sexta-feira, 30 de junho de 2017

Ítaca

Quando saíres a caminho da ida para Ítaca,
faz votos para que seja longo o caminho,
cheio de aventura, cheio de conhecimentos.
Os Lestrígones e os Ciclopes,
o zangado Poséidon não temas,
coisas assim no teu caminho não acharás nunca,
se o teu pensamento permanecer elevado, se emoção
requintada o teu espírito e o teu corpo tocar.
Os Lestrígones os Ciclopes,
o selvagem Poséidon não encontrarás,
se com eles não carregares na tua alma,
se a tua alma não os colocar à tua frente.

Faz votos para que seja longo o caminho.
Para que sejam muitas as manhãs de verão
Nas quais com que contentamento, com que alegria
entrarás em portos vistos pela primeira vez;
para que páres em feitorias fenícias,
e para que adquiras as boas compras
coisas de nácar e coral, de âmbar e de ébano,
e essências de prazer de qualquer espécie,
quanto mais abundantes puderes essências de prazer;
para que vás a muitas cidades egípcias,

Deves ter sempre Ítaca na tua mente.
A chegada ali é o teu destino.
Mas não apresses em nada a tua viagem.
É melhor durar muitos anos;
e já velho fundeares na ilha,
rico do que ganhaste no caminho,
sem esperares que te dê Ítaca riquezas.

Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem Ítaca não terias saído ao caminho.
Mas já não tem para te dar.

E se um tanto pobre a encontrares, Ítaca não te enganou.
Sábio como te tornaste, com tanta experiência,
Já hás-de compreender o que significam Ítacas.

Kostandinos Kavafis, edições Relógio D´Água, tradução, prefácio e Notas de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis.

Ontem, escrito numa parede da cidade

-E que tal o Alaska?
-É frio!

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Resposta a Janeiro Antes Deste ir a Banhos

Caro Janeiro Alves,

Acuso a recepção entusiasta da sua ferial missiva, típica de um homem que sabe que só o verão vale a pena e que esta é a mais louca, livre e estouvada das estações. Na canícula, creio, temos tudo para sermos felizes excepto os grilos. Nada contra os seus cânticos mecânicos e repetitivos mas desconfio que na infância suportava muito melhor o seu rebarbativo rumor. De certeza que e, fazendo jus à sua carta estival sobre os doutores e engenheiros que partiram de férias e que não mais regressaram, estes deverão, pelo menos, lembrar-se do trilar, ou melhor, do “gri-gri” de outros verões.
Também eu, amigo Janeiro, continuo entusiasmado com o turismo e sobretudo com a sua capacidade de irradiação. Imagine só que há instantes, nesta cidade em que me calhou viver, me vieram interrogar se estaria disponível para vender esta missiva que me encontro a escrevinhar para si. Segundo o casal de jovens turistas, no seu país de origem desconhecem já o que é a caligrafia e o próprio acto de escrever missivas em esplanadas. Este acto quotidiano tornou-se, porventura, excêntrico. Por sinal, até me queriam oferecer bom dinheiro mas disse-lhe que podiam fazer um registo fotográfico e que procurassem um lugar na sombra. Curiosamente, enquanto insistiam na aquisição da missiva, o empregado do café proferiu num português arrematado e doce: “Vocês querem é mamar!”. Estes, embebecidos e discretos, afastaram-se da mesa sem antes dizer: “You are really an artist!”
E o aluguer de casas? O meu amigo nem queira saber mas há dias passei nas ruas do agora denominado "Centro Histórico" e reparei que as casas onde tinha morado são agora sítios de alojamento local. Ainda bem que fui salvo a tempo pela nossa amiga Miriam que me arrendou um pequeno tugúrio baratinho junto do mar e que me serve, essencialmente, para assentar a moleirinha e o costado durante a noite. 
Por último, auguro-lhe assim umas férias inesquecíveis e espero que volte pois estou já a salivar pelo envio dum tupperware de filetes de peixe que seguramente me enviará da cidade mais piscatória do sotavento algarvio: Olhão!
 Com elevada estima,
Doutor Mara

