quarta-feira, 29 de março de 2023

terça-feira, 28 de março de 2023

TREMOR: Décima Edição!

Flipping Candy
Imagem daqui
 : https://www.tremor-pdl.com/

Ribeiragrandense: Noite do Sketch!

      O teatro esteve de volta ao norte no último fim de semana, concretamente à cidade atlântica da Ribeira Grande, pela mão de “A Pontilha”, associação que já leva 40 anos de existência, após uma pausa de cinco anos, com a pandemia de permeio, num regresso intitulado “Noite do Sketch” e esgotada há duas semanas da estreia.
       A abrir a contenda, o texto de “As Virgens”, da autoria de Ruy Neto, com as interpretações de Filomena Gonçalves, Júlia Dâmaso e Laura Pereira, numa narrativa referente aos longínquos quinhentos, passada numa balsa (ou seria jangada?) em pleno mar alto após naufrágio com três mulheres à beira de um ataque de nervos dada a proximidade da terra, afastadas que foram da vigilância superior, enfrentando agora o maior dos perigos que é a assunção de liberdade e do seu desejo. É uma representação rápida, mas eficaz, com algumas visões e sobressaltos, em que o compasso da ação é marcado pela vontade de remar e acercar-se de solo firme.
        Neste regresso do teatro ao Ribeirgrandense, foi ainda possível assistir a “Zero a Zero”, texto de Henrique Ferreira, um combate de carácter inverosímil, quase surreal, entre “Júlio, um lavrador dos Arrifes e Maria, uma vegetariana extremista”, aqui representados por António Gomes e Catarina Gaspar, mas com um Juiz/árbitro (Francisco Lopes) que soube captar a atenção e prender o público na divulgação dos acontecimentos e altercações que se iam dando ao longo daquela competição insólita e feroz! Pelo meio, houve também tempo para pequenos dramas e comédias do quotidiano envolvendo consumos aditivos, a solidão do actor, a xico-espertice  quotidiana e os Cavaleiros da Távola dos Queijos. 
Por último, referência positiva à participação do projeto Unison, grupo de estudantes da ESRG, com a tarefa improba de representar de forma coral o poema “Adeus”, de Eugénio de Andrade, numa encenação de Filomena Gonçalves, Isabel Silva e Mário Moniz, sobretudo pela tentativa conjunta de mudar a agulha do escárnio e do riso, marca essencial do sketch, e exaltar, assim, a seriedade e pujança dos versos melancólicos e sombrios do poeta fundanense. A Pontilha está, portanto, de parabéns pelo arrojo e abrangência dos modos e feitios teatrais aqui representados.

O JSM no Dia Mundial do Teatro

     
Jorge Silva Melo (1948-2022)

  "Depois da bárbarie, tentou-se, em alguns pontos mais ricos da Europa, que o Teatro (que fora conivente mais do que resistente) fosse o lugar convergente de uma eventual cidadania (moderada, que o Poder exercia a sua Autoridade nos assuntos importantes, claro, dinheiros e trabalhos e tal). Em diferentes momentos, mas animados por uma esperança nova, o Berliner, o Piccolo, o Théatre Nactional Populaire ou a Royal Shakespeare Company, tocadas todas estas Companhias e de diferentes modos, pela clareza provocatória do trabalho de Brecht, tentaram que as suas salas fossem escola e laboratório, jornal e assembleia. Nas suas paredes ecoaram vozes do seu tempo revisto sempre à luz contraditória dos clássicos e dos modernos. Os poderes, inquietos com a repentina ascensão de outras classes, permitiram essas ágoras que se pretendiam contemporâneas, pacifistas, internacionalistas, patrióticas também. Os teatros queriam oferecer a um público de boa vontade matéria para reflexão. Montar A Paz de Aristófanes durante a Guerra da Argélia, como o fez Jean Vilar, ou trabalhar o Coroliano de Shakespeare, como tentou o Berliner, na zona de ocupação russa e no auge do culto de Stalin, serão exemplos desse gesto primitivo. Como os jornais, os teatros ofereciam a um público vasto mas atento "espectáculos de opinião" sobre temas de uma actualidade dilacerada.

