domingo, 31 de dezembro de 2023

Fim

       "Grupo de cineastas de todo o mundo apela ao cessar-fogo, à libertação de reféns e à criação de corredores humanitários."

in Público, 31 de Dezembro de 2023

terça-feira, 28 de novembro de 2023

1 de Dezembro no Corvo

"Três Haikais, um Peixe Surfista e Uma Canção de Amor para
o Areal" de
Fernando Nunes e Gabriela Oliveira
Fotograma de Gabriela Oliveira 
 


Oh Dear Shane MacGowan!

              Este blogue celebrou os 60 anos de idade do cantor irlandês, Shane MacGowan, evocando o concerto realizado no dia 15 de janeiro, em 2018, no National Concert Hall, em Dublin, na Irlanda. À altura, o momento épico deu-se quando, conjuntamente com o australiano Nick Cave, sentado numa cadeira de rodas e com um copo de tinto na mão, cantou "Summer in Siam" para uma audiência em delírio que, perante a vulnerabilidade do seu ídolo, celebrava a sua longeva idade cantando em uníssono.       
          Na manhã de ontem, um amigo que me acompanhou a um concerto no Porto dos Pogues, nos idos anos 90, enviou-me uma imagem de Shane na cama do hospital, enfermo e a definhar, e em que não consegui outra reação senão a mágoa, uma profunda tristeza e a nostalgia de um outro tempo que não volta mais. 
           Por esse motivo, nada melhor do que ouvir o tema Fairytale of New York, uma canção a condizer com a quadra actual e onde se ouve, logo a abrir, o enleio e a jovial voz deste cantor de mão cheia. Thank you, dear Shane!!!

Ionesco no Teatro Faialense

Teatro de Giz
25 anos 
 

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Pelo Livro, Sempre!

         “Ao chegarmos ao fim do ano de 2023, continuamos a constatar que nos Açores grande parte da população não lê, e, simultaneamente, verificamos que, por insuficiência pedagógica, com a introdução da digitalização dos manuais escolares, ou devido à acção de diversos tipos de captação e entretenimento, o livro esse alicerce maior da nossa cultura e da liberdade, corre sérios riscos de subalternização, ou pior, de ser olhado como objecto cultural ultrapassado e supérfluo.
            Conhecedor e consciente desta situação, entendo como dramático, a falta de sensibilidade e o total desinvestimento nesta área por parte dos decisores políticos. Continuamos a constatar que grande parte dos açorianos nunca usufruíram do prazer da leitura, nunca tocaram, ou folhearam um livro novo que se dispõe a ser lido e a retribuir generosamente o fascínio ao seu leitor.
          Para a sua concretização, torna-se fundamental criar hábitos de leitura. Quer fazendo chegar o livro a todos os lugares onde residem os seus potencias leitores, quer desenvolvendo múltiplos processos de sedução que valorizam sempre o livro com uma misteriosa riqueza espiritual partilhável, positiva em todas as suas vertentes.”

 in Manifesto pela Leitura, José Carlos Frias, Correio dos Açores, 29 de Ouaubro de 2023.

Da Memória

         "Por que razão somos capazes de rememorar acontecimentos da nossa vida pessoal que remontam à infância, enquanto factos com semanas de existência se apresentam completamente obscuros?"
Ana Cristina Leonardo, Ípsilon, 13 de Outubro de 2023.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Da Arte de Governar

         "Já disse relativamente a mim própria e muitas pessoas várias vezes: só não erra quem não faz. E às vezes nós temos quase uma tendência para ficar paralisados...Quem está parado não erra, mas não pode ser. Governar não é ficar parado."

Alexandra Leitão in Público, 15 de Novembro de 2023

domingo, 12 de novembro de 2023

Festival O Mundo Aqui: Dá-lhe Corda!

