Ilustração de Pedro Valim |
Solar dos Manaias, PDL, 31 de Dezembro de 2013
Caro Amigo Janeiro,
Respondo-lhe
de imediato pois perdi mais uma sebenta onde vou apontado tudo o que me
acontece durante estes dias em que estou adunado a Miriam Manaia. Estou certo
que ela se encontra a viver um bom momento da sua existência, assisto ao seu
dinamismo e vejo-a muita atenta a todos os movimentos em redor. Suspeito, no
entanto, que não é só à minha pessoa que Miriam disponibiliza os seus sorrisos e
esgares, já que ultimamente só lhe ponho a vista em cima nos jantares de fim de
semana ou quando há algum evento literário em que necessita da minha companhia.
Já lá vão os tempos em que subia a rua do Colégio ao fim da tarde com o braço dado a Miriam Manaia, a mais bela e
inteligente dos Manos Manaia.
Tento, por
isso, não me tornar muito ocioso com este tempo livre facultado pelo recente desapego
de Miriam ou de ficar muito obcecado com
a ausência desta misteriosa mulher, continuando desta maneira a escrever nos meus canhenhos
bem como observando a natureza e geografia em redor, que como bem sabe, é rica
em diversidade e tonalidades de verde. O meu amigo sabe certamente que o ócio
era o nome que os gregos davam à escola, ao tempo de reflexão e aprendizagem, e
que era o oposto de negócio. Tenho, portanto, no período em que estou com a
minha anfitriã, aprendido a olhar para o mundo de diferentes perspectivas e
procurar respostas certeiras para o tempo em que vivemos, ao mesmo tempo que
faço um esforço para compreender a realidade circundante e ver tal e qual ela
é. Aproveito desta feita para falar com o máximo de gente possível.
Com a Miriam,
nos últimos tempos, temos entregue o tempo das manhãs de sábado a longos passeios
junto do mar e onde falamos de trivialidades e demais banalidades, conversas
onde debatemos como o nosso corpo é essencialmente composto por 70% de água
ou ainda o anúncio para breve da privatização da água por este Agregado
Nacional de Sábios da Numerologia vulgo Comissão de Extinção de um País. Tal
como ela, nasci bem perto do mar, junto de paisagens marítimas e foram, de facto,
muitas as noites de festa da juventude em que nos perdemos junto da areia do
mar. Evito evocar neste instante o nome de Eros mas seria uma
irresponsabilidade não identificar o mar com uma mulher, o que me permite
expandir o meu olhar e em que só muito mais tarde regresso a mim independentemente
de quem me espera. A nossa alegria tem
sido muita ao podermos partilhar esta memória líquida e origem ancestral com
toda a humanidade e por isso assusto-me só de pensar que Miriam possa estar enamorada
por alguém que não eu. Nos próximos tempos Miriam terá que se ausentar durante
algum tempo e julgo que esse tempo será para mim esclarecedor. Há dias,
juntamente com o livro “A Condição Humana” da filósofa Hanna Arendt, deixou-me um bilhete enigmático
e misterioso que declarava o seguinte: “
Espero que continues a sentir acolhido e que nada te falte por aqui”. Nutri
uma enorme alegria nas palavras de Miriam, enobrecido pela hospitalidade mas
também pressenti algum afastamento que espero não corresponder à realidade.
Termino esta
missiva augurando ao meu amigo Janeiro umas boas entradas no seu próprio mês e
que seja um ano repleto de muita saúde e muito dinheiro (os sábios agora dizem que já
não há…onde é que foi parar?) e por isso, meu bom amigo Janeiro faz mais falta que no início do mês do ano
anterior.
Abraço-lhe com doze passas no bolso,
seu servo, Doutor Mara