terça-feira, 30 de junho de 2020

"As Charlas Quotidianas do Doutor Mara" no You Tube


Tiago Vouga (Doutor Mara) e Aurora Ribeiro (Jornalista)
            Desconhecia a existência deste vídeo na plataforma do You tube, realizado pelo Rui Dowling. Trata-se de uma gravação de uma sessão de “As Charlas Quotidianas do Doutor Mara”, levada ao palco faialense no início do verão de 2015. Foi uma das quatro sessões que mostrámos ao público da Ilha do Faial, na Biblioteca Municipal da Horta, que nos concedeu a possibilidade destas representações no seu auditório ao ar livre.
O texto teatral oscila entre o dramático e o cómico e tem como principal ideia colocar em palco as contradições dos diálogos entre uma jornalista e um improvável "cientista social", jogar sobre que é público e o privado, ambicionando alcançar uma verdade possível e ainda caricaturar factos ampliados pelos meios de comunicação social e as redes sociais. Servimo-nos, por isso, deste Doutor Mara, habitual frequentador de tugúrios inimagináveis, que vai desde a discoteca, jardins público, tascas e afins e que, aproveitando-se do seu estatuto de figura pública sem mácula,  irá dialogar e dissertar com o "grande público" sobre a vida e o mundo, nem sempre um lugar bem frequentado.
As representações dos papéis estiveram a cargo de Tiago Vouga (Doutor Mara) e de Aurora Ribeiro (Jornalista) que, assim, interpretaram os capítulos “Ginecomagia”, “Tarantoterapia” e “Enomátria”, ao longo de 26 minutos. Deste modo, quem quiser ver ou rever, fica aqui a respetiva ligação:https://www.youtube.com/watch?v=0m_9pwmHtqc&t=12s

segunda-feira, 29 de junho de 2020

"Tenho Tantas Saudades" de Francisco de Lacerda

Tenho tantas saudades
Tenho tantas saudades
Como folhas tem o trigo,
Não as conto a ninguém,
Todas consumo comigo.

Tenho tantas saudades
Como areias tem o mar,
Tantas, tantas, noite e dia,
Que não as posso contar.

Combate

Sei o tamanho do verão
Pelo lugar que divide as mãos

E pelo subir sinuoso
Que mais e mais rompe os vestidos 

Pelos golpes desferidos sei
O tamanho profundo das espadas


Daniel Faria, in Poesia, edição de Vera Vouga, Quasi Edições, 2009. 

domingo, 28 de junho de 2020

"Florida Project" de Sean Baker

Imagem da Wikipédia

      Aqui há Flórida, mas não há projecto. Sean Baker acompanha a vida de uma criança de seis anos, com nome de Moonee, que habita num pequeno apartamento de um motel pintado de cor lilás, ao lado da sua jovem mãe (Halley), desocupada e dependente dos apoios do estado, sobrevivendo ao sabor de pequenos actividades obscuras e fugas para a frente. À sua volta tudo parece volátil, imersa numa realidade descartável, fria e consumista. Desta feita, Moonee agrega-se a outras crianças que ali vivem e é através desse mundo de aventuras que se evade do vazio e futilidade que a circunda.
 "Florida Project" é um filme surpreendente, quase sufocante, é de uma força e transparência incríveis. Estreada em 2017, a película traz-nos também Willem Dafoe (Bobby), no papel duma figura protectora do universo infantil, com o bom senso e a madurez diante de um mundo em desagregação, à beira do colapso. O final não podia ter sido melhor engendrado, com a entrada daquelas duas pequenas amigas pelo parque da Walt Disney adentro.

Sobre o Uso das Coisas...

          "Tudo na história tem o seu lado positivo e negativo. O avião é um progresso, mas polui a atmosfera. O iPhone é magnífico porque nos liga aos amigos pelo mundo inteiro, mas diminui a comunicação em família. A faca serve para cortar o pão e as batatas, mas também para ser espetada no coração de alguém. Na vida tudo foi, é e será assim. Não são as invenções ou descobertas que em si são más, mas o uso que delas fazemos."
       