     
                É uma festa que acontece todos os anos em Novembro e junta gente de muitas proveniências num único espaço: Multiusos das Portas do Mar. Há comida, artesanato, artes visuais e muita música para absorver num espaço de dois dias. Aqui dá para saborear as comidas e bebidas dos países de gentes que vivem e trabalham por cá - cachupa, muamba de galinha, feijoada, tacos, chamuça, ou beber um grogue, provar uma caipirinha ou degustar uma sobremesa como o bolo de coco ou cenoura, esteios de uma gastronomia variada.  Dois dias, assim, para degustar os sabores da mistura, ou simplesmente, reconhecer a nossa história comum, as diferenças que permanecem e que podiam progredir para conceber e aceitar, portanto, um património cultural conjunto.
           Desta feita, a noite de sexta-feira trouxe dois mundos próximos ainda que distintos no universo da música tocada por cordas, tendo o serão iniciado com o Trio Origens e o seu reportório cada vez mais variado, persistindo (e bem!) no cancioneiro açoriano e arriscando cada vez mais num conjunto de temas originais assentes na tradição e possibilidades da viola dos dois corações, aqui adicionando um violino. Estão de parabéns César e Rafael Carvalho e Carolina Constância. De seguida, amarou o músico gambiano, Mbye Ebrima, oito anos depois da sua primeira apresentação em São Miguel na Academia das Artes neste Festival “O Mundo Aqui”, organizado pela AIPA (Associação de Imigrantes  nos Açores).  Os sons extraídos da kora de Mbye Ebrima, sempre com o seu sorriso e o seu porte e altura de tal figura esfíngica, são hipnóticos e funcionam como mantras de apelos à paz e ao amor. Na noite de sábado, a banda de Leo da Luz & Banda, de origem cabo-verdiana, soube aquecer o público e preparar o espaço e a mente para as danças aconchegantes e o canto cálido e exuberante de Don Kikas, num regresso aguardado à ilha onde viveu. Esta é, pois, a mistura que nos une, não a guerra, a cultura de que as artes da gastronomia e da música são férteis, algo que nos fecunda na esperança de um mundo outro, onde seja possível a diferença e a diversidade.

Ontem, escrito numa parede da cidade

O polvo veio comer-me à mão 

domingo, 5 de novembro de 2023

Quem se lembra dos Dexy´s Midnight Runners?

         "Não conheço nenhuma outra banda que escreva acerca das outras coisas concretas que, agora, escrevo nem que publique um álbum conceptual com uma narrativa que lhe ofereça unidade. Talvez apenas os Primal Scream. Bobby Gillepsie. Ele, ao menos, esforça-se por criar algo diferente. " 

Kevin Rowland in Revista Expresso, 13 de Outubro, 2023

Da Vida

    A vida é insignificante se não está inspirada por uma vontade indomável de superar os limites.

Ortega y Gasset 

sábado, 4 de novembro de 2023

Verso de Filipe Furtado

 Dizem que tenho de ir ao Brasil 

Lenda de Rui Costa

 horas de crepúsculo a enfeitar melancolias 
na palma dos teus olhos  que agrafam gestos 
quando eu me movo tu dizes que sou belo
e rimos consagrando a nossa lua ao tempo
por menos que um desejo abrimos o segredo 
dos órficos duendes nas rias de Gonery
lembro-me de um pano colorido que voou 
quando abrimos as janelas 
e o mundo ardia 
Gostavas da vida. sou igual a ti, um lobo espreita
a tua cara que nunca foi a mesma. a erva cresceu.
no entanto algo nos une. sinto conforto nisso.

in A Nuvem Passageira das Pessoas Graves, Quasi Edições, Maio de 2005. 

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Ilustração de Luís Miguel Castro (V)

             in Cântico dos Cânticos 
        Apresentação de Agustina Bessa Luís
                 Três Sinais Editores, 2001

sábado, 28 de outubro de 2023

Hoje, às 18h30, no Arquipélago

Fotograma de "Três Haikais, um Peixe Surfista e uma Canção
de Amor para o Areal"
, 2023, 8´m.
inserido no FUSO Insular 2023

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Pano Para Mangas (V)

Tânia  Neves dos Santos 
 

Da Arquitectura

       "Permitam-me: vale a pena olhar este edifício, descobrir partes por descobrir, porque cada olhar é uma outra lupa...vale a pena pensar o que dele emana da actualidade do desenho e tantas outras reflexões...E vale a pena o dono da obra promover a acção da recuperação original de todo o imóvel, em particular dos seus espaços interiores." 

