Um ano passou e com ele os doze meses
findaram. Partem assim sem querer mais nada com a gente. Continuaremos daqui a
pouco, certamente, com a energia de sempre. Poderia ter gostado muito deste ano, mas há igualmente coisas para lembrar e outras
para esquecer, semelhante a todos os outros anos. É sempre assim: desviemo-nos do supérfluo, o essencial
permanecerá. Após destrinça, ficam as leituras de poemas de Alexandre O´Neill, Sophia, Ruy Belo, José Miguel
Silva, Karmelo C. Iribaren, Leonardo, Marta Chaves, João Habitualmente, Joaquim Castro Caldas,
Emanuel Félix, Rui Duarte Rodrigues, João Paulo Esteves da Silva, o recém
desaparecido Herberto Hélder, entre tantos outros, lidos nas noites de poesia da Tascà. Segundo, as coisas boas do ensaio literário que me vieram ter às
mãos: os livros de Alberto Manguel, deliciosos de ler, sorver, assim
mesmo quando o prazer inicial da leitura se renova, ou ainda a curiosidade por
ler e ouvir o filósofo esloveno, Slavoj Žižek. Pelo lado dos ouvidos, a música, cada vez mais sons em palco e em escuta: a dupla Medeiros/Lucas no Teatro Faialense, dois
príncipes da Atlântida que compuseram um “Navio” lindíssimo de ver ao vivo ou a
ouvir enquanto se olha o mar. A presença de Zeca Medeiros na
escola, os concertos na sede do Sporting da Horta e as respectivas recensões
semanais para o Múma - Música em Março, no Tribuna das Ilhas, Ilha do Faial.
Ainda o maravilhoso concerto de Mbye Ebrima na Academia das Artes, em Ponta Delgada , Ilha
de São Miguel. E também a audição da música de Dan Bejar,
vocalista dos Destroyer, Selah Sue, Rodrigo Amarante e o surpreendente Benjamin
Clementine. A publicação de dois poemas no Capítulos B, uma colectânea de
poesia organizada pelo Luís Andrade com poetas a residir nos Açores. Os poemas eleitos para constar da súmula foram: “Uma
Mulher em Férias é Bonita” e “A Melancia no Feno da Páscoa”. Este foi o ano em
que voltamos a apresentar três capítulos (Ginecomagia, Tarantoterapia e Enomátria) das “Charlas Quotidianas do
Doutor Mara”, postos nas tábuas do “palco” do Auditório ao Ar Livre da
Biblioteca Municipal da Horta com as interpretações de Tiago Vouga e Aurora
Ribeiro, replicando a representação por mais duas vezes para uma audiência de
150 pessoas. Foi também o tempo em que o cinema regressou ao ecrã do computador ou à televisão, por isso recorde-se "Nebraska", de Alexander Payne, "The Kid", de Charlie Chaplin, "Sinédoque - Nova Iorque", de Charlie Kaufman ou a curta-metragem "O Triângulo Dourado", de Miguel Clara Vasconcelos. Deve-se também guardar na memórias as viagens e as paisagens do Vale das Furnas, em São Miguel, o Vulcão dos Capelinhos e a Baía
de Porto Pim, na Ilha do Faial, e a Fajã Grande, na Ilha das Flores. Por último, o maravilhoso jardim António Borges, em Ponta Delgada, que
o funcionário Paulinho me deu a conhecer nas suas árvores mais do que
centenárias, frondosas e vistosas – jacarandás, plátanos araucárias, bambu preto da China, figueiras australianas, eucalipto-limão, entre tantas outras. Tudo o resto é do domínio do indizível. Um feliz 2016!