Uma Ferial Missiva de Janeiro Alves

Caro Doutor Mara,

Noticio-lhe de forma entusiasta o seguinte acontecimento: Eu, Janeiro Alves, vou de férias. Finalmente ausentar-me-ei da minha presente localização geográfica, para surgir num desses resorts com tudo incluído e abanadores de folha de palmeira, vestido a rigor e preceito, com camisa às flores e colar ao peito. Já tenho comigo os panfletos, e posso dizer-lhe que o empreendimento para onde vou é de segmento alto, bem climatizado e bem frequentado, e com ambiente exótico e ornamentos tropicais, apesar de ser no Algarve junto a uns estaleiros navais. Se o Doutor pudesse vislumbrar estas fotos coloridas de encher o olho, poderia fazer uma pequena ideia da sensação caribenha que me invade neste momento. E imagine que tudo isto não me custará um tostão! Apenas tenho de ir levantar o voucher a um hotel aqui nas redondezas, e assistir a uma pequena reunião de apresentação de um colchão. É coisa para meia hora.
Doutor Mara, neste momento tenho os olhos como que raiados de sangue e o coração a palpitar como uma criança, pela efémera e ilusória felicidade proporcionada por esta incursão ao fantástico mundo do turismo. Já me imagino bronzeado a dançar quizomba junto às piscinas com as belas monitoras e animadoras culturais. Vai ser demais, Doutor! Debruço-me porém sobre uma problemática, a meu ver razoável dentro daquilo que são os padrões superiormente estabelecidos para a boa saúde mental, mas esgotante neste meu processo de circunstancial euforia: E se eu não voltar? Conheço alguns indivíduos que foram de férias e nunca mais voltaram. Inclusivamente Doutores e Engenheiros, que estavam bem na vida. O mais longe que tenho ido ultimamente é a Sacavém, e como o Doutor bem sabe, tenho uma certa tendência para viver as consequências do meu constante deslumbre. Hoje posso ter uma certa contenção, amanhã já não. Hoje sou o respeitável Senhor Janeiro, boa tarde, como está, prazer em vê-la, e amanhã já sou o Janeirinho rei da festa da espuma, venha mais uma, esta pago eu!
Mas se bem me conhece, não me deixarei vencer por esta grave e hipotética situação. Estou neste momento a fazer as malas onde, pelo sim pelo não, incluo um fato completo, que usarei apenas em situações extremas de necessidade de reposição do meu estatuto e dignidade.
Por fim, manifesto o desejo de saber da sua pessoa, e de como espera atravessar o período estival. Aceitarei a sua habitual resposta - “esperarei sentado que passe a correr” – pois sei que aprecia mais a frescura outonal e as folhas caducas a crepitarem por debaixo dos seus sapatos italianos de cetim afivelados, e assim nada mudará e tudo ficará como sempre foi, ou seja, na mesma. Mas conjecturas à parte, aguardarei a sua resposta enquanto saboreio um cocktail à beira da piscina e lavo as vistas com cloro de alta qualidade.
Deste seu amigo em turismo,
Janeiro Alves 

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Dois Poetas do Norte da Europa

 Difícil de dizer

Difícil de dizer que tudo é sem sentido
para um homem que sabe que um sentido
viria a mudar tudo.

Um dia o teu nome será ungido
pelo mar!
O mundo perdeu o seu teor salino
mas a tua boca tem um gosto a sal.

Lars Forssell

No Outono

No Outono
ou na primavera –
o que é que importa?
O mar respira tão pesadamente
O mar fica tão polido depois disso
As catástrofes esquecem-se tão rapidamente
depois disso e a partir de agora

Gunnar Ekelof

(Tradução de Vasco Graça Moura)

Do Roubo do Tempo

           "Procuro alguma pureza do estado de decadência em que estamos a viver. Por outro lado a minha fotografia é também uma forma de resistência à violência do progresso, que está a roubar-nos tempo. Já não há tempo para pensar, só queremos o fútil."
Paulo Nozolino

domingo, 25 de junho de 2017

Cumprimento Colegial

Fotografia de Carlos Olyveira



Ontem, escrito numa parede da cidade

Sócrates não vales nada! Assinado: Aristófanes.

