Fotografia de André Almeida |
domingo, 31 de dezembro de 2017
Cineclube Octopus: o Quadrado a Fechar 2017!
De
volta ao norte, à cidade atlântica de seu nome Póvoa de Varzim, hoje,
sossegada, longe das catervas de gente em passeio dito alegre, afastada desse
estio com praias repletas de gente em veraneio, a paisagem agora parece outra.
É uma cidade líquida, com chuva, frio e uma calmaria interior que se instaura.
Por isso há passagem pelo renovado Cine Teatro Garrett para espreitar a
programação do Cineclube local pertencente ao “Octopus – Grupo de Investigação
Científica e Animação Cultural”, que com este ano novo que se anuncia celebrará
40 anos da sua actividade ininterrupta, percorridos por diferentes gerações que
souberam prestar serviço público na divulgação da ciência e das artes que mais
gostavam. E, para quem por aqui andou nos idos anos 90 do século passado, sente
nisso uma enorme admiração, o orgulho de já lhe ter pertencido e, entretanto,
reparar que pouco ou nada mudou neste espírito subjacente à sua acção. A isso
acrescente-se uma programação cuidada e actual na escolha dos filmes e ainda um
espírito cineclubista digno desse nome. Basta ver a lista de filmes do mês de
Dezembro, que começou logo com “A Fábrica do Nada”, de Pedro Pinho, uma
película portuguesa galardoada em muitos festivais por onde tem passado,
seguiu-se a longa-metragem dos irmãos Safdie “Good Time” (Quem ainda se lembra
de “Vão-me Buscar Alecrim”?), depois veio “O Outro Lado da Esperança”, do
finlandês Aki Kaurismäki, e, por fim, o vencedor da edição deste ano do
Festival de Cannes – “O Quadrado”, de Ruben Östlund. Este último com a sala
praticamente cheia, caucionada pela qualidade de uma projecção cinematográfica
irrepreensível.
Relativamente
à premiada obra de Ruben Östlund, apelidada com o curioso título de “O
Quadrado”, podemos concluir que se trata de um filme deveras instigante,
dilemático, e, porque não dizê-lo, inteiramente hodierno. Logo para começar,
vê-se que é um filme atento e "observador" da arte dita contemporânea e da influência social que gira em
torno do mercado da arte e dos seus fiéis seguidores. A trama gira, portanto,
em torno de um curador bem sucedido que no decorrer da preparação de uma
exposição se vê espoliado da carteira, telemóvel e botões dos punhos do avó à
saída do metro. Este acontecimento aparentemente perturbante irá funcionar como
bola de neve para novos episódios que se sucedem em catadupa não permitindo ao
espectador respirar. Aqui entram, pois, os diálogos dilemáticos de Ruben
Östlund, nada é dado como garantido e as certezas vão sendo lentamente postas
em causa, aproximando-se do caos e da permanente tensão até à alucinante cena
que ocorre durante o jantar de apresentação.
Este
filme, por sinal sintoma e expressão de uma Europa polimorfa e diversa,
atente-se na origem e feições faciais dos actores e actrizes, deveria ser
motivo de orgulho a presença dum cineasta que interroga as convenções, põe em
causa a redoma em que vivemos e permite-se inclusive duvidar do "lugar de
onde cada um de nós fala", convocando-nos para uma reflexão sobre o
"outro", porventura, aquele que excluímos dentro de nós. A parte final
é reveladora dessa humanidade que tarda em chegar, esse reencontro connosco que
só assume clareza pós a queda e onde não nos devíamos esquecer do princípio que
nos devia reger: a dignidade. É essa dignidade que não precisa de nenhuma
figura geométrica para se demonstrar, melhor dizendo, do lugar onde estamos nem
sempre nos é permitido qualquer redenção!sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
Noite de Poesia na Tascá
Poema
Um
dia hei-de ver se me levanto cedo
para
apanhar o mundo de janelas fechadas,
a
relva molhada cheia de gotas de água,
as
bicicletas dos operários suburbanos,
o
bafo dos burros das carroças de couves,
e
o último poeta, coberto de orvalho,
trazendo
um soneto e a noite em claro,
o
último candeeiro iluminado.
(Um
dia hei-de ver se me levanto cedo,
após
uma noite sem silvos e asas,
sem
tubos de aspirina e momentos de febre)
Um
dia hei-de ver se me levanto cedo,
hei-de
ver se me estudo sob a luz primeira
e
se me lembro do meu riso de pequeno,
quando
me faziam cócegas no pescoço...
Da Criatividade
«O adulto criativo é a criança que sobreviveu»
Ursula K Le Guin, in Revista LER, Dezembro de 2017
Lavoisier: O Direito de Transformar
Sim, é verdade, houve entrega e deleite na atuação
ao vivo dos Lavoisier na Galeria Arco 8 deste passado sábado. Um guitarrista e
voz (Roberto Afonso) e uma cantora (Patrícia Relvas) trouxeram a tradição e a
experimentação pela segunda vez que se apresentaram ao público micaelense (a
primeira vez foi na terceira edição do Burning Summer Festival, em Setembro último).