Albino Pinho in Roteiro de Arquitetura dos Açores, Açoriano Oriental, 25 de Outubro de 2023.

domingo, 22 de outubro de 2023

Da Escola Pública

           "Os direitos democráticos não são permanentes e a memória não é só uma coisa do passado: recordar o que aconteceu para evitar danos futuros" avisa o dramaturgo. Os professores eram, talvez, e como os poetas, os grandes representantes da Segunda República: queriam transformar o país um aluno de cada vez. Com isso, encontraram muita resistência", continua. Esta peça, diz, realça o importante trabalho dos professores (do passado e do presente) e é também, como Conejero, já dissera ao El País, uma homenagem à escola pública, lugar capaz de "romper as classes sociais". "Venho de uma família muito humilde. Se hoje dou esta entrevista e fui capaz de ser autor e fazer teatro, é porque tive a sorte de ter professores na escola pública que me permitiram aprender, sonhar, imaginar outros futuros."
     
         Entrevista a Alberto Conejero a Daniel Dias, Jornal Público, Ípsilon, 13 de Outubro de 2023.

Muito obrigado, Carla Bley!

Carla Bley
 (11-05-1936 - 17-10-2023)

Fotografia Margarida Quinteiro 

 

sábado, 21 de outubro de 2023

Um Poema Visual para o Areal

       
Três Haikais, um Peixe Surfista e uma Canção de Amor para o Areal
Fotografia de Gabriela Oliveira

       A ideia surgiu na edição do FUSO Insular do ano passado após a Gabriela Oliveira me ter convidado para narrar o  seu pequeno filme "Itinerário". Surgiu, assim, deste modo a vontade de pensar numa ideia que fosse possível materializá-la no laboratório de imagens da edição do Fuso Insular deste ano. Ao mesmo tempo acreditar nesta escola estival, destinada à aprendizagem marcada pelo experimentalismo, aberta à liberdade criativa e ao conhecimento teórico do mundo das imagens, e que desta feita reactivasse um contacto ainda mais profundo com as imagens em movimento. 
        Esta ideia de criar um filme, a partir de imagens e dos sons, era já muito antiga,  e foi isso que levou ao projecto inicialmente apresentado que trazia já dentro de si este "Três Haikais, um Peixe Surfista e uma Canção de Amor para o Areal". O cinema é um trabalho coletivo e foi isso mesmo o que se veio a passar. Este pequeno filme materializa uma ideia em oito minutos, juntando as imagens captadas pela câmera da Gabriela Oliveira, a música de Filipe Furtado e a montagem de Elliot Sheedy, para além das sessões de apresentação no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas. 
          E, perguntam: qual é o leit-motiv deste documentário de cariz poético-musical? Trata-se, sobretudo, de fixar um momento, neste caso particular uma vivência, um tributo/homenagem a um lugar de pertença que se encontra em mudança: o Areal de Santa Bárbara. Durante os meses de verão socorri-me da paciência e da boa vontade da Gabriela Oliveira e fomos à procura desse movimento inusitado no Areal. Intuímos, portanto, o imprevisto e o improviso na Cervejaria do senhor Manuel Furtado, estabelecemos as coordenadas e ligação ao músico açoriano, Filipe Furtado, imersos naquela festa domingueira do Espírito Santo, na Ribeira Seca. É, para nós, uma alegria podermos contar com a banda sonora deste músico açoriano, numa aventura sonora deambulante, poética e memorial, mantendo-se fiel ao seu registo bossajazístico, e que ao piano, por vezes, lembra o músico sueco Jan Johansson. O resultado final é um documento fílmico em torno do Areal e das memórias de quem se dispõe a narrar.
           Por último e, com a devida vénia ao trabalho de montagem, aqui realizado pelo músico e cineasta norte-americano, Elliot Sheedy. Ele que desenvolve trabalho continuado e permanente num universo de cariz alternativo, crítico mordaz da sociedade contemporânea, prestes a estrear a sua primeira longa metragem. Neste nosso pequeno filme, alcandoramos algumas fragilidades no trabalho e conhecimento de Elliot Sheedy, pois foi ele quem juntou as peças  e articulou os sons e as imagens, com o devido guião de orientação, evidentemente.
         Por essa razão, enquanto parte interessada e interveniente neste processo criativo, deu para entender que  "Três Haikais, um Peixe Surfista e uma Canção de Amor para o Areal" é o resultado dum esforço colectivo marcado pelo  ímpeto e paixão pelo mundo das imagens em movimento, a dita sétima arte. Que todos e todas ocorram ao Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, no dia 28, às 18h30, à blackbox e que possam assistir à estreia deste e dos outros filmes, realizados durante o laboratório de imagens do Fuso Insular de 2023.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Brisa de Joaquim Castro Caldas

Já não faço amor
só amo
só o amor une grande
a independência
à liberdade
 
não ler é como ter
vergonha de perguntar
- amas-me?

