"À Superfície" de Rui Xavier |
sábado, 31 de outubro de 2015
"Superfície" de Rui Xavier
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
"4´33"
Evocação de John Cage a partir de Nils Frahm
Aguentas em silêncio?
As tuas mãos
entre uma nota e a outra
espera mais um pouco
nem uma vulgar medida
ou gesto eloquente ainda
ou gesto eloquente ainda
o teu piano em diante
vibra a melodia irregular
Escuta
vibra a melodia irregular
Escuta
a virtude e a ascese
nos teus dedos foragidos.
Uma Ida ao Louvre…Michaelense!
A Louvre Michalense é já uma lojas representativas do revitalizado centro de Ponta
Delgada, na Ilha de São Miguel. Com o seu estilo tido como antigo ou clássico não deixando, por isso, de
ser visitada com um misto de novidade e curiosidade, perante um passado que é
agora motivo de delicados e saborosos encantamentos. Este renovado espaço
centenário, que já foi chapelaria e loja de tecidos, ocupou o lugar da primeira exposição
do pintor Domingos Rebelo no século passado. Agora é também local de encontro
para pequenos-almoços, lanches e compra de presentes e iguarias de natureza
insular. Há também algo que chama a atenção em cima das mesas: os cadernos
Albo. O nome vem com uma fita escrito como se de um presente se tratasse: Albo
Açores. Está associado ao nascimento do dia, ao começar da vida, inspiração,
certamente, pois são pequenos cadernos cozidos à mão e com a vantagem de serem
todos eles reciclados. Apresentam-se aos nossos olhos com desenhos de pássaros
(tentilhões, estorninhos, garças, etc.). Homenageiam com o seu traço as aves
que frequentam o ar e os céus açorianos bem como os peixes, essencialmente,
chicharros, que se avistam nos mares profundo do Atlântico. Há também cracas desenhadas
para lembrar sabores e mergulhos salinos até ao fundo do mar. Estes cadernos
podem ser avistados, tacteados e levados para casa. Um regalo para os olhos.
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Black Gold
Who Knows Where the Time Goes é cantado neste Black Gold pela Nina Simone. Que voz, que fio de luz aqui vai, parece vir de um túnel que pretendemos nosso...com a saída um pouco mais à frente. É uma canção ao vento, cantada com toda a urgência, talvez com uma dolência maior do que o original de Sandy Denny. E lembro essa indefinição permanente daquilo que é o tempo, esse poder desavindo dos relógios, os desencontros e encontros que o tempo, a passagem deste provoca, o fresco cintilar e pulsar das estações a cada momento que passa. Até que o tempo nos encontre. Ou não.
Forte combustível é o Fogo
Do natural calor, invariável pressão
o gás
a confluência e os elementos
há-de resultar energia
fonte de vida.
Forte combustível é o fogo
A liga metálica conjuga
ferro e carbono,
inevitável fusão,
o aço.
Ativos agentes da resistência,
por subterrânea matéria armazenada,
em forma de bolhas, espasmos,
lava vulcânica acumulada
decorrentes da combustão
e...queimam!