O duo apresentou-se em palco com a segurança de quem sabe que cada concerto é um desafio e que o público insular pode ser gelo que derrete sem se ver. A assistência, cerca de setenta pessoas, esteve concentrada e curiosa durante hora e meia de espectáculo. Por sinal, houve logo uma sensação de reconhecimento imediato do reportório que nos remete para outras vozes e outros tempos, essa identificação precoce de um imaginário popular, colectivo, bem português. O tema “Senhora do Almortão”, entoado com versos diferentes em cada região, serviu de mote para começar e, quase no final, dar por concluído o concerto evidenciando, assim, o modo recreativo patente no processo da banda. Após a audição desta ousada proposta musical, o modo e o jeito como são (re) interpretadas estas canções, é que se percebe a garantia e relevância deste projecto que se quer criativo e transformador.
O duo apresentou-se em palco com a segurança de quem sabe que cada concerto é um desafio e que o público insular pode ser gelo que derrete sem se ver. A assistência, cerca de setenta pessoas, esteve concentrada e curiosa durante hora e meia de espectáculo. Por sinal, houve logo uma sensação de reconhecimento imediato do reportório que nos remete para outras vozes e outros tempos, essa identificação precoce de um imaginário popular, colectivo, bem português. O tema “Senhora do Almortão”, entoado com versos diferentes em cada região, serviu de mote para começar e, quase no final, dar por concluído o concerto evidenciando, assim, o modo recreativo patente no processo da banda. Após a audição desta ousada proposta musical, o modo e o jeito como são (re) interpretadas estas canções, é que se percebe a garantia e relevância deste projecto que se quer criativo e transformador.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Do Alexandre, o Alma Grande...
Ontem, sem me dar conta, era o seu aniverário. Se fosse vivo, Alexandre O´Neill faria 93 anos de idade. Era um grande poeta, um verdadeiro amante na arte de bem tratar a língua portuguesa. Pensava, inclusive, que o feio devia ser motivo de burilação até forçar o aparecimento do belo. Estranhamente trabalhou a vida inteira enquanto publicitário. E, ainda sem que tivessem publicitado a efeméride, fui à procura da sua biografia literária escrita pela Maria Antónia Oliveira. Encontrei o livro com dois preços de saldo e o livreiro, um homem deveras simpático, amante dos livros e das letras, disse-me que levasse aquele que tivesse o preço mais baixo. A senhora da caixa ainda me agraciou a propósito da compra em época natalícia: "É claro que é para ler e não para oferecer." E, certamente, que é de leitura que se trata...
domingo, 17 de dezembro de 2017
Agenda Louvre Michaelense
Fotografia de Carlos Olyveira |
Petar Šćulac desenhou, ilustrou, e imaginou, também ele, uma ilha. Ouviu muito sobre esta ilha que ele julga ser sua. Uma ilha, porventura, real e a outra imaginada, que talvez possa existir na sua imaginação. E depois há o Vítor Bilhete que aqui nasceu, cresceu e aqui vive e, por isso, conta histórias do que existe, daquilo que devemos preservar, sobretudo do que é belo e permanece, isto é, sobre o que é relevante cuidar. Há também contos de viagem do Tiago Melo Bento que surpreende pela onosmática pessoal dos títulos. É uma agenda para anotar os compromissos, escrever sobre os assuntos que nos ocupam os dias, tomar notas ou simplesmente rabiscar o que de mais significativo aconteceu ao longo de uma jornada, de um mês, de um ano. É uma agenda que contém uma ilha dentro, que pode muito bem ser esta ou, quem sabe, a outra que julgamos trazer dentro de nós.
sábado, 16 de dezembro de 2017
Grotta - arquipélago de escritores
Está já na livraria Solmar e é o número dois desta revista intitulada - Grotta, arquipélago de escritores, dirigida por Nuno Costa Santos e a coordenação editorial de Diogo Ourique. Este número tem conto, crónica, ensaio e poesia e consta também uma entrevista a Eduíno de Jesus, a Literatura de Porto Alegre, a Antologia Poética do irlandês Ken Smith, traduzida por Hugo Pinto Santos, uma Carta de Tiago Melo Bento e, caso de indignação geral, a correspondência epistolar entre Janeiro Alves e Doutor Mara, entre tantas outras coisas por ler e descobrir. A revista conta com mais trezentas páginas e tem o preço de venda ao público de 14 euros. Desta feita, vem ilustrada com o trabalho de dois artistas plásticos conceituados cá da praça: Paula Mota e João Decq. A ler antes de fechar o ano de 2017.
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
Uma Missiva Para Janeiro antes de 2017 ir completamente para o Galheiro
Caro
amigo Janeiro,
Agradeço-lhe,
muito sinceramente, o cuidado e atenção epistolar evidenciadas dado que só o voltarei
a ler em Fevereiro. Escrevo-lhe, pois, esta missiva antes de 2017 ir
definitivamente para o galheiro. Sei o quanto aprecia as festividades e a
respectiva quadra, muito embora alguém jamais o tenha visto vestido de Pai
Natal ou a comer alguma sandes de rena mal passada com tons de vermelho. Do
mesmo modo, que ninguém sabe onde é que o nosso amigo pára por esta altura ou
mesmo conheça o seu real ou imaginário paradeiro. Será que é caso sério para que as altas
instâncias do estado português possam averiguar? Houve, entretanto, algum fundo que lhe tenha
sido atribuído para que pudesse desaparecer ou viver à grande sem que ninguém
se tivesse apercebido?