não há uma razão do sémen
para os poetas se repetirem
os homens não os ouvirem
não ler é como ir ver o mar
e não olhar para o mar.
 
in "Só Cá Vim Ver o Sol", Quasi Edições, Março de 2004.

domingo, 15 de outubro de 2023

Verso de Leonard Cohen

 You must learn what makes me kind

Ilustração de Luís Miguel Castro (III)

in cântico dos cânticos
Apresentação de Augustina Bessa-Luís
Três Sinais Editores, 2001





Da Escola

        "Na sociedade em que vivemos, a escola é o único espaço onde há possibilidades de humanização, de lutar contra a intolerância e de, como diz o Gonçalo M. Tavares, de nos educar para a gentileza."

Eusébio André Machado, in Jornal de Letras, Outubro de 2023.

1497 e Outras Peças de Teatro de Claudio Hochman

Araucária Edições, 2023

 

sábado, 7 de outubro de 2023

Da vida

 A vida é curta e o dinheiro também.
                                                                                                                 Bertolt Brecht

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Sombra

Cai a tarde e tudo se esconde
Adeus ao dia, à sua curvatura,
A capa da alegria 

Lupinos de Seamus Heaney

 Ali estavam. E estavam com sentido. Só pelo facto de estarem.
Perfilados. Inacessíveis. Mas ali
Com certeza. Com certeza e inabaláveis.
Flores em dedos rosa de alvorada e azul meia-noite.

No início, um cacho de sementes, róseo e anil,
Peneirando leveza e ansiosa, ténue promessa:
Pináculos de lupino, erótica do porvir,
Pincel de bâton do azul e profundo ganho da terra.

Ó torreões de lápis de cor, vagens e caules que afunilam,
Aguentando firmes as nossas andanças de Verão,
E que mesmo quando empalidecem não vacilam.
E nada disto excedeu a nossa compreensão.

in "Luz Eléctrica", Tradução de Rui Carvalho Homem, Quasi Edições, 2003.

Ilustração de Luís Miguel Castro (I)

in cântico dos cânticos, apresentação
Augustina Bessa-Luís, Três Sinais Editores, 2001

Mulher I de Victor Bernardo Almeida

Obra presente na Exposição: "No Feminino
CMC, 2022.
 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

O mês de Outubro na Yuzzin

           A Yuzzin deste mês de Outubro aposta uma vez mais numa capa onde sobressaem as cores preta e branca,  muito provavelmente a tentar ajustar-se com a mudança de estação e da hora que se avizinha. É certo que estamos ainda com muita humidade no ar e com alguns dias solarengos a lembrar o verão. Portanto, há ainda muito para aproveitar nestes dias quentes e abafados antes da chegada  de mais um Inverno longo e líquido, à semelhança dos anos anteriores. Nesta edição da Yuzzin temos muita informação da atividade cultural insular, sendo este um belíssimo serviço público que a Associação Silêncio Sonoro presta à comunidade micaelense. É da política da agenda ir descobrindo mensalmente vários artistas e criadores, desta vez foi a artista Sara Massa,  uma artista plástica micaelense, e o Atelier Mezzo,  colectivo de arquitectos, há já algum tempo no terreno. A oferta musical é vasta e variada, basta por isso constatar que este mês há (dia 14, blackbox do CAC - Arquipélago), o concerto de Filipe Furtado Trio. Ainda no que concerne à música, o Ateneu Comercial (dia 21, às 21h30), oferece-nos um concerto com o argentino Santiago Córdoba. Este é também o mês do Fuso Insular, uma mostra anual de videoarte, regressar em força a Ponta Delgada e à Ribeira Grande no final de Outubro. A programação deste festival gira em torno da Igreja do Colégio e a blackbox do Centro de Artes Contemporâneas - Arquipélago, numa programação marcada pelo experimentalismo, a liberdade criativa e a aprendizagem teórica do mundo das imagens. A conhecer para quem ainda não conhece.

Uma frase de Bertolt Brecht

 A ciência conhece apenas um mandamento - contribuir para a ciência.