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Prémio Melhor Biobibliografia do Ano
"Num livro
repleto de pormenores tão deliciosos quão arriscados, o jovem poeta Leonardo
(n. 1993, Ponta Delgada) resolveu incluir uma bio-biliografia [algum motor]
onde cabem amigos, leituras, influências culturais de ordem diversa. Tem tanto
de bibliográfico como de agradecimento, este momento mor que termina assim: «as
ruínas da casa primeira, o cavaleiro do apocalipse que regressa / ao império em
chamas, mãe / e demais amigos e entidades e gratidões e artes e perícias e
equívocos, / cegos, reordenados, parafraseados, orbitando, noite: / oxi oxi, eu
bem sei que erro // (2013-2015) // ab imo pectore, // leonardo». A edição de
âmbula [: pés, punhos, tórax: manicómio/manicórdio] (Outubro de 2015) coube à
Companhia das Ilhas. Só ficamos a saber quem é o autor quando chegamos ao fim.
Bom e estranho livro."
Henrique Bento Fialho
Daqui http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
Pela Tardinha...
"Pela tardinha, reunimo-nos e passeamos pela cidade, procurando os caminhos em que a cidade não nos atropela nem oprime. Entramos amiúde num café, porque nos cafés livramo-nos e escondemo-nos um pouco do injusto e do precário. Destino que nos persegue em casa e na rua. Se nos tempos de Caim tivesse havido um café discreto e dissimulado como estes que a gente escolhe, ter-se-ia até podido esconder olhar daquele olho tão implacável."
Ramon Gomez de La Serna
sábado, 26 de dezembro de 2015
O Dia Mais Curto pelo 9500 Cineclube
"CÓDIGO POSTAL -A2053N" de Pepe Brix |
"Raimundo" de Paulo Abreu |
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
Aguda Melancolia
Quando visível em diagnóstico
a aguda melancolia
Foste tu, declarante, a decifrar
em sinal de comovente provocação
o riso frágil e o cigarro posicionado
eras o rosto, o indicativo prenúncio
enquanto porto de abrigo da denúncia
Esfinge em mágoa pronunciada
laço de elevada satisfação adquirida
talvez do domínio da química
o teu lenço e a dúvida a saber
porque partem as cigarras em silêncio
quando lamentas a ausência de calor?
sábado, 19 de dezembro de 2015
Um dia para comer e beber em PDL
O dia começa cedo em Ponta Delgada e, ao cimo da bonita rua D´Agoa, fica o
Café “3/4”, antigo Caziff, especialista em diferentes tipos de comidas ligeiras
e sopas, sendo os pequenos-almoços recheados de bolos lêvedos, compotas, e
outras iguarias que propiciam conversas saborosas e demoradas. Algum tempo mais
tarde, procurar-se-á no centro da cidade um circuito de restaurantes mais
sugestivo quando a fome ou a sede apertam. É uma cidade que só terá a ganhar se
for cultivado o requinte e a diversidade gastronómica, podendo-se mesmo afirmar
que granjeará bons clientes se houver de tudo e para diferentes gostos. Há,
portanto, uma mediana oferta, ainda que variada, com várias opções para
diferentes carteiras bem ou mal recheadas. O roteiro para o almoço pode ser
inicialmente confirmado com uma ida ao Restaurante “Mané Cigano”, lugar
tradicionalmente composto por pratos de peixe e com um ambiente bastante
intergeracional e popular, no seu lado mais justo do termo. Da sua oferta
gastronómica reina o prato de chicharros fritos, mas é essencial provar o polvo
guisado ou o bonito. A acompanhar, como sobremesa, deve-se comer uma queijada da Graciosa. Uma visita de seguida ao jardim António Borges, composto
por uma grande diversidade de árvores centenárias, poderá ser útil para alargar
os conhecimentos de botânica e abrir o apetite para o que virá a seguir. Se
acertar no dia e, quiser ver um jogo de futebol, especialmente do Sport Lisboa
e Benfica ou do seu clube contra este, aproveitar para conversar, beber,
petiscar e até mesmo cantar em uníssono hinos alusivos ao seu clube de eleição,
esse lugar dá pelo nome de “Travassos”, ali na rua Dr. Guilherme Poças. Um
espaço onde se sente e se vibra com as cores rubras do “Glorioso”, fazendo-se este
imediatamente notar pela variedade de petiscos expostos ao longo de uma mesa. Na
antevisão do jantar e, dado que o dia já foi longo e robusto, o melhor é mesmo
preencher o estômago com uma pizza “Caprese” no restaurante a “Forneria”, um
lugar que, para além da qualidade dos pratos de origem italiana num forno bem
micaelense, recebe os clientes de forma cuidada e atenciosa.