O
que é um facto é que também eu irei para fora cá dentro, tenciono assim
acender a lareira apenas quando soarem as doze badaladas pois não quero
desperdiçar os pequenos troncos e insignificantes brasas que ainda possuo. É minha
intenção dedicar o serão a ver o filme "Não
te Mexas, Morre e Ressuscita”, do realizador russo Vitali Kanevsky, certamente imbuído de
algum espanto e perplexidade. Por essa altura, julgo receber em meus aposentos, sobretudo para uma discussão que se pretende acesa, o crítico francês Jean Marie
François, a minha amiga e actriz russa, Elena Romanova, o operador de câmara
sueco, Rob Förlund, o realizador polaco, Gyorgý Rossinsky, ou, ainda por
confirmar, a presença da antiga deputada italiana, Anna Pescara. Nenhum dos convivas
reconhece o que é um prato de “roupa velha”, o que será uma completa surpresa
na degustação deste opíparo repasto que terá muita discussão cinematográfica à
mistura.
Malgrado que o meu amigo Janeiro se
irá escapulir pelo mês homónimo adentro e, por isso, já tremo e suo como varas
vergadas só de ressacar pelas suas ternas e delicadas missivas. E logo agora
que nos encontramos a viver os melhores anos das nossas vidas, o momento em que
estouramos com todos os indicadores económicos já que todos afirmam o que seria
de todo impensável para este povo sem grandes hábitos de leitura – “somos os
novos nórdicos da Europa”. Conseguimos assim transformar as nossas fraquezas em
inacreditáveis forças pois quem diria que iríamos colocar uma parte
considerável da Europa, dita rica e avançada, a rapar e lamber pratos de migas e
açorda, esses manjares associados à austeridade alentejana, isto é, lusitana.
Deste modo, despeço-me do meu caro
amigo com a certeza de que tudo irá correr como o previsto e, caso não aconteça este milagre económico tão almejado, espero que pelo menos nos possamos encontrar numa
dessas fajãs da costa mais ocidental da Europa para continuar a preparar as
mais que aguardadas conferências, impossíveis de parar dada a minha
inconcebível teimosia.
Com
a mais forte pujança dos abraços e a riqueza das favas por desencantar,
Seu
querido e mui estimado amigo,
Doutor Mara
Searas e Vindimas
Eles eram um
casal, Vítor, e tu protestaste ao vento. Inclusive quiseste deslocar os
girassóis contigo. Provavelmente pretendias que fossem contigo ver o milho
fértil dos campos fecundos da tua ilha. Esperaste demasiado até descobrirem as
acácias. Estamos mal combinados para largar de viver. E, no entanto, sonhamos
com searas e vindimas. Eu sou do tempo fixo, imóvel, daquele que engrossa as
marés e por isso não me canso deste despistado olhar sobre o horizonte. Agora
pagamos a virtude do voo das abelhas, quase enriquecemos com o seu pólen vagabundo. Ainda cansados vociferamos contra as invasões dos bárbaros modernos, pois
julgamos assim ter encontrado um sítio inabalável ao entardecer.
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
A Natalícia Missiva de Janeiro Antes do seu Regresso em Fevereiro
Amigo Doutor Mara,
Espero que esta carta invernal
lhe aqueça o coração, ao proporcionar-lhe uma leve comoção própria dos dias
mais subterrâneos, onde nos tornamos mais sensíveis aos pequenos prazeres da
existência. E é assim que sem precipitações e empurrados pela fulgurância do
tempo, entrámos no pré-Natal, época de catarse consumista e histeria familiar
embrulhada em lacinhos vermelhos, que irrompe pela doce letargia invernosa
fechando o ano tal como ele começou, num movimento circular. Não poderia deixar
de lhe escrever, tendo em conta que preparo já a minha habitual retirada de
Janeiro, pelo que é muito provável que só tenha notícias minhas em Fevereiro,
se até lá não for atacado por ursos. Este ano escolhi precisamente um local
onde pudesse evitar o confronto com animais de grande porte, mas já se sabe, o
azar persegue e esconde-se à espreita… Como também é já habitual, não poderei
revelar-lhe nesta fase onde irei estar em Janeiro, pois apesar de depositar uma
sólida confiança em si, desconfio que possa estar a ser observado por forças
antagónicas (não entre si). Tendo em conta as peculiaridades do meu destino,
seria necessária uma improvável combinação de factores para que lhe pudesse
escrever de lá. Por isso já sabe, se lhe escrever em Janeiro será certamente
uma carta extraordinária, algo inusitado no espectro da literatura epistolar.
Mas voltando ao Natal, gostaria
de fazer uma pálida ideia que fosse de como tenciona passá-lo, se sozinho ou em
companhia, se debaixo de umas palmeiras a beber Martini Bianco com azeitona ou
na lareira a embriagar-se com vinho barato e a contar histórias
marítimo-turísticas, se engalanado com asas de grilo e calças vincadas ou de
fato de treino da rebook, se dedicado
à leitura, se a cantar, se a fazer danças africanas numa casa de pasto, enfim…
pode-me dizer sinceramente, pois vindo de si já nada me surpreende - à excepção
de algumas situações. Espero acima de tudo que consiga o bolo-rei do ano
passado (em termos de qualidade, diga-se), para que possa juntamente com os
seus, encetar o habitual e extenso elogio aos mestres pasteleiros, poema de
exaltação familiar e momento alto da sua noite de consoada. Na impossibilidade
de lhe enviar os habituais filetes de peixe, remeto-lhe em ambiente
acondicionado uma garrafa de Macieira e outra de Raposeira, já a contar com o
Natal e a passagem de ano se não houver lugar a alarvidades.