           Onésimo Teotónio Almeida, entrevista de Teresa Firmino, in Jornal "Público", 27 de Junho de 2020.

sábado, 27 de junho de 2020

"Himne d´Amour": um documentário em torno de Canto da Maya


               
"Família", 1928.
Peça exposta na Exposição "Canto da  Maya", 
a decorrer no Núcleo Santa Bárbara. 
(Fotografia Carlos Olyveira)
Actualmente está disponível, na plataforma do Youtube, o documentário “Himne d´Amour”, realizado pela Fundação Oriente, Museé Municipal de Boulogne Billancourt e, com o testemunho e colaboração de Isabelle Canto da Maya, dedicado ao trabalho e obra do escultor micaelense: Canto da Maya. Este documento visual é um elemento necessário para compreender melhor a obra desta figura das artes nacionais, sobretudo no período em que regressou à sua terra natal, após ter vivido em Lisboa, Paris e Genebra, percebendo-se aqui o porquê do silenciamento do seu trabalho no pós-guerra, muito embora o reconhecimento além-fronteiras e sua valorização enquanto elemento fundamental do modernismo português.
Canto da Maya merece um lugar melhor na história da arte do século XX”, é dito logo na apresentação do documentário que conta com testemunhos de amigos, críticos e artistas. Em “Hymne d´Amour” constatamos a dedicação à volta do seu trabalho, ainda as razões em torno da figuração e do seu empenho em representar as relações e laços que as pessoas mantém entre si, para além da suavidade e delicadeza dos afectos, corporizado numa escultura de representações afectivas e simbólicas, pautando o seu discurso escultórico por uma busca incessante da beleza e da felicidade.

Um Verso de Hilary Woods

Baby, won't you lie with me?

quinta-feira, 18 de junho de 2020

"Enlouquecer é Morrer numa Ilha" de Maria Brandão

         
Daqui: Livraria Almedina.

          "Tem de se pôr a mexer. O voo é ao meio-dia e não pode contar com Donika para a levar ao aeroporto. Não depois da discussão de há instantes. Quer entrar e sair de casa sem se fazer notar, sem provocar mais abalos. Tem sorte. Donika voltou a dormir, com recurso ao habitual comprimido. Lara pega na pequena mala pronta desde a véspera, mete-se num eléctrico até ao Hauptbahnhof e aí apanha um comboio para o aeroporto. Tudo rápido, inócuo, automático. Do check-in ao controlo de segurança, do drop off de bagagem ao embarque, o contacto humano reduz-se ao binómio Grüezi - Danke. Um alívio. Uma alívio redobrado por não ter ninguém sentado ao seu lado no avião, por ter sossego para adiantar a leitura que tem entre mãos, um livro viciante  de Eduarda Monforte. Contos negros com contornos policiais e apontamentos divertidos. A autora intriga-a. É gémea de Marta, com quem Rogério se casa no dia seguinte, e escreve com contenção e humor, atributos existentes na irmã em grau muito reduzido. A nota biográfica na badana é lacónica e não apresenta fotografia. Apenas refere que tem imensa visibilidade no mercado de língua alemã e nasceu no lugar para onde o seu avião se dirige."

Maria Brandão, in "Enlouquecer é Morrer numa Ilha", Companhia das Ilhas, 2020. 

