Diogo Sousa |
quinta-feira, 31 de janeiro de 2019
Nuvens
Para
descrever as nuvens
muito
teria de apressar-me,
pois
numa fracção de segundo
deixam
de ser estas e começam a ser outras.
É
sua propriedade
não
se repetir
nas
formas, tonalidades, poses e configurações.
Sem
o peso de qualquer lembrança,
pairam
sem dificuldade sobre os factos.
Mas
nem testemunha-los podem,
pois
logo se dissipam em todas as direcções.
Comparada
com as nuvens,
a
vida afigura-se firme,
quase
duradoura, eterna.
Perante
as nuvens
até
uma pedra parece nossa irmã,
na
qual se confia,
mas
elas, enfim, umas levianas primas afastadas.
As
pessoas que existam, caso queiram,
e
depois morram uma por uma,
as
nuvens não têm nada a ver com
coisas
tão
estranhas.
Sobre
toda a tua vida
e
sobre a minha, ainda não toda,
desfilam
com pompa, como desfilavam.
Não
têm obrigação de morrer connosco.
Não
precisam do nosso olhar para navegar.
terça-feira, 29 de janeiro de 2019
FALTA dedicada à FOLIA
Depois dos primeiros números
dedicados à “Falta” e à “Falha”, achámos por bem mudarmo-nos para o “lado solar
da rua”, como diz a música, e abrir 2019 com o tema da “Folia”. “Dança veloz de
muitos pares, ao som de pandeiro ou adufe”, “festa alegre e ruidosa”,
“folguedos populares” — assim nos transmite o dicionário serem os diferentes
significados da palavra. Convidaremos os leitores a foliar no próximo número da
F A L T A, serão páginas com muitos foliões dentro e outros corajosos para
darmos continuidade à alegria desmesurada ou à farra incontida. Após a chegada
dos textos e demais contributos artísticos no final de Março, trabalharemos em Abril para que vos possamos
surpreender no mês de Maio.
A FALTA
Da Vegetação Açoriana
“Quando as ilhas dos Açores foram povoadas,
os colonizadores portugueses relataram que elas não eram habitadas e que apenas
encontraram matos e rasteiros e uma fauna constituída por animais e aves de
pequeno porte. Destas, o milhafre – a maior, terá dado o nome ao arquipélago.
Essa flora primordial era a que se designa hoje de Laurissilva. Actualmente
contabilizam-se cerca de 300 espécies de plantas fariam parte dessa floresta
inicial e delas 80 são endémicas – património único destas ilhas. Esta
originalidade é partilhada com as restantes ilhas da Macaronésia. Temperadas
pelo oceano Atlântico, sobreviveram à última glaciação que afectou o nosso
planeta, constituindo, pois, uma memória viva da floresta remota que terá
povoado a Europa e Norte de África. Apesar de pequena, é na Europa a floresta
que apresenta a maior biodiversidade. Nas encostas da Lagoa do Fogo ou na
Estrada da Tronqueira ainda se poderá ter uma pequena ideia do que era essa
floresta original onde predomina o Azevinho (Ilex Azorica), o Louro (Laurus
Azorica) e o Cedro-do-Mato (Juniperus
brevifolia); uma floresta rasteira e envolta por nevoeiros e grande
humidade, com manchas de turfeira(musgão), elemento que retém e filtra a água
dos solos. Em zonas costeiras, habitam as Faias da Terra (Myrica Faya) e o Pau Branco (Picconia
azorica) e o Sanguinho (Fragula
azorica) sem esquecer a Vassoura ou Urze (Erica Azorica), que é a planta que primeiro se instala nos novos
solos ainda puramente minerais resultantes do vulcanismo. Num passeio pelas
zonas costeiras - pelo calhau -, poder-se-á encontrar um cacho de campainhas em
flor, a curiosa Vidália (Azorina vidalii),
endémico único dos Açores.”