"Teatro para os Novos Reis, religião dos Novos Papas", in "A Mesa Está Posta", Livros Cotovia,2019.

domingo, 26 de março de 2023

Verso de Tim Buckley

 Long afloat on a shipless ocean 

"A Hora que Ainda Não É" de Mário Henrique Leiria

          "Há sempre uma hora que ainda não é. Nessa hora nós esperamos tudo que ainda não está e tudo que ainda não foi. É a hora de beber vinho e amar, amar muito, amar muito a lucidez, a loucura, as mulheres e as cartas de jogar a vida, as cartas de jogar a vida, de jogar o amor, a loucura, a lucidez, as mulheres e as pinturas que já fazíamos com cascas, garrafas, pedras, cartas velhas e geográficas que arrancávamos com fúria das paredes da velha casa burguesa, em que imperava uma pantufa já rota mas, apesar de tudo, sempre pantufa. Só nos fica aquela sensação que é o esperar e duvidar. Esperar até que a nossa própria camisa branca se transforme numa camisa aos quadrados, quadrados tão cheios de cor que se espetam nos nossos olhos, e nos gritam: - Foge da tua escuridão! Agarra o ar encarnado e a atmosfera azul das montanhas cúbicas que ascendem em espirais imóveis no céu de todos os Deuses que só existem em nós.
          Cresce agora a árvore sem folhas secas, a árvores feita de nós, da hora e de tudo que é vivo." 
in Obras Completas de Mário-Henrique Leiria, E-Primatura.

"No Feminino" no CMC: Até dia 30!

           
"Lugar Improvável"
Sofia de Medeiros
 Termina já no dia 30 de Março a exposição “No Feminino” e foi realizada para assinalar a força e a representatividade do feminino nas Artes Plásticas em São Miguel. Desde Janeiro que o Centro Municipal de Cultura dá a ver esta mostra de objetos artísticos pertencentes a vários artistas nascidos no arquipélago ou com ligações às ilhas.
          É de aproveitar, portanto, o público em geral nestes últimos dias, presenciar, ao vivo e a cores, a obra e trabalho dos artistas da ilha de São Miguel e não só. Artistas esses que tiveram percursos e formas diferentes de entender a arte e que fizeram das artes visuais o seu modo de se conectar com a vida e evidenciar a sua visão do mundo.
           A par desta mostra, há também um catálogo que reúne uma considerável variedade de obras presentes na exposição: Filipe Franco (“Femina 1#”); Isabel Silva Melo (“Ilha II”); Leonor Almeida Pereira(“Açor – Título Sem Paisagem”); Maria José Cavaco (“A fairer house than prose 65”); Nina Medeiros (“Bounding NatureI”); Paula Mota (“Ilha III”); RzOZE SELAVY (“Wine Esporas”); Sofia de Medeiros (“Lugar Improvável”); Urbano (“DAPHNE#5”); Victor Almeida (“Mulher I”); ligando, assim, gerações e cruzamentos que ora se afastam
 ou complementam, criando uma estreita ligação entre o passado e o presente - “os vestígios de cada personalidade”, segundo a curadora da exposição, Alexandra Baptista.

sábado, 25 de março de 2023

"Baiser" de Ernesto Canto da Maya


1934
Museu Carlos Machado 
 

Verso dos Memory Tapes

 No one would know that we´ve gone 

Da Escatologia

          "Em Paris, numa das frentes de contestação à nova lei das reformas decretadas pelo governo de Emmanuel Macron, estão os trabalhadores da recolha do lixo, os éboueurs, dos quais uma parte significativa está em greve. Esta classe profissional que será sempre vista, em termos simbólicos, como aquela que ocupa o lugar de delimitação entre dois mundos, o do conforto material e sanitário proporcionado pela sociedade de consumo e o dos restos a que esse mundo dá origem em abundância, é responsável pela imundície que se amontoa por estes dias nas ruas de Paris, utilizando assim a táctica da guerra escatológica."

António Guerreiro, Ípsilon, 24 de Março de 2023.

CMC: "No Feminino"

Bounding Nature I (2022)
Nina Medeiros 

Noivado

Estendeu os braços carinhosamente e avançou, de mãos abertas e cheias de ternura.
-És tu Ernesto, meu amor?
Não era. Era o Bernardo.
Isso não os impediu de terem muitos meninos e não serem felizes. 
É o que faz a miopia.