O Pianista do Triângulo

Francisco Lacerda 
     A primeira vez que escutei, ao vivo, a música do açoriano Francisco Lacerda foi, em Novembro de 2012, no foyer do Centro de Congressos de Angra do Heroísmo num concerto de Luísa Alcobia, acompanhada ao piano por Grigory Grytsyuk, numa encantadora viagem pela música dos séculos com as partituras de Mozart, Schubert, Fauré, Erik Satie e Luís Freitas Branco.
      Recentemente, deu-se, um pouco por todo o arquipélago açoriano, os “Encontros Sonoros Atlânticos”, um programa de concertos alicerçados/inspirados na obra do compositor e maestro, natural da Ilha de São Jorge, Frederico Lacerda. Foi, também, nesse mesmo catálogo, que nos deparamos com uma fotografia do músico jorgense digna de constar de qualquer biografia musical. Esta pícara e acrobática fotografia foi, muito provavelmente, tirada nos início do século XX, numa viagem de barco algures a meio do Atlântico. Quem terá sido o fotógrafo? 

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Da Felicidade

 

Elegia Múltipla (III) de Herberto Helder

 Havia um homem que corria pelo orvalho dentro.
O orvalho da muita manhã.
Corria de noite, como no meio da alegria,
pelo orvalho parado da noite.
Luzia no orvalho. Levava uma flecha
pelo orvalho dentro, como se estivesse a ser caçado
loucamente
por um caçador de que nada sabia.
E era pelo orvalho dentro.
Brilhava.
 
Não havia animal que no seu pêlo brilhasse
assim na morte,
batendo nas ervas extasiadas por uma morte
tão bela.
Porque as ervas têm pálpebras abertas
sobre estas imagens tremendamente puras.
 
Pelo orvalho dentro.
De dia. De noite.
A sua cara batia nas candeias.
Batia nas coisas gerais da manhã
Havia um homem que ia admiravelmente perseguido.
Tomava alegria no pensamento
do orvalho. Corria.
Ouvi dizer que os mortos respiram com luzes transformadas.
Que têm os olhos cegos como sangue.
Este corria assombrado.
Os mortos devem ser puros.
Ouvi dizer que respiram.
Correm pelo orvalho dentro, e depois
estendem-se. Ajudam os vivos.
São doces equivalências, luzes, ideias puras.
Vejo que a morte é como romper uma palavra e passar
 
– a morte é passar, como rompendo uma palavra,
através da porta,
para uma nova palavra. E vejo
o mesmo ritmo geral. Como morte e ressurreição
através das portas de outros corpos.
Como uma qualidade ardente de uma coisa para
outra coisa, como os dedos passam fogo
à criação inteira, e o pensamento
pára e escurece
 
– como no meio do orvalho o amor é total.
Havia um homem que ficou deitado
com uma flecha na fantasia.
A sua água era antiga. Estava
tão morto que vivia unicamente.
Dentro dele batiam as portas, e ele corria
pelas portas dentro, de dia, de noite.
Passava para todos os corpos.
Como em alegria, batia nos olhos das ervas
Que fixam estas coisa puras.
Renascia.

Herberto Helder (1930-2015), "A Colher na Boca"

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Ilustração de Luís Miguel Castro

Três Sinais Editores, 2001
in Lamentações 
Apresentação de José Pacheco Pereira

 

Não São Poemas de Rui Costa

Não são poemas o que eu escrevo.
São casas onde os pássaros esperam.
Nas suas janelas coincide o mundo.
Nos seus esteios resvalam gigantes.
Algumas vezes ódio.
Algumas vezes amor. 
Não são mortalhas incondicionais  do medo.
O HÓSPEDE DA CASA NÂO 
TEM O DEVER DE SER FELIZ!
Não são poemas que eu escrevo.
São espelhos onde os rostos principiam.

in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves,  Quasi Edições, Maio de 2005.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Verso de André Abujamra

 Percebam que a alma não tem uma só cor 

O Mergulho de Rui Machado

"Parte do movimento e da urgência dos sentidos.
A urgência, porém, consome tudo: consome a vida.
Arrasta-nos para a solidão.
Se for urgente, estamos sós. Que dizer, realmente sozinhos, com  as janelas da cabeça fechadas, as portas fechadas, ou nem sequer ter portas nem janelas. Ser-se um espécie de muro do mundo: a última barreira.
A cidade estava deserta. 
Chovia________ mas na verdade havia um grande encanto nisso, porque ele nem sempre imaginara uma visão assim: a visão duma cidade de cara lavada sem o afã da multidão nem o corrupio dos automóveis. 
Apenas as praças, as ruas, as casas, os jardins, os pequenos recantos.
A vida pacata no interior destas casas de bairro, agora duplicadas no chão alagado_________
É claro um pouco de atenção nos levaria a entrever toda a espécie de ruídos característicos de uma pequena  urbe portuária, como  a roda-viva do trânsito alvitrando ao longe a delicada manobra dos cargueiros, tanto a entrar como a sair do molhe. Mas a todos se sobrepunha esta permanência, este vazio______ perante o qual sentiu o chamamento da solidão interior." 
iPortugália Editora, Janeiro de 2009