Vitor Bilhete in Agenda do Louvre Michaelense 2018
segunda-feira, 28 de janeiro de 2019
Renovado + do que ¾
Diogo Sousa expõe os seus trabalhos no 3/4 |
Ao cimo da Rua D`Agoa, em Ponta Delgada,
encontra-se o “3/4”, antigo café Caziff, lugar que se tornou especialista em
diferentes tipos de comidas ligeiras e sopas, tendo ficado conhecido pelos seus
diferentes hambúrgueres, inclusive, o vegetariano. Era conhecido no passado pelo
café Caziff, tornando-se agora e sempre um posto privilegiado na geografia
citadina, dado que fica muito próximo da biblioteca pública e da Escola Secundária Antero
de Quental ou ainda de três pólos museológicos. O seu interior, recentemente
renovado, possui a pintura duma deusa misteriosa na parede, pintada em estilo Arte Déco, realizada por Michael Houdec, fazendo, assim, há muito, parte
identitária do lugar. E que, talvez por isso, continua a demonstrar
sensibilidade e abertura para as mais variedades artes, basta ver o cuidado evidenciado na
vitrine expositiva aberta à iniciativa e propostas de jovens artistas visuais.
O transformado ¾ caracteriza-se
pela sua dilatada bancada em madeira e aproveitamento do espaço existente, sendo deveras arejado e acolhedor tal como continua,
assim, propenso a conversas e demais tertúlias, marcando muitas vezes o pontapé
de saída para uma incursão na noite musical ou artística da cidade. Ponta
Delgada pode e deve orgulhar-se da beleza e ousadia de espaços comerciais como este.
sábado, 26 de janeiro de 2019
Antes do Tremor de 2019
Ainda Tenho um Sonho ou Dois - A História dos Pop Dell´Arte Documentário de Nuno Galopim e Nuno Duarte |
Os Pop Dell´Arte irão atuar na
edição deste ano do Tremor, já anunciado para a semana de 9 a 13 de Abril.
Antes disso, pois está disponível em plataforma livre, é possível visionar o
documentário “Ainda Tenho Um Sonho ou
dois – A História dos Pop Dell´Arte”, realizado por Nuno Duarte e Nuno
Galopim. O documentário é dedicado ao projecto artístico liderado por João
Peste, são cerca de sessenta minutos que evidenciam a vitalidade e qualidade da banda, fundada nos idos anos oitenta e que esteve sempre na linha da frente do
movimento da experimentação e inovação. São
vários depoimentos que ilustram o início dos Pop Dell´Arte, acompanhados por
imagens de concertos, videoclips, os bastidores e demais histórias à volta da
banda. Três décadas volvidas, esperam-se ouvidos curiosos para escutar temas
como “Querelle”, “O Amor é um Gajo
Estranho” ou “Avanti Marinai”.
Os Pássaros e as Árvores
Os
pássaros nascem na ponta das árvores
Ruy Belo
As
árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os
pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os
pássaros começam onde as árvores acabam
Os
pássaros fazem cantar as árvores
Ao
chegar aos pássaros as árvores engrossam e movimentam-se
Deixam
o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como
pássaros poisam as folhas na terra
Quando
o Outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria
de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas
deixo essa forma de dizer ao romancista
é
complicada e não se dá bem na poesia
não
foi ainda isolada da filosofia
Eu
amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem
é que lá os pendura nos ramos?
De
quem é a mão a inúmera mão?
Eu
passo e muda-se-me o coração
Ruy Belo
sexta-feira, 25 de janeiro de 2019
Amarcord de Fellini na RTP 2
Amarcord é exibido às 22h12. |
“Recordo um jantar em Paris há mais
de vinte anos. Um jovem simpático e inteligente, fala de Fellini com divertido
desprezo trocista. O seu último filme acha-o francamente mau. Conhecendo o
preço da imaginação, sinto pelos filmes de Fellini uma profunda admiração, em
primeiro lugar. É perante este jovem brilhante, na França do início dos anos
oitenta, que experimento pela primeira vez uma sensação nunca conhecida na
Checoslováquia, mesmo nos piores anos do estalinismo: a sensação de me
encontrar na época da pós-arte, num mundo em que a arte desaparece porque
desaparece a necessidade da arte, a sensibilidade, o amor por ela.”
Milan Kundera,
um encontro, Edições Dom Quixote, 2ºEdição, 2009.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2019
Do Flanzine nº18
Presente, aqui tens o meu corpo claro.
Podes tirar-me os óculos de ver ao longe,
posicionar adequadamente as minhas mãos paradas.