Mário-Henrique Leiria, in Contos do Gin-Tonic, 1973, Editorial Estampa. 

Alucinação à Beira-Mar

Um medo de morrer meus pés esfriava
Noite alta. Ante o telúrico recorte,
Na diuturna discórdia, a equórea coorte 
Atordoadamente ribombava 

Eu, ególatra, céptico, cismava 
Em meu destino!...O vento estava forte 
E aquela Matemática da Morte 
Com os seus números negros, me assombrava!

Mas a alga usufrutuária dos oceanos 
E os malacopterígios subraquianos 
Que um castigo da espécie emudeceu 

No eterno horror das convulsões marítimas
Pareciam também corpos de vítimas 
Condenadas à Morte, assim como eu!

Augusto dos Anjos in Doutor Tristeza, Mia Soave, Novembro de 2015

sexta-feira, 24 de março de 2023

CMC: "No Feminino"

"Ilha III"
Paula Mota 
 

Da Saúde

 "Nada melhor para a saúde do que um amor correspondido"
Vinicius de Moraes 

"Um Passo para Sul" de Judite Canha Fernandes

            "Nos dias seguintes, continuou a caminhar diariamente como uma bússola sem agulha, nada muda, nada mudou, mas hesitava a cada curva, fingia olhar para as paredes ou tentava fazer sociologia urbana a partir de um bloco de cimento se necessário. Às vezes, procurava pormenores de beleza, detalhes que se firmassem no cérebro, que enganassem a loucura daquilo que fizera: atravessar os céus à procura de uma desconhecida que não lhe era nada. Se lhe tinha parecido fazer algum sentido nos Açores, agora via claramente o vácuo e o despropósito. Era o que dava levar com uma tempestade na cabeça. Ter-se-ia julgado uma mão do destino?"

quinta-feira, 23 de março de 2023

"Um Pouco da Alma" de Rui Machado


          O Núcleo Cultural da Horta irá lançar amanhã, sexta-feira, dia 24 de Março, pelas 18 horas, o livro de poemas “Um Pouco da Alma”, da autoria de Rui Machado, no auditório da Biblioteca Pública e Arquivo Regional João José da Graça. O poeta, actualmente professor de Filosofia na Escola Secundária Manuel de Arriaga, contará com a presença de Inês Salgueiro Machado na apresentação do livro. A capa, paginação e design da obra ficou a cargo de Tomás Melo.

terça-feira, 21 de março de 2023

Poeta

para quem aspira - breve utopia - ao fenómeno
ajuizado da descrição, este texto já vai longo 

e o erro será uma vez mais continuar 

não vale peva o transtorno dos ensaios 
tentear perfeições geométricas, filosóficas, de estilo
a vida colocar-nos-á no devido lugar 

a grande lição aprendi-a hoje ao ouvir  uma
bem intencionada asserção que resultou num alto
(e honestíssimo) deslize idiomático:

"o miguel é pateta" (joão diogo, 4 anos)

Miguel Manso, in Santo Súbito, Lisboa, 2010.

Primavera

 O louva-a-deus 
na sua paralisia de pedra verde

Fita no céu
a valsa verde do pirilampo

Noite de insectos 
chamando-se entre si num clamor 

A terra range 
cedendo aos caules que anseiam a luz 


João Habitualmente, "um dia tudo isto será teu", elogio da sombra, setembro de 2019.

Vidinha

Sei de sítios com menos nuvens para gozar o sol da primavera
mas hoje estou conformado: de que serve 
arrastar esta sede até ao próximo oásis
para depois me sentar sobre um poço de água salobra?

Paulo Ramalho in Manual de Sobrevivência para Náufragos, douda correria, 2020.

segunda-feira, 20 de março de 2023

A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
- Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? 
                                                                                                                                                                      Manuel António Pina in  Ainda Não é o Fim nem o Princípio do Mundo Calma é Apenas um Pouco Tarde, A Regra do Jogo, 1974.