Quero-lhe afiançar que o Doutor
Mara é o meu único amigo, fora aqueles mais chegados e um ou outro que ainda
não conhece, e que nutro por si uma grande admiração e respeito. Por si não
rebolaria com uma vara de porcos na lama de uma pocilga, mas interromperia
imediatamente um almoço da “Confraria dos Excursionistas de 86” para o ajudar
no que fosse preciso. Apesar de tudo, o ano que agora balança no fio da navalha
leva consigo algumas tensões que de certo modo deterioraram a nossa relação.
Quero portanto aqui deixar o desejo de que o ano de 2018 nos traga um
entendimento mais profícuo e o apetecido sucesso internacional das Conferências
da Fajã. Para que isso aconteça, basta que o Doutor Mara acabe de vez com essa
sua teimosia.
Com
espírito natalino e cristalício,
Janeiro Alves
Três Poemas de Judite Canha Fernandes
lista de coisas que se podem obter sem dinheiro
imaginação
ar
sonhos
lixo
afecto
dignidade
e orgasmos
Síntese
fui à televisão ver
se o mundo tinha mudado.
assisti a vinte minutos de publicidade
Olhamos por si
as novas formas de deus
incluem
a videovigilância
in "O mais difícil do capitalismo é encontrar sítios onde pôr bombas", Setembro, 2017.
imaginação
ar
sonhos
lixo
afecto
dignidade
e orgasmos
Síntese
fui à televisão ver
se o mundo tinha mudado.
assisti a vinte minutos de publicidade
Olhamos por si
as novas formas de deus
incluem
a videovigilância
in "O mais difícil do capitalismo é encontrar sítios onde pôr bombas", Setembro, 2017.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
A Melhor Juventude de Marco Tullio Giordana
“Eu devia ter percebido mas não percebi nada. Talvez não seja verdade e eu tenha até percebido mas foi como aconteceu com a Giulia. Eu podia tê-la impedido. Em frente da porta. Ela virou-se e ainda olhou para mim. Eu fechei a porta e apaguei tudo. Agora, nada resta. As escadas da sua casa, a serradura no chão, os livros no chão, a porteira…Eu devia tê-los impedido. Amava-os aos dias mas não fui capaz de aprisiona-los nesse amor. Era a minha ideia de liberdade em que cada um tem o direito de viver da forma como lhe apetece.”
in “A Melhor Juventude” de Marco Tuglio Giordana
Três Poemas
Poema Um: a Curiosidade
Soube que estava por ali alguém
que se interrogava
na tarde envelhecida
Enquanto teimavas acender
um raio na faísca da noite
observavas atento
uma beleza renascentista
uma súbita indagação
A inclinação pela abstração
o saber, a dúvida,
a dilatação do dia
a atracção dos corpos
benigna inquietação
daqueles maracujás
em silêncio.
Poema Dois: A Imobilidade
A corda soltou-se do novelo
preso à distância de um gesto
Dir-te-ia agora frágil
locomotiva parada
demoro-me entretanto
Houve uma promessa
verbos oriundos de súburbios
em disputa
idiomas dispersos
adormecidos
Poema Três: Competência Social
Foges
qual cetáceo em fuga
permaneces embriagado e choras
a ternura comovida
à espreita
chega de gestos temidos
gorgulhos de falsos viajantes
criam-se raízes em portos
que se afastam devagar
nos pulmões da solidão
e retiras-te da promessa
eterna
de um corpo em trânsito.
Soube que estava por ali alguém
que se interrogava
na tarde envelhecida
Enquanto teimavas acender
um raio na faísca da noite
observavas atento
uma beleza renascentista
uma súbita indagação
A inclinação pela abstração
o saber, a dúvida,
a dilatação do dia
a atracção dos corpos
benigna inquietação
daqueles maracujás
em silêncio.
Poema Dois: A Imobilidade
A corda soltou-se do novelo
preso à distância de um gesto
Dir-te-ia agora frágil
locomotiva parada
demoro-me entretanto
Houve uma promessa
verbos oriundos de súburbios
em disputa
idiomas dispersos
adormecidos
Poema Três: Competência Social
Foges
qual cetáceo em fuga
permaneces embriagado e choras
a ternura comovida
à espreita
chega de gestos temidos
gorgulhos de falsos viajantes
criam-se raízes em portos
que se afastam devagar
nos pulmões da solidão
e retiras-te da promessa
eterna
de um corpo em trânsito.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
Como Navios Tristes que partem ao Fim da Tarde (1)
Sabia que ele
corria sempre para qualquer lado, parecia um pássaro ferido. Era, à altura,
professor de Matemática. Gostava de beber macieira, ingeria muito álcool e
usava uma gabardine preta. Sentávamos à mesa do café para falar sobre música.