Susana Baca: Pura Seda Latino Americana

Imagem da Editora Luaka Bop

             Foi com a canção “De los Amores”, presente no álbum “Eco de Sombras”, editado em 2000, pela Luaka Bop, que Susana Baca abriu o espectáculo “Afrodiaspora”, a digressão que passou ontem à noite por São Miguel, pelo Teatro Micaelense. Começou assim e, muito bem, o seu Landó, nome cunhado pelo recitador e etnomusicólogo, Nicomedes Santa Cruz, uma espécie de dolência dos ritmos peruanos, essa particularidade de cadências lentas e arrastadas, o canto dos escravos afro-peruanos e da sua triste melancolia, ao mesmo tempo que nos surge aos ouvidos de forma pacífica e equilibrada na sua essência. Durante hora e meia somos transportados para um universo mestiço de várias tonalidades, tão rico de ritmos e expressões. 
Susana Baca, com os seus pés descalços, apresentou-se de laranja para cantar os seus poetas afro-peruanos, homenageou Frederico Garcia Lorca, Leonard Cohen ou Enrique Morente, evocou  Chabuca Granda, tendo sido extraordinariamente secundada pelos músicos que a acompanhavam: Oscar Huaranga (contrabaixo), Ernesto Hermoza (guitarra e charango) Hugo Bravo (percussões) e María Elena Beleván (violinista).
Por último, finalizou o concerto com um encore e com o público rendido de pé, regressando ao palco para dançar de forma mágica e radiosa ao som de Panalivio Zancundito. 

Um Verso de Ruy Belo

À sombra dos plátanos as crianças dançarão

sábado, 24 de junho de 2017

Petar Šćulac na Galeria Arco 8

Imagem daqui: http://arco8.blogspot.pt/

            Petar Šćulac já expôs em Pula, na Croácia, a cidade que o viu nascer no início da década de 80 do século passado. Aliás, várias galerias de Pula e Zagreb já tiveram a oportunidade de exibir recentemente os seus trabalhos. Este pintor, que vive actualmente em São Miguel, é um apaixonado pelo mar, cursou Engenharia Técnica Naval, daí o seu gosto pela composição dos materiais e estruturas bem patente nas obras que agora apresenta na Galeria Arco 8. O seu exacerbado gosto pelo desenho está presente nos temas evidenciados, misturando assim técnicas e objectos muito próximos da realidade e do quotidiano. E, por isso, encontramos por aqui máquinas de costura, guardas-chuva, máquinas de filmar, mesas de jantar, dependendo sempre da perpectiva que o pintor pretende dar. 

          Os trabalhos de Petar Šćulac são por demais coloridos, repletos de figuras em perspectiva, alguns expostos mesmo de cima para baixo, o que permite interrogar formas convencionais de exibição aos expectadores, sendo, por isso, o público convidado a participar com a sua interpretação e sentido crítico, criando a sua própria narrativa dos objectos expostos numa caixa lá presente. 

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Com Sua Licença

Fotografia de Carlos Olyveira 

Sigamos o Cherne de Alexandre O´Neill

(Depois de ver o filme O Mundo do Silêncio de Jacques-Yves Cousteau)

Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria...

Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...

Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando, mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa...

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Susana Baca no Teatro Micaelense

             
Imagem do sítio do Teatro Micaelense


              Susana Baca irá apresentar este sábado, pelas 21h30, no Teatro Micaelense, a digressão musical de “Afrodiaspora”. Esta embaixadora da música afro-peruana será acompanhada por Oscar Huaranga (contrabaixo), Ernesto Hermoza (guitarra e charango) e Hugo Bravo (percussões). A Orquestra Nacional do Peru estará também representada com a sua violinista principal: María Elena Beleván.
            Considerada uma das vozes latino-americanas mais relevantes, a cantora irá homenagear as influências africanas, cantando temas de poetas do seu país, percorrendo ainda o cancioneiro afro-peruano bem como inéditos que vem exibindo ao público desde 2011. A promessa de um novo disco está garantida para o início do próximo ano.        
             Será natural que a voz de Susana Baca inunde de calor a sala do Teatro Micaelense e partilhe de imediato esta viagem e encantamento pelo continente da América do Sul e da sua música. Quem já ouviu Luna Llena, canção emblemática do venezuelano, Simón Díaz, na voz cálida de Susana Baca, sabe que é de beleza e intensidade a que esta se dedica.  

