num quadro que é o quadro que resulta da globalização. Temos que lidar com a globalização vista como um tremendo constrangimento histórico. E depois temos a Europa e a ideologia dominante sob a forma disfarçada de competência técnica, de sabedoria de esferas inacessíveis e tecnocrática que nos é imposta como solução única. Se todos os partidos, com histórias diversas, aceitam converter-se em serventuários dessa cartilha, a democracia converte-se num ritual vazio e isso dá cabo de tudo, dá cabo de políticos e dá cabo de partidos.”

Sérgio Sousa Pinto, in Público, entrevista de São José Almeida e Nuno Lourenço, dia 9 de Maio de 2013.

O que disse Nicolas Hildyard, em 1991:

        “Ser privado de poder é bastante mais do que ver-se impedido de exercer o direito de voto ou sem estruturas de governo formalmente democráticas. Deter um poder real, o poder que confere a uma comunidade a competência para resolver as decisões que afectam a sua vida quotidiana e o seu futuro, implica mais que o simples gesto de introduzir, de cinco em cinco anos, um voto na urna: exige que a comunidade como um todo seja capaz de exercer um controlo significativo sobre os assuntos económicos, sociais e políticos.”

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Jazz na Ilha Terceira

“A década de 40 marcou a verdadeira eclosão do Jazz na Terceira, que pela primeira vez se fez ouvir ao vivo através de orquestras militares, inglesas e de espectáculos realizados na base das Lajes por Glenn Miller, Frank Sinatra e Stan Kenton, ao mesmo tempo que chegava pela rádio em filmes pontuados pelas grandes orquestras de Swing. Foi neste período que a distribuição discográfica ganhou reais contornos em Angra do Heroísmo, cidade onde se formou a célebre Olmmar Band”
In Jazz na Terceira, 80 anos de História, por João Moreira dos Santos e António Rubio, pp.31.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ao Cair do Tarde Não Sei Bem…


Fotografia de Tiago Rodrigues


         Talvez fosse ao cair da tarde que te avistei, já não me lembro bem, sei que trazias um vestido azul-escuro no teu corpo quase adormecido. Quando surgiste diante de mim, pareciam ondas que entrevia e me faziam pensar em palavras e promessas antigas. Tantas palavras que falámos e discutimos sobre tantas coisas que eu não sei. Não sei porquê apenas me lembro de dizeres que gostavas do mar e das flores. Eu gostava disso. Gostava de gostar das coisas que nos parecem simples e verdadeiras. Mostrei-te músicas que trago neste peito de coração ao vento, ali junto da maresia com a luz dos candeeiros por acender, com a Primavera por chegar. Tu parecias também gostar, uma canção de cada vez e soletravas baixinho os nomes dos grupos, não te fosses enganar. O teu tom de voz flébil quase me fez dormir enquanto falavas. E choraste quando te falei dos males do mundo, da conspiração económica que aí vai, ainda do universo financeiro em colapso e dos malandros à escala mundial que nos governam e que fazem de nós marionetas. Do mal que nós julgamos ter triunfado. Da rotina de todos os dias, das canseiras de todas as horas, do desperdício de todos os minutos. Da falta de liberdade e do que seria a vida se todos fossemos livres e sensatos. De uma nova ordem mundial mais justa em que gostaríamos de viver. Choraste tanto que pediste para me calar. Disseste-me que tudo isto é mau de demais para acreditar e que nós acreditamos porque queremos acreditar. Acreditamos tanto que já não olhamos o que nos rodeia, já não somos capazes desse gesto simples de olhar o mundo à nossa volta, dessa pequena acção diária que é estarmos atentos e subirmos as escadas sem olhar para trás. Temos ambos vertigens. Sofremos os dois do medo antecipado, do medo cultivado, do medo por esventrar. Eu apertei-te a mão. Apertei-te com tanta força que tive medo de te magoar. Sorriste e partiste sem dizer quando nos voltaríamos a ver. Não sei se voltas. Não sei se um dia irás voltar. Não sei bem. Talvez isto tivesse acontecido ao cair da tarde. Não sei bem. Pois bem. Eu queria muito querer-te bem.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Conhecer as pessoas que o vivem...

Pinha Bausch
(www.pinterest.com)


"O mais importante é conhecer as pessoas que o vivem. É preciso tempo. O mais fácil é estar com alguém que nos possa levar a ver o que está fora dos circuitos turísticos. O mais importante é deixarmos que essas pessoas nos façam descobrir o que para elas é bonito ou difícil de ver. É através delas que chegamos às coisas verdadeiras, às coisas de todos os dias. Por mais bonito que seja, um monumento construído há muito tempo não me diz muito sobre os que hoje passam por ele ou o visitam."


Pina Bausch

ABC da Poesia

Airosa como um girassol
Bela como uma borboleta
Cândida como um curso de água
Dançarina como um sábado festivo
Esbelta como um porto habitado
Falsa como a íris que a sustém
Gelada como o basalto ao cimo da montanha
Híbrida como um moinho abandonado
Interesseira como uma nota gasta
Jocosa como a pequenez do lugar
Lustrosa como o azul do atlântico em redor
Macerada como um navio afundado
Nobre como a honra da colmeia de origem
Opulenta como a velocidade de um deserto
Pobre é a penumbra que resta do vulcão
Queixosa como o vento que arrasta a escadaria
Resiliente como um garajau no horizonte
Sardónica como um leão ferido
Tenaz como a espada de um guerreiro
Ululante com um fruto maduro
Vazia como ânfora por encher
Xoné como uma criança a mimar
Zombadora como um copo partido
Y grego naquela língua por dizer