terça-feira, 27 de outubro de 2015
I Never Saw a Philco Fridge
Tu podias viajar comigo na noite
ver como se propaga o ar
não se pode negar a indiferença
enfiaram-te o amor na cabeça
os filmes, os livros e os poemas
que leste
agora vai-te embora com as grafonolas
desampara a loja dos fantasmas da
infância
e não voltes desconfiado
o gelo não se parte,
solidifica ainda mais
solidifica ainda mais
conserva-se para a eternidade
um coração despedaçado não sobrevive
um coração despedaçado não sobrevive
fica desarmado com tanta frieza
Hás-de saber guardar para ti o medo
e o cuidado
a leveza com que desapareces da
fotografia
não sei muito bem onde aprendeste esse
orgulho
esse pequeno ritual do
desprendimento
vale o que vale a saúde e desatinas
uma casa em ruínas e o desapego
uma casa em ruínas e o desapego
quando sofres devagar e logo
adormeces
Repetes o frente a frente
sem nada conseguir expressar
madrugada adentro
até deitar tudo a perder antes da alba nascer
Âmbula chega às Livrarias
O Leonardo, que
também já foi Leonardo Sousa, apresentará amanhã na Livraria Solmar, Ponta Delgada, pelas 18h30,
o seu segundo livro de poemas intitulado Âmbula. Este livro, com fotografia de
capa de Fernando Resendes, tem a chancela da Companhia das Ilhas e surge depois
de “Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida”, editado pelas Letras
Lavadas, em 2013.Pelo que já foi possível avistar em momentos de leitura
improvisada, não é uma súmula de poemas fácil de digerir, tão pouco se gasta numa só
leitura, pois à semelhança do que escreve o poeta: (…)“enfim/é isto que escrevo sussurradamente/ sentado em sítios que não me
pertencem/sabendo/ que se não me levantar destas estações sensíveis/ toda a
minha vida irrefutável e inútil vida será/ ver os outros partir.
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
Um ARQUIPÉLAGO na Ribeira Grande
O
Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas inaugurou no passado dia 16 de
Outubro uma exposição intitulada “Um Horizonte de Proximidades”, permanecendo
aberta ao público até ao dia 28 de Fevereiro. No seu interior e nos diversos espaços
expositivos do Centro é possível efectuar o percurso de trinta oito artistas
bem como apreciar as suas respectivas obras pertencentes
à colecção António Cachola. Para além da diversidade e riqueza de perspectivas
artísticas aqui expostas, é possível percorrer um edifício de rara beleza, com
a imponência de uma estrutura sóbria e os seus diferentes dispositivos bem codificados, abertos assim para receber diferentes tipos e modalidades
da arte contemporânea. Estamos, pois, na presença de um espaço pluridisciplinar,
com múltiplas valências, um serviço educativo em funcionamento, espaço de livraria e biblioteca, e espaços propensos à ocorrência de residências
artísticas. Curiosa também é a proximidade do edifício com o mar e a sua interacção com a luz.
sábado, 24 de outubro de 2015
Da Curiosidade
"Inventamos
histórias para dar forma às nossas perguntas; lemos ou ouvimos histórias para
perceber o que queremos saber. Nos dois lados da folha, somos levados pelo
mesmo impulso questionador, pelas perguntas de quem fez o quê, e porquê, e como, para que possamos, por nossa voz, perguntar a nós próprios o
que é que fazemos, e como e porquê, o que aconteceu quando se faz ou não faz
alguma coisa. Neste sentido, todas as histórias são espelhos do que julgamos
ainda não saber. Se for boa, uma história suscita no seu público tanto o desejo
de saber o que acontece a seguir como o desejo contraditório de que a história
nunca acabe: este duplo vínculo justifica o impulso de contar histórias e
mantém a curiosidade viva."
in Uma História da Curiosidade, Alberto Manguel, edições Tinta da China, 2015.
Postal de Inverno para Miriam Manaia
Querida Miriam Manaia,
Amanhã retoma o horário de Inverno e eu sinto por mim adentro uma rara e obtusa melancolia, aquela coisa acintosa que me faz cair vertiginosamente no silêncio, afastando-me assim da
voragem dos dias e do tempo, impondo deste modo um recolhimento interior que só
terá ecos de si no relançar das folhas e das flores lá para os finais de Março
com o advento da Primavera e da claridade dos dias. O meu ser quedará sombrio e triste, eu
sei, nada a fazer.
Curiosamente, amiga Miriam,
encontro-me na sua cidade, habitando bem perto do solar dos Manaias, por isso
não tardarei a bater-lhe à porta numa destas tardes da invernia onde farei tensões
de me juntar a si enquanto pinta ou
escreve. Ou quem sabe ler os diários do Outono que tenho escrito por aqui.
Deste seu amigo, a frequentar novamente lugares
de pendor natural e bucólico.