Rua do Colégio: Uma Rua Bonita
Ilustração de Hiomar para artigo publicado na edição do Fazendo 104, intitulado "Rua do Colégio: Uma Rua Bonita".
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Verónica Melo: Arte Salina!
O
Festival de Artesanato “Prenda” iria fechar portas daí a instantes e Celina da Piedade ensaiava com a sua banda os temas musicais para as horas seguintes. E enquanto as
pessoas passavam pelos expositores, os músicos afinavam ritmos e instrumentos
de cordas. As oficinas decorriam a bom ritmo e por ali havia uma cadeira vaga para
escutar o prenúncio das canções bem como distrair quem se encontrava
concentrado a efectuar desenhos e linogravuras, sem ter noção do que se estava
a passar. A oficina resultava em trabalhos finais e, Verónica, que ministrava a
oficina pacientemente, ia incentivando quem chegava a participar, denotando uma
facilidade em tornar as imagens úteis e funcionais para quem se encontrava em
dificuldades ou sem grandes soluções criativas. A oficina terminou e Verónica
não se ficou por ali, pois quis oferecer parte do trabalho a quem por lá estava,
resultando deste modo a curiosidade. Quem é esta artista?
Verónica Melo nasceu na Ilha de São Miguel, em 1990. A
criatividade pertence-lhe e sabia que depois de terminar o seu curso na
Faculdade de Belas Artes, na cidade do Porto, o mundo podia ser possível a meio
do atlântico. Arriscou.Verónica gosta muito do mar e por isso de imediato se pôs a fazer ilustração científica, pois sabe que uma das riquezas das Ilhas dos Açores passa pelo fauna e flora existente. Sendo hoje exequível trabalhar e criar a partir das ilhas
para todo o mundo e para isso basta ter as ferramentas e tecnologia ao seu
alcance. Ela vai tendo, por isso, convites para trabalhos no exterior e continuar a
desenvolver um trabalho constante para “Os Amigos dos Açores” e dar resposta ao que vai aparecendo pela ilha verde, caso do último Walk and Talk em que realizou uma "Oficina de Carimbos". Entretanto, a artista plástica esteve na Louvre Micaelense a dar mostras das
suas gravuras tal como foi fazendo carimbos para “embrulhos” que vão brotando da suas mãos e imaginação. Uma pergunta impõe-se: o que virá a seguir?
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
Fazendo 104
O número 104 do Fazendo que acaba de sair em Dezembro já se encontra online: (https://issuu.com/fazendofazendo)
A edição do boletim cultural, com sede no Faial e distribuição nas Ilhas Terceira, São Miguel e Pico, tem as capas do artista gráfico Gonçalo Cabaça e ainda muitas páginas dedicadas à actividade cultural e científica existente no arquipélago dos Açores. Boas leituras!