sábado, 16 de setembro de 2023

A Natureza da Ausência*

Sem título, 1997-98
António Palolo 
Galeria do Centro Municipal de Cultura - Ponta Delgada*
Colecção de Obras de Arte Contemporânea 
Fundação Altice 

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Da Mesma Substância de Rui Lage

 ao Manuel António Pina
isso 
que assobia nos meninos de bairro,
racionada farinha da primavera 
siderado papel sem tintas de morte
amadurando no amor
(e o amor ciente disso),
isso
que lia como notícias da fome em África 

Meia maçã tão só seguiu a lei de Newton
tomou para si a larva outra metade
e cinge a gigante vermelha, num rapto,
o caroço mesmo da branca anã

As fivelas que mastigo
contra o céu da boca,
as espaldas do olhar
esmoendo-se em pó
como se respirasse  contra a evidência
de alguém que tropeça 
num fio de oxigénio.

in Berçário, Quasi Edições, Maio de 2004. 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

A Natureza da Ausência*

Campéstico, 1996
Álvaro Lapa 
Galeria do Centro Cultural do Centro Municipal de Cultural - Ponta Delgada*
Colecção de Obras de Arte Contemporânea 
Fundação Altice 

 

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Dos Alfarrabistas

         "Como cliente de alfarrabistas e livros usados, interessam-me, contudo as marcas do leitor comum. Se um livro tem um autógrafo do autor, interrogo-me em que circunstância o terá o leitor recolhido; se num livro de poemas há um verso sublinhado, releio-o atentamente para lhe tentar discernir a importância - e espanto-me com os pontos de exclamação, questiono os de interrogação, demoro-me a compreender a sinalética variada, os asteriscos, as reticências, os parêntesis curvos e reto. 
    As livrarias alfarrabistas são os pulmões culturais da cidade por onde respiram os escritores, mas também os seus leitores."

Fátima Vieira in "As livrarias alfarrabistas são os pulmões culturais da cidade", Público, 11 de Setembro de 2023.

A Natureza da Ausência*

Viagem à Volta do Meu Quarto, 1990
Joaquim Bravo 
Galeria do Centro Municipal de Cultural- Ponta Delgada*
Obras da Colecção de Arte Contemporânea
Fundação Altice

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Tens que vir vestido à cebola

sábado, 9 de setembro de 2023

Verso dos Go-Betweens

And how I miss your quiet heart, quiet heart. 

À memória de Stéphane Hessel

       Foi por esta altura, há mais de trinta anos, no Festival de Cinema da Figueira da Foz e, através do filme, "Der Diplomat", de Antje Starost e Hans Helmut Grotjahn, que conheci a figura de Stéphane Hessel. 
       Quem foi Stéphane Hessel? Nascido na Alemanha, em 1917, naturalizou-se francês em 1937, tornando-se embaixador e diplomata ao longo da sua existência, pertencendo à resistência francesa e foi agente do Bureau Central et Renseignements et d´Action, os serviços de inteligência francesa. Acabei, por isso, de encontrar um livro da Planeta Editora de uma entrevista de Stéphane Hessel por Gilles Vanderpooten. Trata-se dum libelo propositivo sobre o futuro das sociedades em que vivemos, uma reflexão viva sobre os direitos humanos e o estado do mundo. À altura, 2011, não tinha havido uma pandemia nem existia uma guerra às portas da Europa, mas vale a pena pensarmos com alguém que esteve sempre na defesa da dignidade e liberdades humanas. 

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Dormir Vestido de João Luís Barreto Guimarães

Despede-te 
todos os dias de cada coisa 
que amas ( a vida é um veneno que
 só se toma 
uma vez). Descansa os olhos no mundo
(a dor 
assinala o centro)
há uma flecha em viagem com o nome 
de cada um. É como 
apanhar boleia no guarda-chuva de alguém
(deves pagar a viagem exigindo 
segurá-lo). Ou 
como dormir vestido (estar sempre 
pronto a partir ) levando 
em ti o
que aprendeste na universidade 
do interior.

in Aberto Todos os Dias, Quetzal Editores, Janeiro de 2023.