Atenciosamente seu,
Doutor Mara
Da Injustiça
As nossas
organizações sociais, no entanto, ainda existem rótulos, requerem catálogos e
estes tornam-se inevitavelmente, hierarquias e sistemas de classe em que alguns
assumem o poder e outros ficam excluídos. Toda a biblioteca tem a sua sombra:
as infindáveis estantes de livros que ninguém escolheu, que ninguém leu, livros
rejeitados, esquecidos, proibidos. E, no entanto, a exclusão de qualquer
assunto da literatura, quer por arbítrio do leitor quer do escritor, é uma
forma de censura inadmissível que degrada a humanidade de todos. Os grupos
ostracizados pelo preconceito podem ser, e geralmente são, postos de parte, mas
não para sempre. A injustiça, como já devíamos ter aprendido, tem um efeito
curioso nas vozes das pessoas. Empresta-lhes potência e clareza, recursos e
originalidade, que são todas elas boas coisas para se ter, se o que se pretende
dor a criação de uma literatura.
in "No Bosque do Espelho", Alberto Manguel, Tinta da China, 2013.
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
A Biblioteca Pública e Arquivo de PDL
A recuperação do antigo Colégio Jesuíta
para Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada (projecto desde 1989, e obra
desenvolvida longamente entre 1992 e 2001), é de Carlos Duarte (1926 -). Embora
obtendo uma imagem com pouca visibilidade desde o exterior urbano, o programa
conseguiu incluir uma vasta série de novos espaços e a recuperação de outros,
entre os volumes, as galerias e os pátios existentes.
Este edifício articula-se com o da
igreja, cuja fachada religiosa de expressão
barroca, é a mais impressiva e original da cidade, dentro do gosto
afirmativo e monumentalizante da Ordem. A nave e espaços internos anexos foram
recuperados recentemente para instalação do Museu de Arte Sacra (projecto de
José Cid e Isabel Cid (concluído cerca de 2005).
in Arquitectura Contemporânea dos Açores, de José Manuel Fernandes e Ana Janeiro.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Ainda estranhamente te espero
Ainda estranhamente te espero
depois do clima, da chuva e do verbo
a ilha, porventura, aguarda o momento
sei que amanhã é já outro dia
virás vestida de azul em demasia
Desse anunciado reencontro
divertida volta na passada
nada de ajuda ou alimento
difícil acreditar no milagre
provável regresso à origem
Sobre “Espelhos Naturais” de António Garcia Guerreiro
Exposição na Biblioteca e Arquivo de Ponta Delgada |
António Garcia Guerreiro apresenta um
conjunto de fotografias à volta do arquipélago açoriano intitulado “Espelhos
Naturais”. O visitante desta curiosa exposição, patente num pequeno compartimento
da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada até Janeiro do
próximo ano, poderá ser surpreendido com fotografias facilmente reconhecíveis - são fotografias realizadas em quase todas as ilhas açorianas - mas expostas de
forma singular e estimulante aos nossos olhos, exigindo tempo e compreensão à
nossa experiência sensorial.
As fotografias de “Espelhos Naturais”
revelam assim um fotógrafo sensível, fascinado pelos cambiantes da paisagem e
entusiasmado pela policromia da natureza das ilhas atlânticas. Neste jogo
implícito de luz e contrastes, já que são fotografias que usam e abusam do
reflexo da água, o jovem fotógrafo – sim, esta é a sua primeira exposição!!! –
apresenta imagens de cima para baixo, fazendo-as rodar os 180 graus, tendo por
objectivo propor e revelar novos detalhes ou outros efeitos pretendidos,
abarcando desta feita as dicotomias: real/irreal, céu/terra, vida/sonho.
Relembrando ainda um literato argentino, Alberto Manguel, este escreveu em “No
Bosque do Espelho”: “Somos criaturas
arrumadas. Desconfiamos do caos. As experiências chegam-nos sem um sistema
reconhecível, sem qualquer razão inteligível, com uma generosidade livre e
cega. E, no entanto, perante todas as provas em contrário, acreditamos na lei e
na ordem.” António Garcia Guerreiro contraria em “Espelhos Naturais” essa
mesma lei e ordem, propondo deste modo um presente para os nossos sentidos,
arriscando-se assim a encontrar beleza no caos e na miríade de reflexos e
estímulos que a natureza em redor nos proporciona. Afinal, o belo pode ser
caótico e desordenado, e, para que isso aconteça, basta estar aberto e, com
absoluta clareza, atento.