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
Ler e Conversar
Está ali sempre sentada. Basta-lhe uma mesa livre e sossegada numa
biblioteca pública sempre actualizada. Ela senta-se e, tal como numa silhueta
próxima das “Meninas”, de Velasquez, fica quieta a ler. Quem a vê, julga que está perante uma imagem muito antiga, parece avistar uma pintura de
um quadro de um século remoto, uma fisionomia singular ou parecença de um vulto
de um outro tempo. Não que ela queira ser avistada, ou que use as leituras para
se afirmar, mas sim porque aquelas leituras são o sinal da sua existência, a sua
vitalidade enquanto ser pensante, existente. É como se ela estivesse ali a cumprir uma função, por vezes
parece incumbida de uma missão ou no alcance de um desígnio maior para uma vida
rica e sábia. Vê-la ali a ler é
deveras um privilégio, pois são raras imagens com esta força, com esta subtil
presença. Uma leitora ávida numa biblioteca, só pelo gosto, pelo prazer de ler. Não há
bolsas para leitores mas, depois de vê-la tantas vezes a ler, bem que podiam
muito bem existir e que ninguém levaria a mal se ela a tivesse, se ela pedisse. Ela lê mais que
qualquer um de nós, ela já leu o que nós nem sonharíamos alguma vez ler e por isso
devíamos ter orgulho nisso. Nós, pobres leitores. Esta leitora lê tudo: jornais, livros, revistas,
boletins, anúncios e o que mais houver para ler. A esta leitora tudo lhe
interessa e por isso a vida continua, mesmo que o tempo ou a juventude arrogante diga o contrário. Descobrir
assim uma leitora é reviver o prazer inicial da leitura. A curiosidade não tem
fim. Esta leitora lê em silêncio, a maior parte das vezes numa mesa sozinha, com
os seus apontamentos, as suas notas, os seus provérbios, os seus pensamentos, a leitura em modo voraz. Tem nome de
flor e os seus cabelos parecem ondas de mar revolto, agitado, num rosto cavo,
frágil e umas feições que acusam o passar do tempo. As suas rugas contam muitas vidas, muitas histórias. Ela foi professora a vida inteira, daí que não possa perder tempo
com minudências, com coisas sem importância. Ela diz mesmo: “O que eu gosto
mesmo: ler e conversar”. Sem mais.
Mbye Ebrima: a Kora Inebriante!
Acabou
Novembro, findou musicalmente da melhor maneira. E com ele foi tanta música
pelo espaço sideral embora, bastou por isso ver o músico gambiano, Mbye Ebrima,
a tocar a sua Kora na Academia das Artes no Festival “O Mundo Aqui”, organizado
pela AIPA. É bom, maravilhoso até, comer as comidas de países com gentes que
vivem e trabalham por cá. É mesmo muito bom, desfrutar da cachupa, do sushi, da
chamussa, beber um grogue, provar uma caipirinha, degustar uma sobremesa como o
bolo de coco ou uma cocada, saborear tanta gastronomia variada. Sabe bem, sabe
sim senhor. Apreciar a mistura, reconhecer a nossa história comum, as
diferenças que ainda existem e que em estado harmónico progridem. Conceber,
portanto, essa hipótese de um património conjunto. Ao mesmo tempo viajar com os
maravilhosos sons extraídos da kora de Mbye Ebrima, sempre com o seu riso, a
sua altura e figura esfíngica, os seus apelos à paz e ao amor, juntando com ele
no final Alexandre Gualdino, músico cabo-verdiano, sabendo que aquele momento
terá sido único, para mais tarde recordar, ainda que preparando o espaço e o
tempo para a doçura cálida do canto de Vânia Dilac, com nova companhia e visual.
Esta é a mistura que une, não a guerra, a música que é arte e que é fértil, que
fecunda a esperança de um mundo outro, possível na sua diferença e diversidade,
expressa por países e lugares tão distintos – Cabo Verde, Brasil, Moçambique,
Portugal, Açores - enfim, a memória e a liberdade de um entendimento possível
pelo canto e pela barriga. Assim seja.
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Dario Fo pelo Teatro de Giz
Um bairro que se revolta; uma
casa de operários que desencolhe à medida que se expande a consciência
colectiva dos seus moradores; uma comunidade que recusa a injustiça da pobreza
e compreende a força da sua união.
Uma sala de teatro pode ser palco
de uma revolução? A interrogação pode ser o motor da mudança, sim, e é essa a
proposta do Teatro de Giz neste seu regresso aos palcos. Luciano Amarelo, o
encenador convidado para nos ajudar a construir esta nova produção, criou uma
espécie de jogo de espelhos que reflectem (sobre) a realidade do nosso País, da
Europa e do Mundo; uma realidade que vem da rua, que por sua vez invade o
teatro, que por sua vez está também na rua. Não se Paga!, Não se Paga!, o texto
original de Dario Fo a partir do qual nasce este novo trabalho do Teatro de
Giz, mantém-se actualíssimo - apesar de ter sido escrito há mais de quarenta
anos -, tanto na ambição de defender os mais frágeis da sociedade como na
lucidez de o fazer através da comédia. Porque o riso, como disse o próprio
Dario Fo, liberta o homem do medo.