A Natureza da Ausência*

Sem título, 1997-98
António Palolo
Galeria do Centro Municipal da Cultura - Ponta Delgada*
Obras da Colecção de Arte Contemporânea
Fundação Altice
 

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

ASB

 


O Provérbio

 Chuvas verdadeiras, em Setembro as primeiras
                                                                                                                    in Borda D´Água, edição 2023.

Elis&Tom de Rodrigo Oliveira

     
Capa do Disco Elis&Tom
Institituto António Carlos Jobim 
Numa destas noites estivais, ainda que com frescor nocturno, foi possível assistir numa sessão de cinema ao ar livre, no espaço Solar, em Vila do Conde, ao documentário oriundo do Brasil, "Elis & Tom” de Rodrigo Oliveira.”. O autor do documentário  decidiu ir ao encontro da criação desse disco fundamental da música popular brasileira. Este abre com a canção “Águas de Março” do compositor da Tijuca, nascido no Rio de Janeiro, que com a genialidade da voz de Elis, transformaria este encontro num diamante ainda hoje celebrado. 
      “Elis&Tom”, de Rodrigo Oliveira, trata-se de um documentário fundamental para perceber essa ligação criada para este disco de dois dos maiores astros musicais do Brasil. Esse elo musical ainda hoje lembrado, recordado, em que a perfeição espreitou o sublime e tudo convergiu para que esta fusão fosse possível. Na verdade, um documento poderoso, enérgico, pressentido pela filmagem em super 8 daquele ambiente em estúdio e da atmosfera pesada inicial, sendo exemplarmente combinado com os depoimentos de amigos e participantes, mantendo sempre aquela fluência e envolvência da língua portuguesa, aqui expressa pelos irmãos brasileiros, símbolo de uma cultura que nos orgulha e dignifica.

A Natureza da Ausência*

Erros 44 (Mecânico), 1995
Eduardo Batarda 
Galeria do Centro Municipal da Cultura - Ponta Delgada*
Obras da Coleção de Arte Contemporânea
Fundação Altice 

 

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Setembro

         Vindimar. Ceifar arroz. Colher amêndoa. Estercar as terras semear no Minguante. No Crescente continuar a semear centeio e cevada. Nos pomares, aquando da última apanha da fruta, dar início à poda e limpeza das árvores. Enxertar (em fenda) cerejeiras, macieiras e pereiras e curar a calda. Na Horta semear, ao ar livre e local definitivo, agrião, cenoura, chicória, feijão, nabo, rabanete, repolho, salsa, em canteiro, acelga, alface, alho-porro, cebola e tomate. Plantar com as primeiras chuvas, os morangueiros, regando até pegarem. Colher feijões e cebolas maiores para semente. No Jardim ir preparando composto e semear amores-perfeitos, begónias, cravos, gipsófilas, margaridas, malmequeres, miosótis, papoilas e as de florescimento primaveril. Plantar bolbos de jacintos, tulipas e narcisos.

in Borda D´Água, Editorial Minerva, Lisboa

Verso dos Purple Mountains

 All my happiness is gone 

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Fim de Agosto

   Lembro-me de quando Agosto encerrava, quando este mês cumpria o derradeiro dia, os meus olhos humedeciam. Não sei precisar em que altura é que isto aconteceu mas sei que já possuía a consciência de que a felicidade tinha prazo de duração. A felicidade terminava no instante em que deixávamos de ouvir a palavra Agosto pronunciada amiúde em todos os lugares aí frequentados: na praia, na esplanada, no quiosque, no café, nas conversas entre amigos. Os últimos dias de Agosto eram vividos com tal intensidade que ninguém se lembrava das horas para almoçar ou jantar e o regresso a casa era feito quando o sol se despedia. O último dia de Agosto era o verdadeiro sinal de que todos nós morríamos um pouco, não que o verão findasse ali, mas porque de um momento para o outro tudo se esvaziava, o silêncio impunha-se de forma cruel e violenta, e já não sabíamos o que fazer quando Setembro entrasse de rompante. Recordo, também, um primeiro dia de Setembro em que a praia se encontrava deserta e por isso não quis olhar o mar, cerrei os olhos e voltei de imediato para casa. Esperava-me um calendário que ainda não tinha sido alterado e assim permaneceu até ao ano seguinte.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Azores Burning Summer: Chuva de Estrelas!