domingo, 14 de junho de 2020

"Merlí": Uma série catalã à volta da Filosofia

Séri "Merlí" na RTP Play
Na Grécia Antiga de Aristóteles existia uma escola (os Peripatéticos), criada por este, que tinha como missão realizar um itinerário com uma questão e onde o percurso só estaria concluído quando a interrogação estivesse resolvida. Pensar que o ensino da Filosofia possa dar uma boa série e cativar audiências foi o móbil da série “Merlí”, escrita por Héctor Lozano, cabendo a direcção de actores de Eduard Cortés. Ao todo foram quarenta episódios que se aprimoraram na Catalunha, no canal TV3, espalhando-se a seguir pelos canais televisivos do mundo inteiro, tendo a sua exibição ocorrido em Portugal, através da RTP2.
Merlí (Francesc Orella), o professor de Filosofia, transporta consigo o carisma da docência filosófica e ainda os procedimentos pouco habituais do seu "modus operandi", instalando, por isso, a desorientação junto dos seus colegas tal como nos alunos debutantes da disciplina de Filosofia. No entanto, o seu lado humanista, isto é, mais próximo e compreensivo junto dos discentes, sobretudo pelo lado afectivo, ganha ascendência junto destes, aumentando naturalamente a sua influência. Ele é o professor de Filosofia que pretende que os seus alunos contemplem e absorvam a Filosofia como algo estimulante, instiga à autonomia do pensar, invectiva a crítica e lança a dúvida permanente, ao mesmo tempo que fomenta o espírito de grupo junto da turma, ressaltando desta forma o melhor de cada um. 
Neste formato televisivo, um episódio da série "Merlí" dá-se em cinquenta minutos e todos eles contém o pensamento de um filósofo, com situações de aula e diálogos dedicados a cada um dos filósofos - Hannah Arendt, Nietzsche, Schopenhauer, Thomas Hobbes, Albert Camus, Kierkegaard, Karl Marx, Kant, David Hume, entre tantos outros. A série conta com bons actores e um contéudo da sala de aula instigante e bastante apelativo. Esta não deve ser tida como modelo para a actividade docente mas pode ser entendida como uma boa fonte de inspiração, um motor de compreensão rápido do que é ensinado pela Filosofia no secundário e uma forma muito lúdica de entender ou tentar perceber a juventude estudantil actual. 

"Trutas" de Rodrigo Alves Guerra Júnior

          "Que título esplêndido.
          Estou a ver já os gastrónomos antegozarem com estalos de língua aquele peixe de fino paladar, que chegou a dar o ser ao muito conhecido adágio:« Não se apanham trutas as bragas enxutas» A cena passa-se onde quiserem; no Cairo, no Egipto, em Malta, no Pico, em Nesquim, em***-aqui peço licença  para pôr as entrelinhas convencionais, à laia dos romances antigos: os cavaleiros embuçados entraram na freguesia de ***
         E de facto numa bela manhã de Julho, entraram três sujeitos de carruagem na freguesia de ***Deixo muito de propósito  estas três entrelinhas à investigação dos homens de ciência; uma equação a resolver.
         O que lhes afianço é que os os três entraram pela freguesia dentro  ao trote manhoso de três mulas, que o chicote do cocheiro não conseguia de maneira nenhuma despertar."
        
in Edição, conjunta Câmara Municipal da Horta e da Secretaria Regional da Educação e Cultura/Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 1988.

Restaram estas cromáticas sardinhas...

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Um poema de Emily Dickinson

Faz desta uma cama generosa 
Faz esta cama com respeito
Aguarda nela a sentença 
Esplêndid e justa 
Que o seu colchão 
esteja direito 
A sua almofada fofa
Não deixes o ruído 
do nascer do sol 
Perturbar esse leito

Tradução de Rosário Valadas Vieira 

Envelhecer

         "-As pessoas? As pessoas não recusam meter uma cunha quando vêem nela a oportunidade de ultrapassarem os outros ou compensarem as suas fracas aptidões. As pessoas exigem prioridade e serviços públicos de excelência, mas só não fogem aos impostos se não puderem. As pessoas pagam e recebem luvas com a naturalidade de quem regateia roupas de contrafacção numa feira. As pessoas inscrevem-se em concursos de talentos e não se importam de os vencer apenas com os votos dos familiares e amigos, mesmo quando estes viciam os resultados telefonando ou clicando mais de uma vez...Que ética ou honestidade  têm as pessoas? Que amor-próprio? Que carácter? Como poderiam as pessoas escolher dirigentes, em que de resto votam tribalmente, que se distinguissem pela exigência, o rigor, a honra, os escrúpulos ou a dignidade?"


