Solar dos Manaias, PDL, 24 de Janeiro de 2014
Caro Janeiro Alves,
Despeço-me do mês em que o meu amigo dá
pousio às letras e às divagações literárias. Sei que aproveitou para realizar
viagens de comboio – o mais repousante e poético meio de transporte disponível
– e ainda para se cultivar em bibliotecas diosas do sul da Europa. Espero, por
isso, ansiosamente a sua missiva de Fevereiro vinda dos Alpes que me contará as
suas novidades e mais recentes experiências orbícolas.
Na segunda semana de Janeiro desloquei-me
com a maravilhosa Miriam ao nosso semanal mergulho de Inverno na praia do
Pópulo - deserta, apetecível e estendida, tal como se deseja. Ao largo, um
navio perdido no horizonte e os usais carneirinhos do mar. Aproveitámos essa
solarenga manhã para nos banhar nas ondas e admirar a policromia existente. À
tardinha, acompanhei também Miriam até ao aeroporto, pois esta partiria para a
capital do antigo império para visionar filmes de um sueco de que já ninguém
quer saber no seu próprio país: Ingmar Bergman. Miriam irá presenciar
dezassete dos seus filmes no Nimas e comprometeu-se comigo a fazer o mesmo
número de poemas. A minha relação com a Miriam tem sido, como deve calcular,
bastante intermitente, muito por culpa destas ausências e solilóquios prolongados,
tanto dela como meus. É de, facto, uma artista com letra maiúscula (ou caixa alta, como queira) e em que me
sinto sempre a estremecer quando posso usufruir e partilhar da sua admirável companhia.
Uma das minhas últimas descobertas é constatar que esta mulher incrível do clã
Manaia pinta como poucas. Recentemente convidou-me para a cave do solar e,
após nos termos afeiçoado mais um pouco, logrei finalmente observar a
existência de três das suas obras plásticas mais frescas e estimulantes: “Farândola Poética da Rua
do Colégio”; “Darandina” e “Caligem”. Que artista, esta Miriam!
Entretanto
foi na Pedro Homem – homenagem a esse antigo escrivão do reino - que, enquanto contemplávamos
as suas cinquenta e quatro habitações do casario da rua, que confessei a Miriam o plano do
seu primo: Vivaldo Manaia, há muito radicado de livre e espontânea vontade no norte
italiano: Milão. O plano denominado de “Salvem os PPP´s” (Pensar e Planear os
Portugueses) constitui em dedicar um dia para pensarmos e planearmos o país e os
portugueses. Vivaldo assegurou que durante esse dia ninguém acenderá os
televisores ou consultará computadores ou faceboques. Ele pretende que ao longo
de vinte e quatro horas as ruas sejam novamente Ágoras de pensamento e de
debate público. Com isto, Vivaldo acredita que pelo menos durante um dia a democracia
será restaurada e assegurada, ao mesmo tempo que se permite que os cidadãos possam olhar nos olhos
uns dos outros e pensar no que falta fazer bem como planear o futuro daqui para
a frente. Vivaldo asseverou também que tudo fará para que durante esse dia ele não
tenha qualquer ímpeto de se passear com os seus cães o que é para mim uma grande surpresa e causador
de algum mistério e secretismo. Da mesma forma que não sei de que intenções e circunstâncias ele
dispõe para pôr o seu plano em curso. Miriam recebeu a notícia com espanto,
beijou-me e…retirou-se abruptamente para a cave do
solar.
E, por agora, é tudo, amigo Janeiro. Aguardo
impacientemente pela sua missiva e pelo regresso de Miriam Manaia.
Seu fiel amigo, Doutor Mara.