Oh as casas as casas as casas
Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
Ruy Belo in Todos os Poemas, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000
sábado, 17 de outubro de 2015
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
Larva
Pelo tempo chamado do Outono,
quando a beleza é mais oculta e calma
e na face das coisas pesa o sono
das águas do desejo, fecho a alma
e fico sem estrelas e sem nome.
Humilde, vou tecendo meu destino
futuro de palavras e de fome.
Nesse tempo do Outono meu latino
esplendor é uma cinza paciente.
Meu espírito, um lago verde. Quente,
porém, a gota que leveda ao fundo
do silêncio. Depois serei o Dia,
e com poemas e sangue e alegria
nascerei, incontido, sobre o mundo!...
Herberto Helder, in in “Poesia MCMLVIII” [Pastinhas da Queima das Fitas], org.
Campos de Figueiredo, Coimbra, 1958.
Tenros e Frágeis
"Quando os homens ingressam na vida são tenros e frágeis. Quando morrem são hirtos e duros. Por isso, os hirtos e duros são, desde o princípio, mensageiros da morte e os tenros e frágeis são os mais credíveis mensageiros da vida."
Lao Tsé após leitura da crónica no Expresso de José Tolentino Mendonça.
Ontem escrito numa parede da cidade
Cinco euros por minuto...tendo em conta a
duração da peça, propomos um cachet de 150,00€.
As Ruas de Ponta Delgada
"As ruas de Ponta Delgada são estreitas e as casas amplas. A iluminação é feita com candeeiros de azeite, fixos em toscas pedras-favadas, vendo-se aqui e acolá, em frente das melhores casas, um apertado passeio. Noutros respeitos, assemelham-se estas ruas às estreitas ruas de Paris, com um escasso pavimento de pedra ao meio, que funciona como valeta, por onde, com tempo seco, passa um burro acompanhado do condutor, que vai correndo e vociferando atrás. O rés-do-chão das casas é utilizado para lojas, armazéns ou estrebarias. As lojas recebem a luz pelas portas e não teem montra. Não há aqui, portanto, aquela alegre variedade de frontarias e estabelecimentos, como em Inglaterra. Pelas portas abertas se vêem e prateleiras com as mercadorias. Os sinais indicativos dos diversos ramos de negócio estão indicados estão pendurados às portas. Numa, por exemplo vê-se uma dúzia de tiras de algodão estampado, presas a um pequeno pau e flutuando como as fitas do chapéu de um sargento-instrutor. Quer isto dizer que ali dentro está um negócio de fazendas, com os seus panos de algodão, cadarços e meadas. Mais adiante, um pequeno molho de achas, uma cesta de cebolas, algumas cabeças de alho e duas ou três velas penduradas noutro pau, indicam uma mercearia.Um sapateiro tem à porta um feixe de tiras de couro e uma chapeleiro um chapéu pintado na parede. Um talho ostenta ao vento pedaços de tripa seca ou o grosseiro desenho de um boi ao qual serram um chifre, sendo a serra do mesmo tamanho do serrador. Tal como em alguns becos de Londres, por sobre a porta de um leiteiro, vê-se pintada uma vaca vermelha, arqueada. Um ramo verde de faia indica a loja de vinhos e se houver também um galho de buxo fica-se sabendo que ali se vende aguardente. Assim era na Inglaterra, onde se dizia que "o bom vinho não precisa de ramo". Noutras lojas, vê-se uma pequena tabuleta suspensa de curto pau, com palavras portuguesas significando "bom vinho e aguardente", grosseiramente pintadas. Ao contrário do que acontece entre nós, o nome do lojista não se vê sobre a porta.