Os Sapatos das Duas Estações

Na Primavera ou no Verão 
usava sempre sapatos de duas cores 
E glicínias como atacadores

Jorge Sousa Braga in "O Segredo da Púrpura",  O Poeta Nu. 

Do Comunismo

        "O comunismo é dos maiores paradoxos da história da humanidade, com a sua intenção de igualitarismo, de colocar o ser humano no centro do desenvolvimento social, de o estado servir o cidadão através de uma utopia saudável. Mas isso gerou monstros, ditadores."

Mário Lúcio, entrevista a João Pacheco, Revista Electra, Inverno, 2022/2023.

domingo, 19 de março de 2023

João Correia Rebelo: Um Arquitecto Moderno nos Açores

 
João Correia Rebelo por Pedro Valim
(Boletim Cultural Fazendo)


        "Ao evocar a criação e a postura de João Rebelo como arquitecto, dois traços fundamentais da sua maneira de ser avultam imediatamente, numa primeira apreciação: o seu grande talento. Terá sido esta última uma das razões para que o valor da sua obra  como arquitecto não tivesse sido reconhecido mais cedo. Mas houve outra razão, de natureza material: o nomadismo condicionou a sua vida. Tal circunstância conduziu a uma produção dispersa e fragmentada e impediu-o de constituir atelier próprio de carácter duradouro, onde a sequência dos projectos permitisse construir uma obra com consistência e visibilidade."

      Nuno Teotónio Pereira, in "Uma Vida Nómada, uma obra fragmentada, uma pessoa íntegra", in "João Correia Rebelo, Instituto Açoriano de Cultura, 2002.

"Morphine" de Sebastião Belfort Cerqueira

Não dei a volta ao mundo 
Nem tenho tempo a perder com  essas merdas
Mesmo ao pé de casa 
Encontrei estrangeiros bastantes 
A quem ainda hoje digo coisas 
Que não podiam perceber 

Tu e eu falamos uma língua 
Que o silêncio errado fez morrer 


Às vezes dou voltas à ideia 
Já me habituei e já não tenho 
Vergonha de dizer
Que não percebo 
Esta coisa de parecer um estranho 
De visita àquilo que viu crescer 

Tu e eu falámos uma língua
Durante anos 
Entendemo-nos tanto
Que agora não há nada a fazer 

in "Música Normal", Companhia das Ilhas, Janeiro de 2021.

Três Haikus de Naná da Ribeira

Testamento

Duas coroas de cerâmica
Meia centena de vinis 
E uma mala cheia de postais dos Açores


Internacional 

É um dia como os outros 
Neste caderno com versos 
E um prato de amendoins sobre a mesa


Sismo

Cada abalo é apenas um sinal
Envelhecemos 
Nós, por acaso, nem demos conta.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Da Mediarquia

     "Os nossos sistemas políticos são, fundamentalmente, mediarquias (sistemas de poder estruturados pelos nossos meios técnicos de comunicação), muito antes de serem democracias (democracias de poder baseados na vontade do povo)".
Yves Citton, Revista Electra, Inverno, 2023.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Da Terra

    "Se olhares bem, em Cabo Verde, não podes dizer a ninguém: "Vai para a tua terra. Porque ninguém é de lá. O mais velho, só está lá há cinco séculos. É uma experiência bonita." 

Mário Lúcio, entrevista de João Pacheco, Revista Electra nº19, Inverno.

As Ilhas de Barco

 -Uma ilha à noite e outra de dia?
Amaya Sumpsi: Sair do Faial ao anoitecer para chegar às Flores ao amanhecer. Não há dinheiro neste mundo que pague essa viagem, acreditem.

in Questionário Marado, FALTA#5, Fevereiro de 2023.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Da Prosperidade...