Um Verso de Leonardo

agora estou tão diferente do meu rosto

A Usura do Tempo

Fotografia de Carlos Olyveira 

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Jacques-Yves Cousteau: A Odisseia que nos Espera!

Ilustração de Pedro Valim



            Jacques-Yves Cousteu faleceu a 25 de Junho de 1997, aos 87 anos. Fará agora vinte anos após o seu desaparecimento. Foi o maior oceanógrafo e um "fanático" da conservação dos oceanos. Foi oficial da marinha francesa, realizou centenas de documentários para a televisão, tornou-se globalmente conhecido pelos seus trabalhos e investigações a bordo do Calypso e deixou uma legião de fãs e admiradores. Falta hoje gente como o Cousteau para mostrar o que se passa no fundo dos oceanos. Esses fundos dos mares carregados de lixo marinho e onde há mesmo ilhas de plástico. Andou pelos Açores e disse coisas como esta: "O mar é o esgoto universal". O Calypso esteve nas ilhas açorianas a estudar a corrente do golfo e tudo o que se relacionava com a preservação das espécies e conservação dos oceanos. Este grande divulgador e explorador dos oceanos tem um filme nas salas de cinema que narra a sua vida e exemplo para que assim possamos ver e reflectir: "A Odisseia", de Jerôme Salle.  

Na Esteira do Sol

         "São três horas da tarde. No mar grandes chapadas de prata na esteira do sol, que no areal reverbera e ofusca. Julho. Nortada rija enchendo a boca de areia e salpicos de espuma amarga. Doirado e verde. O quadro é tão largo que se perdem as minúcias: concentro-me neste pedaço de areia de uns poucos de quilómetros afogado em luz e agitado de vida, no azul do céu  e na onda que esconcha e estoira, repercutindo-se em som e espalhando-se em pó esverdeado. Reverberação de sol, poeira e água luminosa que vibra e estremece. Alarido de mulheres que saem aos cardumes dos palheiros. Içam-se os pendões, chamando mais gente para o peixe. Grupos, cordões humanos, gente das aldeias que acode à catraia. Um barco sai do alto da onda, outro regressa. - É agora! É agora!"

in Os Pescadores de  Raul Brandão, 1924, edição Livrarias Ailaud e Bertrand Paris-Lisboa. 

terça-feira, 20 de junho de 2017

Ontem, escrito numa parede da cidade

Amanhã envio-te um email

O Largo do Colégio Recuperado

Fotografia de Carlos Olyveira
Falta apenas um dia para a entrada oficial do verão de calendário, está calor e a cidade acorda deserta. Anunciam-se os santos populares e os cartazes de festas com músicos e animadores nados e criados nas televisões, rezam enchentes pelas redondezas e ninguém quer perder as vistas ou pitada. A fachada do grande teatro micaelense ostenta o cartaz da peruana Susana Baca, que curiosamente está vestida com a mesma cor de vinho que ornamenta a madeira que circunda as portadas. O céu, no entanto, está azul, limpo, sente-se uma humidade tropical e ainda bem que estamos rodeados de mar por todos os lados. O continente português, esse, arde para nosso pesar e impotência.
Entretanto, foi inaugurada a requalificação do Largo do Colégio de Ponta Delgada, um projecto com votação unânime no orçamento participativo municipal, orgulhando qualquer movimento cívico. Há muito que esta área urbana, um ponto simbólico da cidade necessitava de uma intervenção arquitectónica (por aqui morei e também escrevi um texto intitulado "Rua do Colégio: Uma Rua Bonita", publicado na edição do Fazendo nº 104, em Dezembro de 2015). Celebre-se, assim, o findar do espaço rodoviário e de estacionamento e a aquisição de um palco privilegiado para fruição da monumentalidade daquele edifício (esperavam-se,no entanto, mais árvores e mais colorido naquele rectângulo) e ganha-se uma praça destinada a realização de eventos culturais e outros de diversa índole ou simplesmente a mera contemplação da paisagem do jardim e do casario. Haja bom senso e sentido crítico para transformar aquele espaço num lugar significativo e colorido.