As janelas dos primeiros andares, logo acima das lojas e dos armazéns, são em geral guarnecidas com pequenas varandas de madeira entrelaçada, como nas janelas das nossas leitarias, pintadas de vermelho escuro, verde ou branco. Nas casas maiores vêem-se elegantes varandas de ferro. Pelas goteiras dos telhados escorre água em abundância e a telha da esquina toma frequentemente a forma de um pássaro de asas abertas, ou alonga-se para cima em comprida ponta. Os edifícios são caiados de branco e as ombreiras das portas, cantarias das janelas e cornijas ficam em geral da cor da pedra, cinzento escuro ou negra. Os sapateiros trabalham sentados à entrada das portas, os alfaiates estão acocorados, o ferreiro com o ferro na rua, em frente da porta, cobre carvões em brasa. Os que eu vi sentados em bancos no interior das lojas, pareciam haver sacudido aquela melancolia congénita que lhes atribui, entregando-se a ruidosa alegria."
in Um Inverno nos Açores e Um Verão no Vale das Furnas, de Joseph e Henry Bullar, escrito em 1838-39, numa edição do Instituto Cultural de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, 1986.
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Ponta Delgada: cheira a mudança o ar do tempo!
Eis-nos em Ponta Delgada, a cidade de Antero de Quental, António Machado Pires, Tomás Borba Vieira, Zeca Medeiros, entre tantos outros, com o mês de Outubro ainda cheio de gente pelas ruas, com as lojas do centro a ganhar o colorido da estação outonal, com dias cada vez mais curtos e sombrios e a temperatura a solicitar outros tecidos, aquecimentos e agasalhos. O café Caziff, situado na Rua Dr. Guilherme Poças 12, detém uma pintura de uma deusa na parede, ao que parece pintada em estilo Art Déco por artista conceituado de origem nova-iorquina. É por aqui que se enceta o périplo citadino. Arrancamos, assim, sem temor à descoberta da luz e das sombras, à procura de medir o pulso à nova cidade que emerge desde a chegada das companhias aéreas associadas às Low Cost. A agenda cultural Yuzin está espalhada pelas mesas deste espaço acolhedor, às vezes café, por vezes bar, propenso a conversas e tertúlias, marcando desta feita o pontapé de saída e incursão pela cidade em mudança. A loja Louvre Michalense é visitada com curiosidade, perante um passado que é agora motivo de delicados e saborosos encantamentos. Este novo recanto centenário, que já foi chapelaria e loja de tecidos, foi lugar de exposição do pintor Domingos Rebelo no século passado. Agora é também local de encontro para pequenos-almoços, lanches e compra de presentes e iguarias de natureza insular. Entretanto, houve um lançamento na Tipografia Micaelense –“Livro Árvore”, design de Nuno Malato e Júlia Garcia, pequeno objecto tipográfico no seguimento de muitos outros que um grupo de designers locais se têm dedicado a fabricar com materiais de encher olho e com as subtilezas da tipografia antiga. As noites de poesia animam e, de que maneira, a Tasca da Rua de Lisboa nas noites de quinta-feira, pois por lá marcam presença Luís Andrade, editor dos “Capítulos A, B e C”- uma colectânea de poetas a residir nos Açores, ainda o jovem poeta Leonardo, autor do mais recente Âmbula, título que irá chegar em breve às livrarias nacionais pela Companhia das Ilhas, e com apresentação pública no final de Outubro, para além de outros conhecidos divulgadores ou activistas da cultura como João Malaquias ou João da Ponte. O dono de tão peculiar estabelecimento, Paulo Amado, é visto igualmente a ler poemas e a participar das sessões, por entre copos de tinto e presunto, não se esquecendo de arremessar uma ou outra farpa a poeta mais ardiloso. Incansável tem sido o trabalho da Galeria Arco 8, já com trinta anos no activo e com dez naquele actual