Daniel Maia Pinto Rodrigues
Da Inimizade e Amizade
"Mas, tratar-se-ia de amizade? Há uma relação para a qual, em checo, existe a palavra «souduzsdtvi» (soudrub: camarada), isto é, «amizade dos camaradas»; a simpatia que une os que travam a mesma luta política. Quando desparece a dedicação comum à causa, deparece igualmente a razão da simpatia. Mas a amizade sujeita a um interesse superior à amizade não tem nada a ver com a amizade.
No nosso tempo, aprendemos a sujeitar a amizade àquilo que se chama as convicções. E mesmo com o orgulho da rectidão moral. De facto, é preciso alcançar uma grande maturidade para compreender que a hipótese que defendemos é apenas a nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que só os indivíduos muito limitados podem fazer passar por uma certeza ou uma verdade. Ao contrário do que sucede com a pueril fidelidade a uma convicção, a fidelidade a um amigo é uma virtude, porventura a única, a suprema.
Observo a foto de René Char ao lado de Heidegger. Um, celebrado como resistente contra a ocupação alemã. O outro, denegrido por causa da simpatia demonstrada, em determinado momento da vida, pelo nazismo emergente. A foto data dos anos do pós-guerra. Estão de costas; boné na cabeça, um alto, o outro baixo, caminham na natureza. Gosto muito desta fotografia."
Milan Kundera, um encontro, Edições Dom Quixote, 2ºEdição, 2009.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019
terça-feira, 22 de janeiro de 2019
Do caderno dos mitos pessoais
de cada vez que deus morre
um peixe abre a boca
a verdade imita o silêncio
meu amor
Leonardo
segunda-feira, 21 de janeiro de 2019
Da Responsabilidade
"Somos nós os leitores, quem detém a responsabilidade final. O aspecto mais espantoso da linguagem é a sua versatilidade: pode ser tagarela, pode ser acintosa, pode ser uma oração, pode ser uma piada, pode ser uma fábula. Pode ser uma revelação e exaltar-nos, ou pode ser pornografia e emparedar-nos. E não faz mal recordar que, de cada vez que escolhemos um livro antes de dormir, estamos também a seleccionar o nosso caminho pelas intimações do Céu e pelas promessas do Inferno."
Alberto Manguel in No Bosque do Espelho,Publicações Dom Quixote, 2009.
domingo, 20 de janeiro de 2019
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019
"Cosmografias, a história e outras cores" na Galeria Fonseca e Macedo
A Galeria Fonseca
Macedo – Arte Contemporânea, em Ponta Delgada, inaugura esta sexta-feira, 18 de
Janeiro, às 18h30, a exposição colectiva “Cosmografias, a história e
outras cores”, dos artistas Beatriz Brum, Isabel Madureira Andrade e João Miguel Ramos. A curadoria desta exposição pertence a Luíza Cardoso.
A Agenda
No
lugar de estar vivo
estar
a viver no lugar de viver
e
estar a ver que
se
se está vivo
não
há maneira de não viver com isso.
Apenas
a vista se cansa quando se está parado a olhar
Cansa-se
Sem
vista pode-se viver, mas para onde?
Vive-se
sentado enquanto as sombras crescem sempre para os dois lados
Até
elas ultrapassam os nossos pescoços
Hoje
morreu uma pessoa
E
o meu filho não percebeu
Penso
em arrancar todas as páginas cheias de uma agenda
Como
se de ervas daninhas se tratassem
Mos
o que está mais vivo?
A
Agenda sem folhas ou a fraca metáfora de chamar a essas folhas ervas
daninhas?
Quando
olho e vejo que nada do que agendei fazer irá fazer crescer alguma
coisa
nesta terra
Envergonho-me
da metáfora
E
prefiro ficar com todas estas folhas
Cheias
de eventos
Que
foram árvores
Como
se honrasse com a minha agenda
A
sua morte
Lígia
Soares, in Flanzine, nº18, Dezembro de 2018
terça-feira, 15 de janeiro de 2019
Rua do Saco, nº15 (II)
o meu vizinho predilecto
morreu na guerra.
ele gostava de mim porque me acenava
quando dizia o meu nome.
no Verão, o meu vizinho passava, todas as manhãs,
perto da minha porta.
ia a caminho do mar.
quando me disseram que ele morrera na guerra
eu ainda não pensava que podia lá morrer.
eu não me recordo do nome do meu vizinho,
eu queria tanto dá-lo
à saudade que dele tenho.