Texto pelo Teatro de Giz, Ilha do Faial.
"O riso. Sempre o riso. Quando uma criança nasce, os pais não descansam até conseguirem provocar-lhe o riso, fazendo-lhe caretas. Porquê? Porque o momento em que ela ri significa que a inteligência nasceu. Significa que ela soube distinguir o verdadeiro do falso, o real do imaginário, a careta da ameaça. Significa que ela soube ver para além da máscara. O riso liberta o homem do medo. Todos os obscurantismos, todos os sistemas ditatoriais se alicerçam no medo. Assim, toca a rir!" - Excerto da uma entrevista de Dario Fo ao L'Express, em 2006.
terça-feira, 17 de novembro de 2015
Sala de Embarque
Rapariga Aluada: Eu gosto tanto de olhar pelas janelas do avião. As nuvens parecem-me farrapos brancos a voar pelo céu. E todas elas têm nomes curiosos, há a cumulus, a congestus, a Cumulonimbus, a Stratocumulus, a Nimbostratus, a Altocumulus, a Cirrus, a Cirrocumulus...
segunda-feira, 16 de novembro de 2015
sábado, 14 de novembro de 2015
Resposta a Janeiro Alves no Mês das Castanhas
Caro Janeiro Alves,
Escrevo-lhe de
uma nuvem de sonho em que estou imerso, por sinal de seu nome: Altocumulus. Ultimamente só frequento
nuvens e, como é do seu conhecimento, chafaricas urbanas de grande nível. É por
lá que me vou alimentando de sopas de alho francês e me dou ao trabalho de dar
duas ou três de conversa antes de regressar novamente ao meu estado nefelibata.
Recebi a sua
missiva com muito agrado e pertinência. Esta foi-me lida em voz alta pela minha
mui amiga Miriam Manaia enquanto me amaciava os pés com água bem quente
polvilhada pela erva-dormideira. Fico deveras admirado com tanta verborreia da
sua parte que a meio da sua epístola encravei uma unha na frincha da bacia e
tive de retirar o dedo mindinho com um alicate. Isto só possível após o
relaxamento do músculo e da polpa do dedo dado ter ficado petrificado com o seu
discurso. Tenho, sem dúvida, plena consciência que face ao momento crítico e
caótico que estamos a atravessar são necessários homens rijos e valentes. No
entanto, há muito que a comunidade de sábios da numerologia não conta comigo
para decifrar os mistérios da alta finança e do bolo-rei. Tenho muita pena,
portanto.
Permita-me que
lhe demonstre a minha total disponibilidade para esse nosso encontro há muito
aguardado, responsabilizando-me pelo transporte dos dossiers do célere e
afamado Congresso da Fajã bem como levarei comigo moedas de um cêntimo para o
crónico jogo da moeda. É possível que inicialmente não me consiga reconhecer
pois faço questão de me apresentar de túnica helénica e de óculos de mergulho,
já para não falar que irei com a cabeleira do Mancha. A palavra de código será –
Darandina!
Saúdo,
portanto, o meu caro amigo com um copo de tinto – palavra que em sânscrito significava
amado – e revelo assim a minha
sensação ilusória de felicidade momentânea que aguardo em breve podê-la
partilhar consigo.
Com as
respectivas saudações marianas,
Doutor Mara
(Embora Tenha o Sol...)
Embora tenha o sol para me alumiar
e a lua e as estrelas depois do sol se pôr
sem a luz dos teus olhos negros
é sempre negra a noite em meu redor.
Bhartrhari, Índia, séc. V. d.c
(Tradução de Jorge Sousa Braga)
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
O Beijo
Um rapaz beijou-me ontem à tarde
E o seu beijo era um vinho perfumado
Tão longamente bebi nesses lábios o vinho do amor
que ainda agora me sinto embriagado
Anónimo, Grécia, Séc. I a.c
Tradução de Jorge Sousa Braga.