barracão tão pertinho do mar. Há bem pouco foi tempo da dupla de músicos Medeiros/Lucas apresentar-se na Galeria Arco 8, momento para dar a conhecer as novas canções destes dois príncipes da Atlântida, desta vez com a companhia de Tó Trips, estando as paredes revestidas de fotografias da exposição “Código Postal: A2053N”, código de matrícula do arrastão “Joana Princesa”, do fotógrafo mariense Pepe Brix. Há poucas semanas estiveram por lá os músicos Zeca Medeiros e Rafael Carvalho, dois expoentes maiores do melhor que faz por terras açorianas, no que diz respeito à dicotomia musical entre a tradição-modernidade. Pedro Bento, responsável pelo Arco8, revela que tudo isto é feito com pouco ou quase nenhum apoio das entidades regionais. Neste momento, a fotografia é a rainha da sala de exposições com a reunião de diferentes autores em mostra designada de “OTIUM”. O Teatro Micaelense conta igualmente com uma programação profissional e regular, apostando essencialmente em nomes já afirmados no panorama musical, tendo sido ultimamente possível assistir aos concertos de Carlos do Carmo, do Sexteto de Jazz de Lisboa ou da açoriana “Bia”. Nesta incursão pela cidade, com francos sinais de renovação e vitalidade, houve tempo ainda para assistir na Ermida da Mãe de Deus à peça “A Passagem das Horas”, num texto de Álvaro de Campos, pela encenação e interpretação do actor Nelson Cabral. A peça seguiu entretanto para as Ilhas do Faial e Flores.
O ar do tempo está, portanto, pulverizado pelo
aparecimento de novos turistas através das companhias de baixo custo que
começaram a operar desde Março passado! As pensões, pousadas e hotéis repletos
e sem lugar para turistas pouco organizados. Estes que chegam ávidos de
conhecer a cidade fazem com que os taxistas sejam incansáveis à chegada do
aeroporto. Quase não há carros para alugar e o inglês é a língua que se impõe e
vibra com a vontade de ganhar dinheiro rápido. É uma cidade em movimento, com
muita gente curiosa para perceber e compreender que caminhos trilham o
comércio, a vida social e cultural da pequena urbe insular, talvez entender até
onde vai esta mutação ou o novo impulso dado ao centro citadino que até há bem
pouco tempo se encontrava vazio e exânime. O que se pode pedir mais a uma
cidade que está viva e se agita e balança no Outono e que vai mar adentro à
procura do mais fundo de nós, até não mais parar?
O Doce Canto das Caldeiras
A cantora Bia |
Quatro Poemas de Karmelo C. Iribarren
Ya Está
Ya poseemos
casi todo
lo que nos
iba
a hacer
felices
Puede
decirse
que lo hemos
conseguido
Ya está.
Ahora solo
nos queda
comprovar
hasta qué
punto
fuímos
sinceros
conostros
mismos.
Retratos del Poeta Adolescente
Un paquete
de tabaco
un libro de
poemas
cuarenta
duros
para tomar
unas cervezas.
Poca cosa,
es verdade:
pero para mi
era
suficiente.
Y entonces
aparecieron las mujeres.
Conviene no olvidarlo
No hay nada
Grátis. Ni
siquiera
lo que es
grátis es grátis de verdad.
Siempre
te lo
descuentan
de algun
sítio.
Lo Difícil
Enarmorarse
es fácil
Uno pude
enamorarse
-sin
demasiado esfuerzo –
varias veces
al dia,
a nada
que se lo
proponga
y se mueva
un poco por ahí;
y si es
verano,
ni te cuento
Enamorarse
no tiene
maior mérito
Lo realmente
difícil
-no conozco
ningun caso-
Es salir
entero
de una
história de amor.
60 Cêntimos e Pouco Sono
É aqui o fim da noite
crepitam linhas no papel
a insânia do teu esgar
devastado e danoso
como se anunciasse ao longe
o fogo das castanhas de Novembro
Os Dias Normais
Chegam
e vão-se
sem deixar rasto
e tu ficas a vê-los
a afastarem-se sobre os telhados
-e com eles, os anos-
e apenas sentes nada
ou sentes algo, vago,
que não sabes decifrar
são os dias
normais, os de sempre,
os que parecem que passam
à distância,
os assassinos
do amor.