Rui Angelo Araújo, excerto do texto "Envelhecer", inserido na Grotta nº4, Arquipélago de Escritores, Junho 2020.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Um Poema de Lucebert

não sou um poeta amoroso
sou o vigarista iroso
do amor, vejo debaixo dele o ódio
e por cima um gesto cacarejando

a lírica é a mãe da política 
apenas sou o apregoador de revolta
e a minha mística é a comida corrompida
da mentira com a qual a virtude se desintoxica

proclama que os poetas de veludo
estão a morrer tímidos e humanísticos 
doravante a ardente gola férrea
dos carrascos comovidos abrir-se-á em cânticos 

ainda eu, que moro nesta coletânea
como um rato na ratoeira, anseio pelo esgoto
da revolução e grito: ratos de rima, zombai
zombai ainda desta escola da linda poesia
                     
                                  in revista Grotta nº4, Arquipélago de Escritores, (Dossier Lucebert -Traduções de Jos van den Hoogen, Daniel Rocha e Arie Pos), Junho de 2020

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Um Verso de Jorge Palma

Ai, Portugal, Portugal…De que é que tu estás à espera?

Enquanto o Verão se Apresta


sono

o vento velho chora com cinzas o mar dourado
onde devagar e triste se afasta o dia
morre a conversa severa e leal e um suspiro
levanta-se entre os pinhos escuros
pálido o passo fugidio da lua

no fundo e em silênco
mãos futuras vão a caminho do
trabalho nas ribeiras e raízes

nas nuvens porém descansam
olhos agora supérfluos
todos fecham as asas finas
na rígida luz estrelada 

Lucebert, in revista Grotta nº4, Arquipélago de Escritores (Dossier Lucebert, tradução de Jos van der Hoogen, Daniel Rocha e Arie Pos), Junho de 2020. 

terça-feira, 9 de junho de 2020

No Dia Mundial dos Oceanos...

         
Fotografia de Tânia Neves dos Santos 
      "Temos de mudar o paradigma da conservação para o paradigma da restauração. Preservar o que existe já não chega, temos de passar para uma lógica da restauração. Esta lógica implica uma mudança profunda  nas pescas a nível mundial, em termos de subsídio e monitorização, da gestão que tem que ser feita muito mais em co-gestão, com os pescadores a terem uma co-gestão, com os pescadores a terem uma responsabilidade dos stocks pesqueiros, que hoje em dia não têm.  Temos de voltar a regenerar as zonas costeiras, que são as mais martirizadas do oceano. Temos de pensar como podemos aumentar exponencialmente as zonas costeiras naturais que produzem  serviços  ecossistémicos fundamentais para o oceano e as nossas sociedades - como a retenção do carbono, a função de maternidade dos peixes e a protecção das costas. Estamos a falar das pradarias marinhas, dos mangais, e das barreiras de coral, das zonas de sapal, das florestas de kelp - tudo isto vai ser objeto de reparação. Da mesma maneira que percebemos há muitos anos que era preciso reflorestar a natureza, temos de fazer agora isso no mar. As pradarias marinhas, os sapais, os mangais absorvem mais carbono do que as florestas, em média, cerca de oito vezes. Têm enorme importância para a descarbonização e a luta contra as alterações climáticas."

Tiago Pitta e Cunha em entrevista a Teresa Firmino, Jornal Público, 8 de Junho de 2020. 

Olof Palme: o Sonho da Social-Democacia!


Há mais de três décadas que foi cometido o homicídio de Olof Palme, primeiro-ministro sueco, à porta do Grand Cinema, na cidade de Estocolmo, na Suécia. O crime deu-se pelas costas quando se encontrava acompanhado pela sua mulher à porta do cinema. Passaram-se, assim, muitos carnavais e até hoje ninguém foi capaz de deslindar o autor dos disparos. As investigações já trouxeram mais de cem autores confessos de quem não se obteve qualquer prova evidente. Segundo os jornais de hoje, a polícia sueca tem novidades para os dias que se avizinham e encerrar o caso. Entretanto, a Europa parece lentamente recuperar esse testemunho de uma social-democracia avançada, sob o signo de Palme e Willy Brandt. Sobre Olof Palme, sabemos que foi um primeiro ministro que saía à rua sem guarda-costas e que ia muitas vezes ao cinema de metro. Conhecido pelo seu exemplar serviço e dedicação à causa pública, simboliza ainda hoje o exercício e a prática do que melhor ficou da social-democracia. Defensor do Estado Social que deve assegurar o Serviço Nacional de Saúde e da Educação aos seus concidadãos, tal como o cuidado e a protecção aos mais velhos, o reforço da educação das crianças e adolescentes, o auxílio aos mais desfavorecidos, a garantia de igualdade entre homens e mulheres bem como a protecção das minorias. Mesmo assim, Olof Palme está a precisar que alguém trilhe os seus passos, aprofunde o seu pensamento, arrisque ir mais longe na justiça de um mundo melhor. Em vida, acreditou no fim do apartheid na África do Sul, combateu o avanço nuclear, foi defensor do Exército de Libertação da Palestina e esteve ao lado da Cuba de Fidel Castro contra o embargo americano. Em plena Suécia capitalista, acreditava na defesa integral de direitos de quem oferecia a sua força de trabalho. Era um homem que se entregava de corpo e alma ao bem comum…será que se enganou?