O Painel do Gil Eanes ou a "Família Piscatória"?


 
   O Painel do Gil Eanes, intitulado alguns anos mais tarde de “A Família Piscatória”, trata-se de uma encomenda de Henrique Tenreiro, «patrão das pescas», ao pintor micaelense Domingos Rebêlo. Os motivos presentes no painel são referentes à assistência aos pescadores promovida pela Organização Corporativa das Pescas, em que se exaltam as obras sociais do estado: a mútua dos pescadores, a escola, o bairro habitacional, o apoio às crianças e velhice, a construção naval ou o serviço ambulante de venda de peixe. Há também os perigos e aventuras da pesca do bacalhau com a alusão à presença dos icebergs. A principal figura humana, patente num rosto duro e sério, camisa aos quadrados, numa pose “
einsensteiniana”, dizem que é a de Mariano Cafua, pescador de Vila Franca do Campo mas não consta que tenha participado nas campanhas do bacalhau nos mares do norte. E segundo reza a lenda, este era amigo do pintor, tendo servido de modelo para alguns dos seus quadros. Por último, conhecendo a obra de Domingos Rebêlo seria de todo uma injustiça apelidá-lo de “pintor do regime”, o que julgando-o mais próximo da religião e da corrente franciscana, o pudéssemos, com mais confiança, denominá-lo de “pintor místico”.

O Ponto de Vista

          "Quantos beijos existem? O beijo é a coisa mais vulgar, já vimos milhares de beijos. Se virmos aquela cena do Tarkovski, vemos que ali não é o beijo que é novo, é o ponto de vista em relação ao beijo."
Gonçalo M. Tavares

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Patti Smith: Dream of Life de Steven Sebring

Daqui:http://stevensebring.com
“I am inspired by her as na artist – a true visionary; a mother. I just found her to be quite extraordinary. 
There´s not a woman that I know that´s like this.”
Steven Sebring
         
         Patti Smith é retratada por Steven Sebring  neste documentário intitulado de “Dreams of Life”. São quase duas horas num mosaico de imagens captado ao longo de uma convivência de onze anos. Steven Sebring filma a rocker, a filósofa, a artista, a poetisa e, sobretudo, a humanista. São visíveis neste documento os concertos, as sessões de spoken words, os happenings, as pinturas, as fotografias. Há, portanto, muitas palavras, muitas conversas, muitas memórias, o cruzamento de tantas histórias e demais narrativas que estabelecem a ponte entre a artista e a sua personalidade.

Um verso de Carlos Bessa

Acordei e era Verão. O céu parecia açúcar

Os Açorianos e a Pesca Longínqua nos Bancos da Terra Nova

       (...) Cada navio leva uma tripulação que oscila entre os 30 a 40 homens; vinte navios absorvem, portanto 800 homens. Em três condições, as empresas vêem-se forçadas a recorrer aos Açores, onde encontram, de resto, um viveiro opulento de homens do mar, enérgicos e de audácia, a quem os perigos dos barcos não intimidam nem despertam receios, habituados como estão à caça aventurosa do cachalote e às cóleras terríveis, tão usuais nos mares das ilhas. (...) A decisão e habilidade dos marítimos açorianos são, mesmo, tão conhecidos e celebrados que não é raro irem as baleeiras tomá-las ao arquipélago, sucedendo em alguns navios mais de metade das campanhas é composta por ilhéus."

in Ilustração Portuguesa, 20 de Maio de 1907, p.612 -615, excerto presente no livro "O Homem e o Mar" de João Gomes Vieira.