Karmelo C. Iribarren
e vão-se
sem deixar rasto
e tu ficas a vê-los
a afastarem-se sobre os telhados
-e com eles, os anos-
e apenas sentes nada
ou sentes algo, vago,
que não sabes decifrar
são os dias
normais, os de sempre,
os que parecem que passam
à distância,
os assassinos
do amor.
Karmelo C. Iribarren
domingo, 11 de outubro de 2015
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
Capítulo B
A criação de colectâneas
corresponde a uma vontade de dar a conhecer um leque alargado de autores. Há, por
isso, neste Capítulo B um conjunto de poetas bastante diversificado e ainda
uma variedade de poemas para vários gostos, ideias e estéticas, o que por si só
é salutar e extremamente enriquecedor. As perguntas de hoje são evidentemente as mesmas de
sempre: quem são hoje os leitores de poesia? Que eco tem a poesia na sociedade
em que vivemos? Independentemente das respostas que possamos dar, o que há de
importante neste impulso editorial é o facto de ser portador de uma ideia comum
de comunidade poética. Estes autores surgem a partir de encontros semanais,
quinzenais e mensais em actividades públicas de poesia: o Poetry Slam de Ponta
Delgada, as quintas de Poesia na Travessa dos Artistas ou na TASCÀ, da Rua de
Lisboa. Muitos destes poemas foram lidos em público, obtiveram timbre e diferentes
ressonâncias junto dos seus ouvintes. Existe por aqui, tal como não podia deixar de ser, uma
enorme cumplicidade entre os autores destes Capítulos, sendo este um bom motivo
para uma maior divulgação desta compilação junto do público. É que a poesia é
um género com pouca divulgação em Portugal e nas ilhas, os poetas editados são, na maioria das
vezes, detentores de editoras, isto é, editam os seus próprios livros e editam
os seus parceiros e amigos. São, portanto, poucos os poetas editados que não
pertencem aos círculos da poesia amical, o que por um lado é sinal de
cumplicidade e qualidade garantida, mas denuncia, não poucas vezes, sinais de
estagnação ou cristalização estética. Ninguém quer, pois, arriscar uma edição
de poemas se não conseguir pagar os custos da mesma. Deste modo, saúde-se a edição de colectâneas e, esta em particular, que conseguiu assim reunir dois poemas de Carla Veríssimo, Eleonora Marino
Duarte, Fernando Nunes, João Malaquias, João Morais, João Quental Oliveira,
José Soares, Júlio Ávila, Leonardo e Luís Augusto. Boa leitura!
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Capítulos B – Poesia nos Açores
A edição é de 150 exemplares e
tem o preço simbólico de 2 euros. Luís Andrade coordenou, organizou e fez o
grafismo deste projecto apoiado pela Direcção Regional da Juventude, através do
programa "Põe-te em Cena". A colectânea reúne dois poemas dos
seguintes autores: Carla Veríssimo, Eleonora Marino Duarte, Fernando Nunes,
João Malaquias, João Morais, João Quental Oliveira, José Soares, Júlio Ávila,
Leonardo e Luís Augusto. Os pedidos deverão ser feitos para: capitulospoesia@gmail.com
Furnas
“Diz-se que certos indivíduos, que ao chegarem às Furnas parecem
montanhas de carne, no regresso a suas casas vão de tal modo magros que quase
os desconhecem os seus amigos. O processo consistiu em permanecer de molho umas
horas por dia em águas muito quentes, deixando depois que por espaço de mais
uma ou duas horas se opere o suadoiro de expurgo, para o que o paciente se
embrulha em grossos casacões de lã e envolve a cabeça e o pescoço em toalhas.
Os banhos produzem nestas pessoas um desgaste de reservas corpóreas semelhante
ao que a fome no Inverno causa num arganaz hibernante.”
in Um Inverno nos Açores e Um Verão no Vale das Furnas, de Joseph e Henry Bullar, edição do
Instituto Cultural de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, 1986.