Emanuel Jorge Botelho, Os Ossos Dentro da Cinza, Averno, 2017.
morreu na guerra.
ele gostava de mim porque me acenava
quando dizia o meu nome.
no Verão, o meu vizinho passava, todas as manhãs,
perto da minha porta.
ia a caminho do mar.
quando me disseram que ele morrera na guerra
eu ainda não pensava que podia lá morrer.
eu não me recordo do nome do meu vizinho,
eu queria tanto dá-lo
à saudade que dele tenho.
Emanuel Jorge Botelho, Os Ossos Dentro da Cinza, Averno, 2017.
A Espera de Rui Zink
"Não era que nos estivessem a tratar mal em São Miguel. A ilha é mais extensa, a mais povoada, e, de certo modo, a que tem mais coisas para ver, mais variedade. Como ainda não era inverosímil que fôssemos estudantes e eu sempre fui bom a aldrabar, comemos quase todos os dias na melhor cantina universitária do mundo. Carne excelente, peixe divino, saladas, ananás à discrição. Um dia, contudo, descobrimos que a comida, afinal, era tão má como em qualquer outra. Apenas estivera em quarentena de luxo por causa de um curso de Verão para filhos açorianos radicados na América. E viva a América.
Não, não fomos mesmo nada mal tratados. Simplesmente, em São Miguel não havia baleias. E eu queria baleias."
Rui Zink, in A Espera, Publicações Europa-América,1998
segunda-feira, 14 de janeiro de 2019
domingo, 13 de janeiro de 2019
Revista Grotta nº3 já está nas bancas!
sexta-feira, 11 de janeiro de 2019
quarta-feira, 9 de janeiro de 2019
***
"Lembro-me de que na escola se aspirava a alcançar a objetividade. As tarefas tinham um início e um fim, os testes eram classificados e havia normas de comportamento. Caminhar tem a ver com outra coisa. Podemos atingir o nosso objectivo, mas continuar a caminhar no dia seguinte. Uma caminhada pode durar a vida inteira. Podemos caminhar numa direcção e acabar no ponto de partida."
Erling Kagge, in "A
Arte de Caminhar", Quetzal, 2018.
Da Educação
A educação é a arma mais poderosa para transformar o mundo
Nelson Mandela, líder político sul-africano.
2018: Até ao esquecimento...
Sobram pela mesa tantos livros por ler, todo o cinema que em viagem não foi possível
ver – vi o rude Dogman, de Matteo Garrone e o tocante Shoplifters - Família de Pequenos Ladrões,
de Hirokazu Koreeda (e, como eu queria tanto ter visto Roma, de Alfonso Cuarón), tal a
indecisão do que transportar ou trazer na mala de cada viagem realizada assim
vão comigo até ao esquecimento estas palavras e frases escritas na agenda. Depois, foi só
deixar levar pelas canções da grande revelação do ano que já foi: Aldous Harding. A satisfação pela participação na peça Cortado por Todos os Lados, Aberto por Todos os Cantos, direcção geral de Gustavo Ciríaco, que contou com o núcleo duro: Tiago Barbosa, Sara Zita Correia, Rodigo Andreolli, Ana Trincão e ainda um grupo alargado de voluntários/atores a viver em São Miguel. Digno de registo, por alturas do Walk and Talk, o superlativo espectáculo intitulado Romance, da coreógrafa e bailarina, Lígia Soares. A
trepidação e resgaste dos Três Tristes Tigres no
Tremor, a intensidade de Medeiros/Lucas no Teatro Micaelense e a alegria dos Fogo Fogo no
Burning Summer Festival, em Porto Formoso. As noites de música a solo no 3/4 ou
em forma de Duo Arco Negro, Galeria Arco 8, com Dj Fellini. A edição e apresentação da FALTA nº0 e 1 com o desenho gráfico de Júlia Garcia e a cumplicidade do André, Luísa, Blanca, ainda a colaboração de tanta, tanta gente. A memória do cinema através do
projecionista José Castelo, a conivência e partilha dos filmes de Rafaelle
Brunetti e de Federica di Giacomo no Auditório da Lira do Rosário, na Lagoa. A partida do editor Bruno da Ponte que vai
deixar saudades – teremos muitos mais editores assim? - ainda as leituras dos livros
de Raul Brandão, Alberto Manguel, A Arte de Caminhar, de Erling Kagge, as crónicas de Rui
Tavares no Público e de Henrique Bento Fialho na Antologia do Esquecimento. As fotografias
de Gianni Berengo Gardin, Vivian Meyer, Pepe Brix ou de Carlos Olyveira. A poesia de João Habitualmente, Rui Miguel Ribeiro, Vasco Gato, Karmelo C. Iribaren ou Judite
Canha Fernandes. O Hálito Azul, de Rodrigo Areias, que estreou, finalmente, no Porto Post Doc, com todos os intervenientes em palco no final do filme. A contínua e acesa troca epistolar com Janeiro Alves. A Serra Devassa que
apenas inundou de beleza o nosso olhar viajante e ansioso. Um futuro 2019 pleno de folia!