O Mar deles como Pastor o Viu*

         
Póvoa de Varzim (Fotografia de Artur Pastor)
           
         
       "É famosa nas Caxinas, a história da tia Adelaide do Abel, que, enterrou um filho bebé na areia – deixando-lhe a cabeça de fora – para que este não gatinhasse até ao mar, enquanto a pobre mulher se atirava ao sargaço.“Eu já fiz isso a uma sobrinha minha.Era p´ra elas num fugire.A minha sobrinha tchorava sem destino. Ela gritaba:-`Ó  tia…´E eu dezia:-`Cala a boca´Eu tinha de tirar a sardinha do barco e cum ela num podia.”


*Reportagem de Abel Coentrão no P2 do Público, 18 de Junho de 2017. 

sábado, 17 de junho de 2017

Rola o Pensamento

Fotografia Carlos Olyveira a partir de Colagem 

O Ponto de Vista da Ovelha

Deixar-se de políticas, a política é para os políticos,
Deixar-se de críticas, a crítica é para os críticos,
Deixar-se disso, o amor é para quem não tem mais que fazer,
Nós temos a religião, que é para todos, e 
(para quem cumprir a Lei, entenda-se)
há ainda a liberdade de dormir num lugar
e de ir procurar sustento no outro. 

Alberto Pimenta, in Bestiário Lusitano, 1979

quarta-feira, 14 de junho de 2017

A Ilha que nos Circunda

Fotografia de Carlos Olyviera 
A luz dos dias está agora maior e avistam-se os alvos garajaus em pleno voo, essas atrevidas e delicadas andorinhas do mar que retomam o lugar que lhes é devido no instável céu açoriano. E, agora que se tornou impossível permanecer dentro de casa, seria o tempo de apostar em sessões nocturnas de cinema italiano, com o actor napolitano Totó à cabeça, acreditando em noites de cinema ao ar livre, atordoados pela ausência de vento e a subida da humidade, mas com a companhia da argúcia e do humor das comédias e o brilho de uma época mágica e inventiva, onde tudo era possível. Como seria interessante todos ali concentrados a imaginar outros momentos, outros lugares, mesmo outras vidas e até mesmo a ligeireza de quem gostaríamos de ter conhecido e admirado de perto. Estes seriam os Verões de cinema que tardam em regressar às ilhas e hão-de, portanto, despontar a qualquer momento, contrariando assim estas preguiçosas cigarras que olvidam a alegria de outros tempos, tentando convencer-nos que todos adormecemos a horas certas e que nos confortamos e conformamos com festas e romarias iguais em todo o lado. Foram, sim, estas histórias que ouvimos na Lagoa da última semana, ainda com a memória de outro passado, não muito distante, a partir do ensejo de um homem bom e culto (Francisco d´Amaral Almeida) que projectou e edificou uma sala de cinema na sua ilha mas que durante o período da canícula tudo fazia para que as pessoas permanecessem ao ar livre desfrutando da noite e do luar, quando o clima assim o permitia, promovendo e divulgando a sétima arte,  as imagens em movimento, absorvendo as histórias, até que a vontade de dormir e descansar acontecesse…

Erasmus: 30 anos!

Imagem da Wikipédia


        Há mais de vinte anos fiz Erasmus na cidade grega de Salónica. Da Grécia moderna, pouco sabia e lembro-me de não conseguir ler uma única coisa que fosse à chegada a Atenas, a capital. Foi uma experiência única e vivida de forma intensa e que ia muito para além das trocas universitárias e do programa de estudos aí existentes,  num projecto de intercâmbio desenvolvido ao longo de onze meses. Por isso, facilmente se aprendem línguas, conhece-se e viaja-se bastante dentro e fora do país em que se está a estudar, experienciam-se hábitos, costumes,  cultura e gostos alimentares de um país diferente do nosso, contacta-se com a história e a arquitectura do país em que se está tal como se fazem amigos e demais conhecimentos que perdurarão ao longo de toda a vida. Ainda hoje há uma coisa que posso e devo garantir aos que duvidam do projecto europeu - o melhor da União Europeia passa evidentemente por esta ideia de intercâmbio e partilha de saber. Há por aqui alguém que nos possa contrariar?

...

a água desenha coisas
no meu coração
dado a xícaras

a pratos velhos

Ana Paula Inácio, ANÓNIMOS DO SÉCULO XXI, Averno, 2016.