Tinha uns olhos cor de amêndoa demasiado vermelhos, cansados, perdidos, numa
cute bastante morena. Nunca soube porque conversava comigo. Provavelmente, devia
ser porque ouvíamos os mesmos grupos da new
wave apesar da diferença de idades. "És ainda um puto", dizia-me. E eu ouvia-o mais do que falava. Como
eu gostaria de voltar a encontrá-lo. Nunca mais soube nada dele.
domingo, 3 de dezembro de 2017
Ricardo Ribeiro no Teatro Micaelense: Voltar ao Sul!
Não sei exactamente de onde vem aquela voz, a origem daquele longevo eco, mas lembrei-me do sul. Lembrei-me ocasionalmente do flamenco, viajei também pelas ruas e becos de Alfama, Mouraria e Madragoa. Dei por mim a entrar nas casas de fados, a sentir o cheiro da mistura, da mestiçagem, a calcorreear os degraus e as pedras da calçada da cidade antiga. Apaixonei-me de novo pelas memórias olisiponenses e fui transportado de livre vontade para a desalmada mágoa, a paixão e vício do gosto de existir. Embalado por aquele gesto que, diga-se, julgo ser sido intenso e genuíno, rendi-me perante aquela postura e o timbre dolente daquele canto. Por instantes, o sul era um local palpável, tangível. E...era a voz de Ricardo Ribeiro que me servia de transporte.
Agradecer Basta
“É
justo e de bom-tom agradecer algo que nos dão ou um serviço que nos prestam,
por mais insignificante que este seja. Pode ser uma convenção, mas não o é
apenas: representa sempre um gesto de cortesia e de civilidade que sela uma
espécie de pacto de entreajuda entre pessoas que se entendem e respeitam. E é
também o reconhecimento do esforço do outro. Sempre o fiz e continuo a fazer,
mas o inverso – agradecerem-me por aquilo que ofereço a alguém – tem vindo
ultimamente a ocorrer cada vez menos vezes, em especial com interlocutores que
detêm uma conceção utilitarista da vida social ou têm dos outros uma imagem
instrumental.”
Rui Bebiano, in A Terceira Noite, 17 de Novembro de 2017
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Raul Brandão nos Açores
«Vinte e seis anos depois da primeira edição, o referido artigo de Pedro da Silveira num prestigiado suplemento literário, em Junho de 1953, não foi suficiente para motivar um editor - nacional ou regional - a reparar no livro, pese embora a ênfase colocada nas suas qualidades: "Não hesito em classificar as Ilhas Desconhecidas como dos maiores livros portugueses de literatura de viagens de todos os tempos da Literatura Portuguesa.(...) Ao pé disto, tudo o mais que estranhos escreveram acerca dos Açores é música desafinada. As belas páginas de Chateaubriand sobre a Graciosa, o livro dos sagacíssimos Joseph e Henry Bullar, o americano Webster, os escritos de Alberto do Mónaco, de Knud Andersen e de tantos outros podem considerar-se quase nada ao pé de As Ilhas Desconhecidas.»
pequeno excerto do texto "Raul Brandão e os Açores" de Vasco Rosa, in Revista Atlântida, 2017.
Da Ética
"Deixou de haver ética na criação artística. Deixou de haver compromisso. Deixou de haver sangue. É raro encontrar-se uma obra, mesmo de menor qualidade estética, em que se sinta a preocupação de comunicar."
José Mário Branco, in Ípsilon, 1 de Dezembro de 2017.
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
À Noite Vou Cantar à Namorada
À
noite vou cantar à namorada
canções
que a Lua canta na altura de namorar
ela
acha ela acha muita piada
quando
eu à noite as vou cantar
Canções
que a Lua canta na altura de namorar
à
noite eu vou cantar à namorada
ela
assoma ela assoma com a continuação era notada
quando
eu à noite as vou as vou cantar
E
ela acha ela acha a isso muita piada
e
eu lá as vou eu lá as vou cantar
que
ela à noite ela assoma com a continuação era notada
e
a continuação era notada não é para desperdiçar
Assim
quando alta noite a Lua é já luar
e
ela aparece toda amarrotada
eu
imagino-a nua a se deitar
a
das canções à noite namorada.
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
Da Atlântida
Revista Atlântida com capa de Luís Godinho |
António Pedro Lopes, in Revista Atlântida, 2017
terça-feira, 28 de novembro de 2017
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
Sobre as lideranças
"As lideranças ocidentais não têm mostrado criatividade alguma. Mas encontro enorme criatividade na China, por exemplo na ideia que tiveram de convidar todo o mundo a usar a nova rota da seda, a infra-estrutura de estradas e caminhos de ferro e portos que estão a construir. Com esse projecto eles conseguiram abrir África muito mais do que em todo o período do colonialismo. Claro que não estão a fazê-lo só por generosidade, estão à espera de recolher os seus lucros. Mas estão a mostrar como se podem encontrar novas oportunidades. E os africanos estão gratos. A China tem a vantagem de tratar os africanos de uma maneira muito diferente e melhor do que fizeram os britânicos, os franceses, os belgas, os portugueses. O que se passou no (período colonial) não foi nada bonito."
Johan Galtung, in Público, 24 de Novembro de 2017
sábado, 25 de novembro de 2017
Esplanada
Naquele
tempo falavas muito de perfeição,
da
prosa dos versos irregulares
onde
cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos
todos, tu, eu e a discussão,
agora
lês saramagos & coisas assim
e
eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando
as tuas pernas que subiam lentamente
até
um sítio escuro dentro de mim.
O
café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob
Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora
as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e
não caminhos por andar como dantes.