terça-feira, 8 de janeiro de 2019
Da Confiança
Sabes, acredito no futuro, confio muito no que não existe.
João Paulo Esteves da Silva in Se eu Vivesse tu Morrias de Miguel Castro Caldas (Teatro).
João Paulo Esteves da Silva in Se eu Vivesse tu Morrias de Miguel Castro Caldas (Teatro).
sábado, 5 de janeiro de 2019
Portugal Futuro
o portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
Portugal será lá e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o Portugal futuro
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
Portugal será lá e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o Portugal futuro
Ruy Belo, in Palavra (s) de lugar
quinta-feira, 3 de janeiro de 2019
Foi há 9 anos...
Carlos
Vaz Marques: O que
é a faz sentir-se em casa, Lhasa de Sela?
Lhasa
de Sela: Quando
estou com as pessoas que amo ou quando estou com gente com que me entendo bem.
terça-feira, 1 de janeiro de 2019
2018 despediu-se...com Janeiro Alves na Caixa do Correio
Caro
Doutor Mara,
Escrevo-lhe esta carta no último
suspiro de 2018, desejando que a mesma o encontre capacitado para as artimanhas
que um ano com a fisionomia de 2019 deixa antever. Todo o cuidado é pouco para
um ano deste calibre, meu caro amigo!
A razão desta carta é dar-lhe um
pequeno vislumbre da minha actual situação e das circunstâncias que a ela me
conduziram. Recebi um convite do Royal Hotel Magestic para a gala do fim de
ano, estabelecimento de grande categoria e reputação, onde curiosamente recebi
o galardão de autor da “Pior Obra Literária do Ano”. Preparei logo o meu fraque
Suiço e puxei todo o lustro que consegui aos meus sapatos italianos de cetim
afivelados. Até aqui tudo normal. O Doutor Mara sabe que me dou bem nos
círculos da alta roda. Mas eis que o mais inesperado aconteceu. Insólito mesmo,
para não dizer de uma estranheza teatral. Quando entro no grande salão
presidencial, deparo-me com mesas redondas de uma elegância inolvidável, com
pessoas de uma beleza de cristal já sentadas a conversar e a bebericar pequenas
doses do melhor champagne. Procurei o meu nome na lista de mesas, e foi então
que fiquei estupefacto. Na minha mesa estavam os seguintes nomes: Janeiro
Alves, Victor Klaus, Alberto Ai, Andar Carrasco, Fausto e Giorgio Delle Mare.
Imagine Doutor Mara! Estou neste momento sentado com todos eles a degustar
belas iguarias com acompanhamento vínico de gabarito internacional.
Como deve entender, agora não me
posso alongar mais, pois há um ano para passar, mas certamente dentro de dias
lhe enviarei informações detalhadas sobre este curioso encontro, que tem tudo
para correr bem, e tudo para correr muito mal.
É portanto com um nervoso miudinho
e ligeiros tiques no sobrolho que lhe desejo um excelente 2019, e uma noite de
Reveillon com toda manigância e prestidigitação a que já habituou os seus
convivas, desde que fez desaparecer a roupa interior da sua vizinha, fazendo em
seu lugar surgir uma sangria de frutos vermelhos pronta a servir. Bom ano Doutor
Mara, e até breve se não for antes.
No
limite da hora e com toda a estima,
Janeiro Alves
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