E o seu beijo era um vinho perfumado
Tão longamente bebi nesses lábios o vinho do amor
que ainda agora me sinto embriagado
Anónimo, Grécia, Séc. I a.c
Tradução de Jorge Sousa Braga.
Rapariga Seduzida
Embalou-me - eu era tão inocente -
com vinho e palavras de amor
e todas as juras. Ao acordar
qual não foi a minha surpresa
A seda que cobria os meus seios e o ventre
desaparecera e com ela a minha pureza
Deusa lembra-te que estávamos sós
e ele era forte - e eu tão indefesa
Hedylos, Grécia, séc. II. A.C
Tradução de Jorge Sousa Braga.
com vinho e palavras de amor
e todas as juras. Ao acordar
qual não foi a minha surpresa
A seda que cobria os meus seios e o ventre
desaparecera e com ela a minha pureza
Deusa lembra-te que estávamos sós
e ele era forte - e eu tão indefesa
Hedylos, Grécia, séc. II. A.C
Tradução de Jorge Sousa Braga.
Da Poesia...
"A poesia não oferece respostas, a poesia não
pode apagar o sofrimento, a poesia não trará um ser amado de volta à vida, a
poesia não protege do mal, a poesia não nos vinga as vítimas nem castiga os que
as vitimam. Tudo o que a poesia pode fazer, e só quando as estrelas são
caridosas, é emprestar palavras às nossas perguntas, ecoar o nosso sofrimento,
ajuda-nos a recordar os mortos, nomear as obras do mal, ensina-nos a reflectir
acerca das consequências da vingança e dos castigos, e também da bondade, mesmo
quando essa bondade já não existe. Uma velha oração judaica recorda-nos
humildemente: “Senhor, retira a pedra do meio do caminho, para que o ladrão não
tropece durante a noite.”
in Uma História da Curiosidade, Alberto Manguel, edições Tinta da China, 2015.
domingo, 8 de novembro de 2015
Escrever versos...
Escrever versos é um acelerador extraordinário de consciência, do pensamento, da compreensão do universo. Quem experimentou uma vez essa aceleração, nunca mais será capaz de recusar a possibilidade de repetir essa experiência; torna-se dependente do processo, como outros se tornam dependentes da droga ou do álcool. Aquele que verifica que está dependente da língua é, creio, o que se chama um poeta."
Joseph Brodsky
sábado, 7 de novembro de 2015
Orpheu por Armando Cortes-Rodrigues
"Conheci Fernando Pessoa quando cheguei a Lisboa para frequentar o antigo curso superior de Letras. Já não sei quem me apresentou no Chiado, como poeta das ilhas. O traço comum da poesia e a simpatia acolhedora de Pessoa iniciaram uma amizade cada vez mais última, durante cinco anos de convívio.
Todos os dias me encontrava com Pessoa sempre depois das aulas e à noite depois das aulas, a princípio na Brasileira do Chiado e depois no Rossio.
Pessoa tinha um grupo de amigos e admiradores que abancavam à mesma mesa do café. Dessas conversas nasceu o movimento do Orpheu e a possibilidade daquela revista, da qual saíram apenas dois números."
Manuscrito de Armando Côrtes-Rodrigues escrito em Ponta Delgada por altura do 30ºAniversário da publicação da Revista Orpheu. Junho 1945.
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
Uma Epístola de Janeiro Alves no Cair da Cacimba....
Caro Dr. Mara,
Os meus dias mais recentes têm-se revestido de uma
certa e determinada preocupação. Preocupação com o estado das coisas, e
preocupação com o facto de não saber de si para as resolver. Nem de si nem do
seu paradeiro. A única pista relevante foi-me dada por um transeunte comum e
incaracterístico que me confidenciou ter visto o seu paradeiro de soslaio numa
chafarica urbana.