             
         O que seria de nós sem pés para andar na areia, caminhar no asfalto e galgar ladeiras? E ainda...o que faríamos sem sons, sem divas para ouvir, sem músicos e guitarristas para contemplar esta música que nos acalme este fogo interior?
       Aqui estamos nós, no final de Agosto, a perceber o significado de um festival que glorifica o contacto com a natureza e faz da música uma experiência única e inesquecível. Burning Summer Festival impõe-se, assim, como uma montra de valorização e engrandecimento da música que se faz em Portugal e da dita "world music", incitando ainda um diálogo com povos que nos são próximos, isto é, aqueles que partilham a mesma língua, para além de sessões de filmes que captam a atenção dos cinéfilos. A romaria, no entanto, é só no fim de semana dos concertos. 
        Falhada a presença no documentário "Entre Ilhas" de Amaya Sumpsi (desculpa, Amaya!), impunha-se o visionamento de "Cesária Évora", de Ana Sofia Fonseca. Foi muito interessante a descoberta deste trabalho documental exaustivo em torno da diva dos pés descalços e que nos conta o quão importante foi Cesária Évora para a descoberta da música e dos músicos caboverdianos. Cesária Évora atingiu um sucesso retumbante à escala global e viveu a música com tanta intensidade que somos contagiados pela sua forma de estar e sentir. Uma verdadeira explosão de emoções da cantora de Sodade, nascida na cidade de São Vicente, Ilha do Mindelo. 
         A noite de sexta feira trouxe os "Club Makumba", ainda sem sinal de chuva, com a presença de Tó Trips (guitarrista) e João Doce (baterista), dois conhecidos de outras andanças no território açoriano. Este concerto revelou-se uma aposta ganha com os típicos diálogos rítmicos, tribais, ora lentos ora acelerados. A adesão do público foi geral e no final não havia vivalma que não mexesse um pouco as ancas. Seguiu-se depois Selma Uamusse, uma moçambicana de alma e coração, numa entrega assaz emotiva, a lembrar o poema de José Craveirinha - "As Saborosas Tangerinas de Inhambane", dito por João da Ponte na Tascá da Rua de Lisboa, aquando da sua primeira vinda aos Açores. A cantora actuou com uma banda competente devota da sua alegria e versatilidade, evidenciada nas modulações da sua voz cálida num reportório dançável, vivo. Pouca sorte tiveram os "Arp Frique" que, apesar de demonstrarem um apetite imenso pelo groove e demais ritmos dançantes, entretanto o público afastou-se para a cobertura já que as chuvadas abundantes não deram tréguas, uma pena para Marilonah Copra que não parou de soltar slaps no seu baixo até ao cair do pano.
         A noite de sábado abriu com com a pop dançável e adocicada dos "Filipe Karlsson", banda que embalou o público com as suas canções relaxadas para quem gosta de som tranquilo e descontraído, à procura de baías com palmeiras e esplanadas com daiquiris. Seguiu-se esse monstro de palco, Paulo Furtado, inventor desse longevo projeto sonoro - "The Legendary Tiger Man"- que levou os admiradores à loucura, descendo, nos momentos finais, para junto dos fãs num grito incessante até que a sua voz se esfumasse - "Rock and Roll". Por último, os "Mirror People", projecto do ex-"X-Wife", João Maia, e que tinham como missão encerrar o festival com a sua electrónica limpa e escorreita, carregada de memórias e batida dos New Order, sem escusas para ninguém ficar parado. 
        A não esquecer que, pelo meio, antes ou depois dos concertos, tivemos a presença de dj set´s na praia e no interior do recinto, pois houve sempre música gravada a rodar pelas mãos de Isilda Sanches, Pedro Tenreiro, Laura & Mesquita, Quaresma & Galopim, Dj Piu Piu, Dj Zelecta, Dj Milhafre, Las Máquinas, entre outros, dado que com tanta queda de água, estes foram imprescindíveis para animar de sobremaneira este memorável aquoso festival na Praia dos Moinhos de Porto Formoso.

Desenho de Luís Roque

in Artes de Pesca Artesanal nos Açores 
Autor Luís Rodrigues 
 

Cahiers du Cinema

Capa da Change is God 
José Albergaria 
Colecção Designers Portugueses