Excerto de"Vista Desarmada", por Lígia Soares

           "(...)A linguagem fez-se por comparação. Não temos culpa. Sabemos que somos diferentes das árvores porque nos comparámos, e assim queremos ficar. Diferentes por comparação, isto é, mais bronzeados com mais firmeza e por mais tempo. Se não estamos perdidos.
           Teremos de olhar tudo do início outra vez. Como cientistas. Como aqueles que continuam a abrir hipóteses, a perguntar porquê.
               Os cientistas, quem é que quer saber deles?
           Dizem tudo tão explicadinho, tudo com tanta falta de estilo, e depois querem ser ouvidos. Não fora algumas estrelas de Hollywood que se vão dando ao trabalho de divulgar na internet entre uma outra fotografia na carpete..."
 in Gerador, Janeiro de 2020. 

Documentário, Cinema do Real?

           «O documentário puro não existe, tal como a ficção pura também não existe. É importante lembrarmo-nos disso: de que há sempre alguém por detrás de uma câmara. Que ela não dispara sozinha, que ela não escolhe o ângulo para ver e dar a ver o mundo.»

                                                            Luís Mendonça, in "Revista Gerador", número 29, Janeiro de 2020.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Atlântico de Helder Luís

Fotografia de António João Lima 
Esteve em exibição, no verão passado, no Museu Municipal da Póvoa de Varzim, uma exposição que teve por título de “Atlântico”, e que agregava um conjunto alargado de fotografias que documentava uma viagem iniciada na Póvoa de Varzim e concluída em Ponta Delgada da embarcação açoriana “Íris do Mar”. O artista multimédia, Helder Luís, responsável pelas imagens, juntou-se à tripulação e registou o vigor do ofício quotidiano e esforçado dum grupo de pescadores, provenientes de diferentes comunidades e nacionalidades, que reflectem já uma labuta piscatória em profunda alteração. O livro que acompanha a exposição, apresenta-se como registo de imagens da faina piscatória, essencialmente, dá conta dos seus gestos e técnicas, o seu modus operandi, apontando caminhos e estabelecendo pontes entre dois universos a precisar de diálogo. O livro apresenta ainda soluções para uma pesca responsável, o que seria de todo útil que fosse tido em conta.

Grotta - Arquipélago de Escritores nº4



        O número quatro da revista Grotta, arquipélago de escritores, já saiu e pode ser pedido ou comprado através da livraria “Letras Lavadas”. A direcção pertence a Nuno Costa Santos, a coordenação editorial de Diogo Ourique e a composição fotográfica da capa é de Sara Leal. O seu conteúdo contém uma resenha alargada sobre o trabalho poético de José Henrique Santos Barros, uma entrevista ao crítico literário, Vamberto Freitas, uma súmula poética do holandês Lucebert e de Armando Emmanuel, outra prosa sobre o silêncio e lentidão das fajãs de Ana Monteiro e muitos outros textos propícios às mais diversas leituras. A revista tem o preço de venda ao público de 14 euros.