Do Contexto
"É verdade que uma pessoa se habitue ao conforto de um hotel, de um voo, etc. Quando nos habituamos a que alguém tome conta de nós, tornamo-nos um pouco mais ignorantes. Mas pensei sobretudo no modo como representamos os pobres no cinema, que é muito sentimental e não é forçosamente verdade: os pobres são mais solidários uns com os outros, etc. Não quis retratar os pobres de modo sentimental, nem criticar as classes altas. Acho apenas que todos nos comportamos de acordo com a posição que temos na sociedade, ao longo de uma hirerarquia económica. Pensamos em nós próprios como indivíduos livres independentemente do contexto em que vivemos mas a verdade que estamos completamente dependentes desse contexto."
Ruben
Östlund, in Ípsilon, 24 de Novembro de 2017
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Novembro Teima em Despedir-se
Fotografia de Carlos Olyveira |
Novembro teima em despedir-se, faço-lhe a vontade,
inclino a cabeça para o futuro e avisto navios no horizonte. Não tarda nada
entrará Dezembro, o último mês do ano. A água do mar está mais quente do que
aquela que corre no chuveiro. A temperatura do ar continua irrepreensível,
permitindo-se em jeito de reflexão pensar no frio que virá... ou será que não teremos frio?
Bebemos agora muito muito mais chá já que assumimos que os dias são curtos, os
agasalhos alinhados, e eis que a claridade esvai-se muito cedo. De súbito,
estremecemos com a passagem dos dias que cortam o fôlego de tão lestos,
ansiosos e demasiado rápidos sem darmos conta. Entramos assim na recta final do
ano dezassete deste século XXI.
Celebramos, portanto, a melancolia típica da estação.
Julgamos ser este o mês dos fotógrafos, dos pintores, dos músicos e das artes
que exultam esta morrinha existencial tão própria do Outono. Por isso a cidade é lugar de
exposições, espaço de renovação deste nosso olhar que queremos atento, na busca
curiosa ou demanda das artes visuais na contemporaneidade. Que arte e artistas
para este tempo? Em lugar de visionamento e contemplação ali está, no Núcleo de
Arte Sacra, a exposição de fotografia “Prece Geral”, mergulho interior nas
imagens veneráveis e privilegiadas de Daniel Blaufucks aquando andou em visita
pelo Mosteiro da Cartuxa. Em exibição também e, até à Primavera do próximo ano,
ficará “Interior/Exterior”, com curadoria de Nuno Marques da Silva e Luísa
Cardoso, que nos revelam a riqueza e singularidade das obras presentes nas
colecções do Museu Carlos Machado. Visitamos a mostra com essa delicadeza da
ocupação do espaço e o cheiro a criptoméria, aproveitando assim para ver obras
de artistas plásticos - Ana Vieira, Domingos Rebelo, Tomaz Borba Viera,
Ernesto Canto da Maia, Duarte Faria Maia, Pedro Palma, entre tantos outros que
aqui viveram, vivem ou por aqui deixaram obra. Do mesmo modo, que quem quiser
ver os animais que vivem à noite enquanto dormimos, pode sempre dar um salto à
Miolo, galeria multi-artes, na rua Pedro Homem, e assistir assim à proposta de Mariana
Lopes, que regressa muito mais intimista, quase secreta, fortalecida neste seu
trabalho solitário e luminoso, percorrendo veredas e mato, em busca dos
segredos escondidos da Ilha do Faial. Ao observarmos esta exposição retiramos
outra perspectiva/abordagem imagética do arquipélago e, talvez por isso, estas
imagens necessitassem de uma maior amplitude e profundidade.
Ainda nestes últimos dias de Novembro, para lá das
castanhas nos pratos e o vinho tinto nos copos, aqui esteve em delícia, sumptuosidade e arrojo -“Viagens na
Nossa Terra", recital de Joana Gama, interpretando obras de Amílcar Vasques-Dias e
Fernando Lopes Graça, mais aquela tarde de sábado com sonhos e pesadelos de
“Nocturno”, num espectáculo de Victor
Hugo Pontes e Joana Gama, a partir das surpreendentes composições sonoras de João Godinho. E...agora que
recordamos as promessas por cumprir no ano que vai rapidamente encerrar, conviria recordar
que, muito embora o fim deste ano esteja próximo, sempre nos restam os versos de Ruy Belo: "Não temas porque tudo recomeça/ Nada se perde por mais que aconteça / uma
vez que já tudo se perdeu”.
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
Enquanto o novo disco não chega...