Ontem, escrito numa parede da cidade

Nunca mais olharei as nuvens da mesma maneira 

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Sala de Embarque: o findar da mini-digressão!

    Fechou-se assim a nossa mini digressão. Desta feita, acrescentamos mais duas apresentações e dois palcos à Sala de Embarque. Na noite de sexta-feira já tínhamos estado no Auditório da Escola Básica e Secundária de Vila Franca do Campo e, ainda que sem sala cheia, julgamos ter proporcionado uma  noite teatral cativante e intensa. Na noite de sábado, com a cidade a viver as suas Festas de Santo António, a apresentação decorreu no Cine Teatro Lagoense que, do ponto de vista técnico, tornou possível experimentarmos diferentes recursos proporcionados por aquele espaço bem como contar, pela segunda vez, da presença e conhecimento técnico do Cristóvão Ferreira. A todos os que durante a última semana nos apoiaram nos ensaios, contactos, transporte de cenários, divulgação, e demais logística, aqui ficam os nossos sinceros agradecimentos. 

sábado, 10 de junho de 2017

Sala de Embarque: Daqui a pouco no Cine Teatro Lagoense!

Fotografia de Carlos Olyveira 


         Foi há cinco anos que a Lagoa foi elevada a cidade, os últimos censos apontavam para 14 mil e 416 habitantes com as suas cinco freguesias de Nossa Senhora do Rosário, Santa Cruz, Água de Pau, Cabouco, Santa Cruz e Ribeira Chã. Hoje, sábado,  pelas 21h30, dia 10 de Junho, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas,  iremos apresentar, pela primeira vez, a Sala de Embarque, no Cine Teatro Lagoense. Uma sala com 176 lugares disponíveis. A peça de teatro tem a duração de uma hora e quinze minutos e conta com as interpretações de Joana Matos, Margarida Benevides, João Malaquias, Henrique Santos, a composição sonora de João Luís Macedo e o som e a luz a cargo de Cristóvão Ferreira. 

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Um Olhar Aproximadamente Baço

Fotografia de Carlos Olyveira
Habitamos uma paisagem de cor neutra
O presente não se sustém sem perspetiva
E um homem julga escutar uma mulher
Enquanto desabam pingos e não desarma

Narra-se uma improvável transparência
Ainda que turva, vagamente desalinhada
A confissão de um nativo fascínio 
Nada chega para apartar a neblina

Outras vias chegaremos a discorrer
Até que seja executado o reencontro
Do ar que respiramos sem conhecimento

O cansaço consente aquela partilha
A inadiável brecha tornada visível 
Assim o horizonte a queira clarear?

terça-feira, 6 de junho de 2017

O Homem da Máquina de Projectar

José Castelo por Carlos Olyveira
Feriado do Espírito Santo, cidade da Lagoa. O fim do dia aproxima-se a passos largos e a praça tem ainda gente nos cafés e na Casa do Povo. Há um movimento sereno, ainda que se julgue terem sido muitos aqueles que foram a banhos para os lados das piscinas e do mar. Na passagem por aquela rua, antes de chegarmos à praça, deparamo-nos com um barulho de acção, objectos em movimento, o constatar de vozes gravadas, uma animação produzida em estúdio. Entretanto, uma voz amigável saúda-nos e até parece que estamos a perturbar aquela calmaria que se sente a quem avista aquela curta escadaria. A pergunta impõe-se:“-Será uma sala de cinema?”. A resposta vem no sentido afirmativo bem como um convite para conhecer o seu interior e uma sala de projecção com uma máquina de 35mm e ainda uma pequena sala de apoio onde se vê o desenrolar da fita do tempo das bobines. É um senhor simpático, de porte baixo e sorriso aberto que nos acolhe, dá pelo nome de José Castelo, possuindo apelido de produtor e exibidor de cinema. Vive por aqui, lagoense, e é ele o projeccionista desta sessão numa sala com oitenta e quatro lugares. E vive disto? Nem pensar pois ser projeccionista é, sobretudo, o que está para além da sua serralharia e de outros trabalhos domésticos, o seu passatempo, portanto. O filme que se encontra a passar no écran dá pelo título de “Logan”, uma história de mutantes vivida no futuro não muito longínquo, com somente um único espectador a assistir e que, dado o pendor trágico da narrativa, soluça com o triste findar da história daquele herói caído em desgraça.
Ali ao lado a alegria do projeccionista mantém-se e é por enquanto uma felicidade que não podemos perder. Isto até parece o “Cinema Paraíso”, digo eu, e por isso até se pensa que terá começado assim, por mera curiosidade, nos idos anos 90 do século passado, já que José Castelo trabalhava na Sinaga, fábrica do álcool. Só depois de se ter reformado, ficou a ser ele o responsável pelo Cine Auditório da Lira, numa cidade que já teve sala de cinema e que ainda tem a funcionar o seu Cine Teatro Lagoense. Com as cadeiras do “Vitória”, antigo cinema de Ponta Delgada, as suas máquinas de projecção montadas sob o seu domínio técnico, continua a dar asas à sua paixão e entusiasmo.  É sim, com ele, que por aqui a sétima arte vive e, por tão pouco fogo de artifício, nos continua a fazer sonhar e acreditar.  