É Preciso Ver o Cubo Para Não Ficarmos Quadrados

“(...)Neste vaivém diário do não questionamento, da luta alienada pela sobrevivência e da inversão de prioridades, acredito que os lugares da cultura devem ser lugares de questionamento. Devem ser templos do pensar por pensar, os lugares do verdadeiro encontro da reflexão. Mais do que nunca, museus, bibliotecas e auditórios são essenciais para podermos criar espaço para os processos de empatia. Um centro cultural deverá ser um espaço com tempo lá dentro. Necessitamos de programas que nos provoquem e desafiem a olhar o diferente e acreditar na diferença como única possibilidade de ver os outros lados do cubo. Necessitamos de mais espaços culturais que apostem nos encontros da diversidade. Verdadeiros espaços públicos, espaços cúbicos com faces opostas, com arestas confluentes e com vértices mobilizadores.”

Luis Sousa Ferreira, in Disco Riscado, Revista Gerador, Janeiro de 2020

...

o barco à cabeceira do filho
que a mãe encharca de luz
na invectiva infanticida
de afundar o barco
o barco onde o filho navega
a sonho alto gritando
a fúria que o impele
contra o excesso de luz.


Ana Paula Inácio in "As Vinhas do Meu Pai", in Quasi Edições, 2000.

Documentário, Cinema do Real?

          «Todo o cinema é espelho do real e da ficção. O cinema é o espelho da vida. E a vida é una, não se pode separar. É na realidade que encontramos a fantasia. Mas é também na fantasia que encontramos o real. O cinema é a linguagem do olhar, da procura daquilo que aparentemente não se vê.»

Claudia Varejão, in "Revista Gerador", número 29, Janeiro de 2020. 

sábado, 6 de junho de 2020

Ao Fim da Tarde

De qualquer maneira não durariam muito. A observação
mostra-mo há muitos anos. Embora um tanto apressadamente
veio e parou-as a Sina então.
Foi breve a bela vida.
Porém quanto das essências a tensão,
em que leito excelente nos deitámos,
em que prazer os nossos corpos demos.

Um eco dos dias do prazer,
um eco dos dias junto de mim veio,
algo da juventude de nós ambos em ardente exaltação;
um carta voltei a pegar na minha mão
e lia mais e mais até falhar a luz.

E saí para a varanda melancolicamente -
saí para mudar de pensamentos vendo pelo menos
pouca cidade amada,
pouco movimento da rua e das loja.

Kostandinos Kavafis, in "Os Poemas", Relógio D´Água Editores, Julho de 2005.

Um Soneto de Luíz Vaz de Camões

Já a roxa e clara Aurora destoucava 
Os seus cabelos de ouros delicados
E das flores os campos esmaltados
Com cristalino orvalho borrifava;

Quando o formoso gado se espalhava
de Sílvio e Laurente pelos prados;
pastores ambos, e ambos apartados
de quem o mesmo Amor não se apartava.

Com verdadeiras lágrimas, Laurente 
-Não sei -, dizia, -ó Ninfa delicada,
Porque não morre já quem vive ausente 

Pois a vida sem ti não presta nada.
Responde Sílvio:-Amor não o consente,
que ofende as esperanças da tornada.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

I would like to have met you before

A distância fustiga e reclama
A perfeição da árvore no quintal
Não brilharemos tão cedo na noite 
Como os dedos da viagem apartados

Sem contrariar a tempestade dentro
Saber de cor o trecho da sedução
Fantasias de pérola descoberta
Idioma à mesa de cor delineado

Afagamos corpos no findar da tela 
Ausência de vibração latente
Contraímos um silêncio banal
Nada fixamos no coral da maresia

Arte de Viver

        "Na arte de viver, o homem é ao mesmo tempo o artista e o objecto da sua arte, é o escultor e o mármore, o médico e o paciente."                                                                                  
                                                                                                                                                Erich Fromm

O Sonho Impossível

Sonhar o sonho impossível
Sofrer a angústia implacável
Reparar o mal irreparável
Amar um amor casto à distância 
Enfrentar o inimigo invencível 
Tentar quando as forças se esvaem 
Alcançar a estrela inatingível 
Essa é a minha busca

Miguel de Cervantes, in Dom Quixote de La Mancha, 1605. 