"Ou como dirá Carlos Medeiros: "Fala-se da música tradicional como algo distante, lá do campo. Não vejo a "música do povo" como distante. Quem sou eu? Eu sou do povo. Quando falo da música tradicional falo da minha música e mudá-la não faz de mim menos genuíno ou autêntico."
in Visão, 16 de Novembro de 2017
terça-feira, 21 de novembro de 2017
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
domingo, 19 de novembro de 2017
Um Poema de Leonardo
detrás dos tambores de
uma grande asma
um ardor arfa no vidro
um eco
com o seu vento de longe
acorda-te apenas com os dedos
acorda-te apenas com os dedos
esboço
de uma derrocada de flautas tristes
de uma derrocada de flautas tristes
trata-se
de um anjo
bêbedo que veio dizer-te
que a fractura abriu pálpebras nas paredes
que uma
leve lua fende o chão
do rumor de um exército de cascos
que se aproxima
vem ajudar-te nos preparativos do festim
para
nos receber
chegaremos cansados
as preces encheram de pó as estradas
os soldados suspiram por haxixe
os soldados suspiram por haxixe
os cavalos não bebem ouro há três dias
prepara-nos banhos vinhos música
acende todas
as velas do oásis
espalha os incensos
enquanto esta carta atravessa a alegria
do reencontro
ao chegarmos
a mais alada das minhas filhas descerá
dir-te-á ao véu do ouvido ouve
vê
chove neste inferno
por isso dança
e um dia
ao regressares
tu pelos passos da criança
sorrir-te-á pelo caminho
a memória confusa de tudo
isto que te escrevo agora
em silêncio porque
ambos sabemos
ambos sabemos
felicidade e
oxigénio e voz
tudo isto é inflamável
sábado, 18 de novembro de 2017
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Uma Missiva Extraordinária de Janeiro com Selo e sem Dinheiro
Magnífico Doutor,
A presente carta reveste-se de um carácter extraordinário e premente, e resulta da minha indisfarçável preocupação com o modelo adoptado para as Conferências da Fajã deste ano. Por este andar, qualquer dia seremos uma espécie de web summit regional, um folclore mediatizado de pseudo-hypster-trendy-dandys engalanados, preocupados com os seus egos, e pouco interessados no pensamento de vanguarda e no bem comum. Qualquer dia, as Conferências da Fajã são patrocinadas pela vodafone ou pela margarina vaqueiro! Como pudemos aqui chegar, Doutor Mara?! Como podemos deitar por terra todo o manancial de reflexão crítica e construtiva para a construção do Séc. XXII futurista e expressionista?! Para que tenha noção do meu estado, tenho o sobrolho a palpitar, de nervoso. Há pouco, tomei um calmante e um copo de Macieira, para ver se não descambo. Perante isto, temos de tomar uma atitude, Doutor Mara! Eis portanto a razão desta carta.
Em primeiro lugar, e porque nem tudo é
mau, queria dar-lhe (pessoalmente) os parabéns pela escolha do Champagne. É
realmente uma selecção cuja dignidade e sofisticação se coaduna com a elevação
do evento. Eu juntaria apenas o famoso Boerl & Kroff Brut, bastante
apreciado quando bebido em cenário natural ou florestal, combinado com leves
odores a maresia. Infelizmente, não posso dar-lhe os parabéns pessoalmente como
desejaria, dada a impossibilidade física e psicológica de me deslocar, pelo que
deixo aqui os meus parabéns por escrito. Apesar de não ser um acto tão efusivo
como seria pessoalmente, onde seria selado com um aperto de bacalhau e algumas
palmadas nas costas, tem a vantagem de ficar registado para a posteridade ou
pelo menos até que estas folhas voem dos seus bolsos para a beleza do
desconhecido.
Sem causar prejuízo na congratulação
antecedente, avanço com a minha severa crítica à escolha dos chefes Gomes de Sá
e Bulhão Pato para conferencistas, pois como é do conhecimento geral, estão presos
ao passado, são conservadores, botas-de-elástico, e contribuem sempre com a
mesma receita para pensar o país, aquela que já apresentaram no passado, e que já
enjoa de tanto enjoar. Relativamente aos restantes conferencistas, por muita
categoria que tenham, vejo muita gente ligada à temática do turismo. E a
consciência Futurista, Doutor Mara? O turismo é apenas um fenómeno passageiro
do nosso tempo. É preciso ver mais além! É preciso gente das ciências ocultas,
da sociologia, da meteorologia, das artes e letras, da indústria têxtil!
Por outro lado, reconheço no Doutor Mara
qualidades para a organização de um evento deste gabarito, mas não vislumbro em
si dotes de “curassário”, esse vocábulo espalhafatoso e sobredimensionado.
Julgo que a Comissão Geral se precipitou ao depositar em si toda esta
responsabilidade. O Doutor Mara precisa de ser assessorado por quem saiba da
matéria. Infelizmente não vou poder ajudá-lo nesta fase, pois estou a tratar da
minha dentição de forma a vir a revelar um sorriso irrepreensível nas sessões
fotográficas das Conferências. Ainda assim, é meu dever dar uma mão a um amigo
de longa data, sobretudo quando mais precisa. É por isso que a seu tempo
enviarei algumas sugestões ao Dr. Costa Martins, da comissão organizadora.
Quero no entanto, e previamente, recolher a sua opinião sobre a ideia que tive
esta manhã, a aplicar já na próxima edição: Proponho que os conferencistas vistam
roupas tradicionais dos seus países, para que os restantes colegas possam fazer
um reconhecimento imediato da sua proveniência, podendo assim preparar
antecipadamente uma abordagem para conversa casual nos coffee breaks, evitando-se desta formas constrangimentos
linguísticos desnecessários. Estou certo que também considerará esta ideia
genial. Fazemos o que podemos, com altruísmo, e por amor à causa.