Essa sua ausência certamente catártica tem-me causado
algum transtorno, pois como sabe há muito que conto com a sua diligência e até
esperteza na aplicação de métodos de trabalho com vista à implementação do
nosso projecto futurista. Confiei nas suas mãos os mais engenhosos, invulgares
e até pouco ortodoxos planos de instalação de novas consciências para a
transformação colectiva. Trouxe até si toda a filosofia reformadora que o
subtraiu ao mundo das trevas onde estava afundado há anos e lhe permitiu
vislumbrar o brilho cintilante e cristalino da luz do conhecimento. Fui tantas
vezes assistência da sua oratória ensaísta, aplaudindo-o e aclamando-o de pé à
boa maneira Vienense, depois de horas e horas de retórica sobre ideias ainda
pouco consistentes. Apliquei-lhe os mais diversos correctivos de índole
estética, estilística, formal e etílica, em longas noites de trabalho
objectivando o seu crescimento intelectual. E agora desaparece do mapa, sem
dizer ai nem ui, e quando o país mais precisa de si.
Estou renitente quanto à sua saúde mental, sendo
certo que o isolamento forçado potencialmente contribui para a sua debilidade. Pretendo
portanto marcar uma reunião urgente consigo, em que a ordem dos trabalhos será
a seguinte: a) Fazer um balanço das conferências da Fajã; b) Escarnecer e
censurar sem piedade alguns acontecimentos contemporâneos; c) Agendar o nosso
habitual jantar de Natal com os nossos colaboradores internacionais; d) Jogar à
moeda para ver quem paga a conta.
É de toda a conveniência que esta reunião se mantenha
secreta, pois desconfio que neste momento ando a ser alvo de escutas por parte
de ouvintes profissionais ao serviço d’Eles. Proponho então que a mesma se
concretize na cave do Alfa Pendular, junto à Via do Mississípi X, quarta
cavalariça. A data e hora serão a combinar, de preferência antes da reunião
para que a mesma possa suceder.
Ainda que se mantenha no seu refúgio, e ainda que
esse refúgio possa ser imaginário, e ainda que a sua imaginação lhe forneça a
sensação ilusória de felicidade momentânea, estou certo que ao responder a esta
carta que lhe envio, encetará um movimento que poderá vir a dar o contributo
decisivo para a afirmação do seu palmarés.
Janeiro Alves
Lisboa, 4 de Novembro de 2015
terça-feira, 3 de novembro de 2015
FAZENDO 103
António
Pinto Ribeiro aquando da sua presença numa conferência organizada pelo FAZENDO (https://issuu.com/fazendofazendo) na
celebração da centésima edição do Boletim Cultural, em Maio último, comentou
em público que aquilo que mais o tinha impressionado nesta publicação insular era “a
capacidade de todos os anos mudar de figurino, a ousadia de alterar completamente o seu
visual, o seu grafismo”. E é assim que o FAZENDO entra no oitavo ano de
actividade com a mesma postura, de “cara lavada e renovada” e com a máxima curiosidade e
inventividade para continuar a surpreender o público leitor. Nesta nova
apresentação gráfica do jornal, desta feita com a assinatura gráfica de Raquel
Vila Arisa, paginação de Góel e também da Raquel, a direcção continu a ser do Tomás Melo
e da Aurora Ribeiro. O FAZENDO dedicará a mesma atenção à actividade cultural
existente no arquipélago, bem como continuará a
apresentar rubricas ligadas à ciência, insistindo (e bem!) no seu Fazendinho, para
além do REBUS e outros assuntos e temáticas. Deu-se, entretanto, o desaparecimento da entrevista do Morcego, mas permanecerá a entrevista feita pela Sara Soares a
pessoas que habitam por esse mundo fora sobre a geografia e costumes do arquipélago. Boas leituras!
José Fonseca e Costa (1933-2015)
À
semelhança de Fernando Lopes, José Fonseca e Costa foi dos cineastas portugueses
da sua geração que agregou um grande número de amantes e entusiastas à volta dos seus
filmes. Recorde-se assim o poético “O Recado” (1972), o hilariante “Kilas, o
Mau da Fita” ou o fraterno “Cinco Dias, Cinco Noites”. E onde é que se pode
hoje vê-los?
sábado, 31 de outubro de 2015
"Superfície" de Rui Xavier
"À Superfície" de Rui Xavier |
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
"4´33"
Evocação de John Cage a partir de Nils Frahm
Aguentas em silêncio?