         “(…) Não me interpretem mal, sou fã da prosperidade. Há imensas vantagens na riqueza que a pobreza não deve impedir. Mas há umas poucas vantagens da pobreza que a riqueza não deve ocultar. Humildade, sentido de comunidade e de partilha são por maiores que podem ficar para trás quando andamos focados na caça ao guito. Esses eram os nossos maiores tesouros. É para abrir mão deles em definitivo?
         Talvez isto de ganância e do consumismo seja um sinal dos tempos…Mas temos mesmo aceitar os tempos que nos dão ou podemos criar os nossos? Não dá para continuar a ser quem somos e tornamo-nos prósperos? É impossível sermos ricos sem nos tornarmos gananciosos e consumistas?
          Tem já alguns anos que procuro casa para morar. Intensifiquei a busca este ano, depois de ter um bebé e achar conveniente dar-lhe um teto permanente. Não que seja necessário, que nos países do norte grande parte não terá casa própria. Mas ao preço a que por cá os arrendamentos andam…
        Está tudo tão caro. Na região só o mormaço, a humidade, a falta de tacto, de criatividade e de arrojo continuam a um preço simbólico. Valha-nos isso."

 Francisco Bradford Câmara in “9 Bairros”, Setembro/Dezembro de 2022

sábado, 11 de março de 2023

Verso dos Beach Boys

 I´m gonna be round my vegetables 

"entre signo e mar" de J.H.Borges Martins

teu sonho é muito profundo
como o silêncio eterno 

é do signo peixes e estrelas

dever ser nómada 
ou descendente de deuses.

in "nas barbas de deus", edições Salamandra, Outubro, 1999.

terça-feira, 7 de março de 2023

segunda-feira, 6 de março de 2023

Ai Weiwei por Ai Weiwei

-Porque razão gosta de viver com gatos?
-Há muitos animais à minha volta. Acho que os seres humanos são criaturas solitárias. Devemos tanto aos animais, e não os compreendemos. Tratamo-los como ferramenta ou um produto. Exploramo-los e olhamos para eles mais do que um alimento. Isso provém da nossa própria natureza desprezível e barbárica. Sinto que os animais são muito mais tolerantes e amigáveis do que os seres humanos. 

in Público, 5 de Março de 2023, Tradução: Eurico Monchique.

sábado, 4 de março de 2023

"Natureza Morta" de Rui Machado

 bonito jarro

o meu amor dormindo

à mesma sombra

visgos, zimbros, bardanas

um peixe

duas maçãs e um sofá

numa quietude entre duas dimensões

 Horta, 05.02.2022 

FALTA#5: A Lista de Carlos Fortes!

 

Cineteatro Miramar: Há ir e Voltar!

          A única sessão de cinema que assisti no Cineteatro Miramar, espaço cultural da vila de Rabo de Peixe, tinha por título “Ama San” de Cláudia Varejão. Recordo-me dessa tarde sábado, sobretudo do ambiente desta vila micaelense com as ruas cheias de crianças e homens à porta dos cafés e com as mulheres sentadas na soleira das portas, lembrando de imediato outros espaços de sociabilidade, frequentados no passado, como, por exemplo, as Caxinas que conheci tão bem nos idos anos 80 e 90.
       O filme de Cláudia Varejão, talvez por causa do título, não despertou muito interesse aos locais, mesmo o facto de ser gratuito apenas mobilizou o público que está habituado a estas lides cinematográficas. No entanto, cá fora 
dava para observar que a vida continuava e seguia o seu rumo com a agitação do costume. O impacto, no final do filme, foi muito forte que, mesmo sendo um filme do Japão contemporâneo, essencialmente focado numa ilha remota com um grupo de mulheres de diferentes faixas etárias que mergulham em apneia à procura de moluscos (abalones), vivendo as suas vidas aparentemente de forma simples e harmoniosa, em contacto quotidiano com a natureza e com relações de grande cumplicidade, aquela sessão, naquele lugar, jamais seria olvidada, de tão bela que tinha sido. 
          Entretanto, passados tantos anos, soubemos esta semana do anúncio de uma empresa regional, com ligações institucionais ao governo dos Açores, ter como pretensão vender este Cineteatro Miramar em hasta pública, o que gerou uma onda de contestação política, sendo  que chegou a existir mesmo uma petição pública de repúdio perante tal decisão. A realidade daquele Cineteatro agrega jovens e outros músicos que usam semanalmente o espaço para aprender e tocar jazz, adolescentes e adultos que usam assim o espaço da Ludoteca para partilhar jogos, músicas e e-mails, reconhecendo dessa forma a importância deste espaço no atividade cultural daquela vila piscatória. Por isso, questione-se: o que terá passado pela cabeça de alguém para anunciar tal propósito?