Por fim, despeço-me do meu caro amigo
com uma triste notícia. Por imposição das elevadíssimas e doutas autoridades
sanitárias desta cidade, deu-se ordem para a extinção imediata do fabrico de
filetes de peixe, com ou sem espinhas, pelo facto de este produto gastronómico
não obedecer à normativa nº 121 do código de qualidade e segurança 3001 da
União Europeia, com efeitos retroactivos e devolução imediata dos produtos
adquiridos nas últimas 3 semanas. Assim, e por ordem daquela autoridade,
solicito-lhe que me devolva os filetes de peixe da última remessa.
Com apreço e consideração
Janeiro Alves
Um Poema de Daniel Gonçalves
Dá-me
o mar, o meu rio, minha calçada,
dá-me
todas essas coisas, que embrulhei
nas cartas, e
aqueci nos beijos, dá-me tudo de
volta, mesmo
riscado e subtraído, sem pilhas
nem escamas,
apenas o pó do silêncio, e o
bolso fundo do
futuro, faz-me falta o musgo da
sombra, que
levaste no presépio da alegria,
dá-me o tempo
das searas, e o pão que devíamos
ter amassado,
na poesia da nossa cama, dá-me a
coleira dos
nossos gatos, para eu prender a
tristeza, e voltar a
rezar, se não levaste também, o
deus que sempre
nos perdoou, as horas no sofá, a
esquecer que
tudo isto, como tudo o resto,
passa e acaba.
Inédito com a Márcia
Joana Gama apresenta "Viagens na Minha Terra" no Teatro Micaelense
No ano passado, Joana Gama trouxe-nos Satie.150, mais a narrativa biográfica do músico francês e o seu quotidiano místico e fantasioso em que a vida deste se confundia com a sua própria obra. É que agora que cai tanta chuva por estas bandas que nos servia tanto aquele legado de guarda-chuvas que Satie deixou no seu apartamento da periferia de Paris.
Desta
vez, Joana Gama apresenta-nos “Viagens na Minha Terra”, um reportório composto
por obras de Fernando Lopes Graça e Amílcar Vasques-Dias. O recital é na
próxima sexta-feira, dia 17 de Novembro, às 21h30, no Teatro Micaelense. O
preço dos bilhetes ronda os 7,5 euros.
168 anos depois...
"Preservado em conhaque, o coração de Chopin revela causa da sua morte."
in Atlântico Expresso, 13 de Novembro de 2017
terça-feira, 14 de novembro de 2017
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
Novembro entrou e o Telegrama para Janeiro quase voou
Caro
Janeiro Alves,
Estamos de novo nas primeiras páginas dos jornais e nas bocas do mundo e não se fala de mais nada a não ser nos preparos e organização das Conferências da Fajã. Apesar das divergências que temos tido nas nossas mais recentes trocas epistolares, espero, muito sinceramente, poder contar consigo e com a sua inteligência para mais uma intervenção de alcance futurista.
Sobre
a sua última missiva, apraz-me registar que o meu caro amigo abordou de forma
subtil a minha vida folgada, afirmando mesmo que esta é sustentada com um bom pé-de-meia
que recebi de espólio familiar. Quais são as suas fontes? Já agora, o que é que tem a ver com isso? Quer arranjar o seu fato preto? E quer comprar
um ventilador de ideias em segunda mão? E se mexesse esse seu rico corpinho?
Espalhe a sua sapiência e teorias futuristas por novos contextos sociais e
mercados… é que já não me chegava a sua mania recente de me enviar filetes de
peixe sem espinhas!? No sentido de sossegá-lo, afianço-lhe também que me encontro seguro e que não fui transportado por nenhuma onda.
Certo, certo é que este é um dos momentos mais aguardados do ano. Caso possa, agarre-se à cadeira de Luis XIII em que está sentado, dê lustro ao carvalho francês maciço do Séc. XIX, pois tenho a comunicar-lhe que fui nomeado o principal e eterno Curassário (uma mistura de Curador com Comissário) das Conferências da Fajã. Surpresa??? De súbito, comecei a receber todo o tipo de propostas para prelecções irreais, discursos anómalos, intervenções atípicas e manifestos utópicos. Sei também que tem trabalhado noite e dia, medido e pesado o teor e conteúdo da sua intervenção, muito embora a atenção dada ao seu cágado de estimação. Conto, por isso, nos próximos dias enviar-lhe o magnífico programa em papel couché "brilho" pelos correios com textos e fotografias de todos os palestrantes, conferencistas, manifestos e pausas para champanhe que temos agendadas.
Certo, certo é que este é um dos momentos mais aguardados do ano. Caso possa, agarre-se à cadeira de Luis XIII em que está sentado, dê lustro ao carvalho francês maciço do Séc. XIX, pois tenho a comunicar-lhe que fui nomeado o principal e eterno Curassário (uma mistura de Curador com Comissário) das Conferências da Fajã. Surpresa??? De súbito, comecei a receber todo o tipo de propostas para prelecções irreais, discursos anómalos, intervenções atípicas e manifestos utópicos. Sei também que tem trabalhado noite e dia, medido e pesado o teor e conteúdo da sua intervenção, muito embora a atenção dada ao seu cágado de estimação. Conto, por isso, nos próximos dias enviar-lhe o magnífico programa em papel couché "brilho" pelos correios com textos e fotografias de todos os palestrantes, conferencistas, manifestos e pausas para champanhe que temos agendadas.
Despeço-me com um abraço líquido a condizer com a estação, bem como os augúrios
de bom trabalho,
seu amigo eterno,
Doutor Mara
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