Sala de Embarque: um ano depois!

    Faz agora um ano que começamos a trabalhar nesta ideia teatral da Sala de Embarque. Como naquela altura estávamos (e continuamos a estar) unicamente interessados em fazer teatro, fazedores de teatro que somos, nunca foi a nossa principal preocupação esperar pelos apoios, subsídios ou compromissos institucionais. Daí, até decidirmos avançar em Julho com uma proposta concreta foi um pequeno passo e, por isso, foi tão bom poder contar com o espaço da Galeria Arco 8, a disponibilidade e graciosidade do Pedro Bento. Devemos a este, para lá da simpatia e abertura, o apoio incondicional naqueles ensaios intermináveis e suados do verão passado. Assim, nasceu esta criação colectiva em que se foi juntando gente de tantas áreas e proveniências diversas.
Um ano depois e, após a apresentação no Teatro Micaelense em Março último, esta é a semana em que queremos transformar o Cine Teatro Lagoense no “nosso” teatro de eleição, a nossa casa de ensaios, ao mesmo tempo que pretendemos viver aqui um sonho tornado possível. E caso fosse esta sala de teatro um lugar disponível, propício à invenção e ao progresso das formas? As luzes estão já afinadas e dá para pensar em Francisco D´Amaral Almeida e o seu desejo de um teatro vivo, animado, um lugar perfeito para a aquisição de experiências e emoções. O sítio ideal para um pequeno grupo conhecido de "fazedores"…

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Sala de Embarque: Ensaiar!

Fotografia de Carlos Olyveira

Frota Branca

Passavam entre seis a oito meses nos mares da Terra Nova, uma boa parte do tempo enfiados em pequenas dóris, possuíam uma hierarquia a bordo e só comiam carne uma vez por semana, sendo que nos restantes dias da semana alimentavam-se de bacalhau. Eram, maioritariamente, jovens, sendo certo que a partir dos anos sessenta alguns escapavam/desertavam ao serviço militar obrigatório,  à guerra do Ultramar, deixando para trás filhos e família. Estes pescadores eram oriundos dos bairros ou ilhas piscatórias das cidades costeiras portuguesas, pobres, portanto. Houve quem chegasse a fazer dez, ou até mesmo vinte campanhas, tal como o açoriano de rosto duro e tisnado, que se encontra à frente do quadro “A Família Piscatória”, obra icónica de Domingos Rebêlo. Houve mesmo quem avistasse baleias ao lado dos seus pequenos botes ou quem se tivesse perdido naqueles nevoeiros cerrados junto de icebergs, já para não falar dos que por lá ficaram esquecidos e enterrados para não corar de vergonha o regime. O Museu Marítimo de Ílhavo tem sido incansável no resgate dessa memória e dessa incrível epopeia, sendo transversal a uma boa parte do século vinte português. E, só por isso, aqui ficam estes parágrafos em forma de evocação e agradecimento. 
Imagem do Museu Marítimo de Ílhavo