quinta-feira, 4 de junho de 2020

A Hora que Ainda Não é

           "Há sempre uma hora que ainda não é. Nessa hora hora nós esperamos tudo que ainda não está e tudo que ainda não foi. É a hora de beber vinho e amar, amar muito, amar muito a lucidez, a loucura , as mulheres e as cartas de jogar a vida, as cartas de jogar a vida, de jogar o amor, a loucura, a lucidez, as mulheres e as pinturas que já fazíamos com cascas, garrafas, pedras, cartas velhas e geográficas que arrancávamos com fúria das paredes da velha casa burguesa,  em que imperava uma pantufa já rota mas, apesar de tudo, sempre pantufa. Só nos fica aquela sensação que é o esperar e duvidar. Esperar até que a nossa própria camisa branca se transforme numa camisa de quadrados, quadrados tão cheios de cor que se espetam nos nossos olhos, e nos gritam: - Foge  da tua escuridão! Agarra o ar encarnado e a atmosfera azul das montanhas cúbicas que ascendem em espirais imóveis no céu de todos os Deuses que só existem em nós.
          Cresce agora a árvore sem folhas secas, a árvore feita de nós, da hora e de tudo que é vivo."
                                                    
                                                       in Obras Completas de Mário Henrique Leiria, E-Prematur, 2017. 

Verso de Adriana Calcanhoto

O coração de quarentena

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Exageros

         "O Alfredo atirou o jornal ao chão, irritadíssimo, e virou-se para mim:
        -Estes jornalistas! Passam a vida a inventar coisas, é o que digo. Então não afirmam que, no Sardoal, foi encontrado um frango com três pernas! Vê lá tu! É preciso descaramento.
        Ajeitou-se melhor no sofá e, realmente indignado, coçou a tromba com a pata do meio."

in Obras Completas de Mário Henrique Leiria, E-Prematur, 2017. 

"O Rapaz da Última Fila” de Juan Mayorga

German: Está  bem. Até está bastante bem. Se o que pretendes é que as pessoas se riam das tuas personagens. Mas isso é um objectivo baixo. A primeira pergunta que um escritor deve fazer a si próprio é: Para quem escrevo? Para quem é que tu escreves? É muito fácil pôr em destaque o pior de qualquer pessoa, para que os medíocres, sentindo-se superiores, se riam dela. É muito fácil pegar numa pessoa e vê-la pelo lado mais ridículo. O que é difícil é olhar para ela de perto, sem preconceitos, sem a condenar antecipadamente. Encontrar as suas razões, a sua ferida, as suas pequenas esperanças, o seu pequeno desespero. Mostrar a beleza da dor humana, isto só está ao alcance de um verdadeiro artista.”

 Juan Mayorga, in “O Rapaz da Última Fila”, Livrinhos de Teatro, 2008, Artistas Unidos

Na Décima Nona Primavera Antes do Fim do Século

Por uma árvore
que dê primeiro frutos
depois flores 
depois folhas 
e só depois 
muito depois 
crie raízes


Jorge Sousa Braga, in "O Poeta Nu" - (Poesia Reunida), Assírio&Alvim, 2007.

terça-feira, 2 de junho de 2020

As Janelas

Nestas salas vazias, onde vou passando
dias pesados, para cá e para lá ando
à descoberta das janelas - Uma janela
quando abrir será uma consolação. -
Mas as janelas não se descobrem, ou não hei-de conseguir
descobri-las. E é melhor talvez não as descobrir
Talvez seja a luz uma nova subjugação.
Quem sabe que novas coisas nos mostrará ela. 

Kostandinos Kavafis, in "Os Poemas", Relógio D´Água Editores, Julho de 2005.

" - O que é a felicidade para si?

-A felicidade é algo efémero, não se consegue definir, só sentir. Para mim, na maior parte das vezes, é uma frase bonita, um bom livro, a ideia para uma história. Talvez, neste momento, seja a cadela da rua que, mesmo à frente da minha casa, teve sete filhos. Apenas isso."

Arundhati Roy, entrevista de Luciana Leiderfarb na Revista Expresso, 30 de Maio de 2020.

Um verso de Pino de Vittorio

Trotta trotta cavallo memè

Até nas Gavetas Cresce Anis

*Com desenho do Edgar