Cantar com a Patti Smith…
“Talvez seja uma utopia do contra,
mais uma para a oposição do que para um governo, mas votar também é dizer não (como
não votar pode ser) e, ainda que eu não votasse neles para o governo, vários
candidatos, do Livre ao PCP, passando pelo Bloco, me parecem óptimos para essa
resistência: zero retrocesso na lei do aborto, direitos plenos para os
homossexuais, defesa do Estado Social, barreira contra os desmandos da Banca, a
antítese de uma cultura agradecida, decorativa, ufanista. A propósito, Pàf
assenta como uma bofetada nesta coligação. Portugal à frente de quê e para quê?
Da quantidade de portugueses que esta coligação fez sentir a mais? Será a
diferença entre patrioteiros e patriotas, mas sobre isso não me alongo. A ideia
de pátria não me interessa, o nacionalismo não ama mais, confina e distingue.
Interessa-me a ideia de amor a um lugar que se liga aos outros por isso mesmo,
não tem medo de se perder, está em toda a parte: partir porque é bom, ficar
porque é melhor. A vontade é que faz a casa. E aí podemos todos cantar com a
Patti Smith "people have power". Somos nós e não há outros.”
Alexandra Lucas Coelho in P2, dia 4 de Outubro de 2015
sábado, 3 de outubro de 2015
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
As Charlas...Versão Itinerante.
Tiago Vouga em "As Charlas Quotidianas
do Doutor Mara" (Agosto de 2015) |
O meu amigo, Tiago Vouga, regressou hoje ao continente português. O Tiago Vouga é o actor das "Charlas Quotidianas do Doutor Mara", excelente representação, por sinal. Sim, sou suspeito para dizer que este teve uma brilhante representação nas três vezes que a peça foi apresentada no Auditório ao Ar Livre da Biblioteca Municipal da Horta, durante o mês de Agosto. O Tiago Vouga e a Aurora Ribeiro actuaram para cerca de cento e cinquenta pessoas e, à semelhança de elementos do Teatro de Giz, também ele leu as Charlas na rádio Antena 9.
Agradeço-lhe, por isso, a generosidade, a humildade e simplicidade com que de forma voluntária, gratuita e empenhada se dedicou a este trabalho, a este texto e encenação colectiva. Durante este último mês, dedicámo-nos também a enviar propostas para dezenas de lugares que se ocupam destas coisas do teatro, da cultura e dos apoios a itinerâncias culturais. Gostaríamos, deste modo, que mais pessoas possam ainda assistir a este trabalho conjunto que nos deu tanto trabalho a realizar e levar adiante. O teatro tem este lado efémero, vive do momento em que assistimos e, por isso, tem que ser apoiado, divulgado, compreendido, valorizado. Em breve, contamos dar conta desses palcos em que terão lugar as Charlas do Doutor...Mara! Aqui: https://www.youtube.com/watch?v=0m_9pwmHtqc
Da Brumal Estação das Aves
Eis o marítimo Outono das aves,
Desfeitos elos envoltos
iluminado ócio da humanidade.
seca noite da cidade fria,
nuvens viajantes até ao infinito,
por rotas dos ventos e do mar,
As flores nas águas sorvendo,
teu perfil de ardente utilidade,
A infância de frente: envelhecendo,
convenção presente esclarecida
agora habitada.
agora habitada.
Desfeitos elos envoltos
iluminado ócio da humanidade.
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
Tudo o Que é Novo é Belo
De tudo o que é novo nasce um novo prazer,
mas eu sei que não é boa a jovem morte,
Ela fere pelas costas, e não é doce como o açúcar,
nem é como o vinho, nem como o sumo das uvas.
(Al-Hountay`a)
in Quatro Poemas Árabes, "O Bebedor Nocturno" - Versões de Herberto Helder.
Melancólico
"Quem nasceu melancólico realça a tristeza em tudo o que acontece."
Sigmund Freud in Correspondência (1873)
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