As tuas mãos
entre uma nota e a outra
espera mais um pouco
nem uma vulgar medida
ou gesto eloquente ainda
ou gesto eloquente ainda
o teu piano em diante
vibra a melodia irregular
Escuta
vibra a melodia irregular
Escuta
a virtude e a ascese
nos teus dedos foragidos.
Uma Ida ao Louvre…Michaelense!
A Louvre Michalense é já uma lojas representativas do revitalizado centro de Ponta
Delgada, na Ilha de São Miguel. Com o seu estilo tido como antigo ou clássico não deixando, por isso, de
ser visitada com um misto de novidade e curiosidade, perante um passado que é
agora motivo de delicados e saborosos encantamentos. Este renovado espaço
centenário, que já foi chapelaria e loja de tecidos, ocupou o lugar da primeira exposição
do pintor Domingos Rebelo no século passado. Agora é também local de encontro
para pequenos-almoços, lanches e compra de presentes e iguarias de natureza
insular. Há também algo que chama a atenção em cima das mesas: os cadernos
Albo. O nome vem com uma fita escrito como se de um presente se tratasse: Albo
Açores. Está associado ao nascimento do dia, ao começar da vida, inspiração,
certamente, pois são pequenos cadernos cozidos à mão e com a vantagem de serem
todos eles reciclados. Apresentam-se aos nossos olhos com desenhos de pássaros
(tentilhões, estorninhos, garças, etc.). Homenageiam com o seu traço as aves
que frequentam o ar e os céus açorianos bem como os peixes, essencialmente,
chicharros, que se avistam nos mares profundo do Atlântico. Há também cracas desenhadas
para lembrar sabores e mergulhos salinos até ao fundo do mar. Estes cadernos
podem ser avistados, tacteados e levados para casa. Um regalo para os olhos.
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Black Gold
Who Knows Where the Time Goes é cantado neste Black Gold pela Nina Simone. Que voz, que fio de luz aqui vai, parece vir de um túnel que pretendemos nosso...com a saída um pouco mais à frente. É uma canção ao vento, cantada com toda a urgência, talvez com uma dolência maior do que o original de Sandy Denny. E lembro essa indefinição permanente daquilo que é o tempo, esse poder desavindo dos relógios, os desencontros e encontros que o tempo, a passagem deste provoca, o fresco cintilar e pulsar das estações a cada momento que passa. Até que o tempo nos encontre. Ou não.
Forte combustível é o Fogo
Do natural calor, invariável pressão
o gás
a confluência e os elementos
há-de resultar energia
fonte de vida.
Forte combustível é o fogo
A liga metálica conjuga
ferro e carbono,
inevitável fusão,
o aço.
Ativos agentes da resistência,
por subterrânea matéria armazenada,
em forma de bolhas, espasmos,
lava vulcânica acumulada
decorrentes da combustão
e...queimam!
terça-feira, 27 de outubro de 2015
I Never Saw a Philco Fridge
Tu podias viajar comigo na noite
ver como se propaga o ar
não se pode negar a indiferença
enfiaram-te o amor na cabeça
os filmes, os livros e os poemas
que leste
agora vai-te embora com as grafonolas
desampara a loja dos fantasmas da
infância
e não voltes desconfiado
o gelo não se parte,
solidifica ainda mais
solidifica ainda mais
conserva-se para a eternidade
um coração despedaçado não sobrevive
um coração despedaçado não sobrevive
fica desarmado com tanta frieza
Hás-de saber guardar para ti o medo
e o cuidado
a leveza com que desapareces da
fotografia
não sei muito bem onde aprendeste esse
orgulho
esse pequeno ritual do
desprendimento
vale o que vale a saúde e desatinas
uma casa em ruínas e o desapego
uma casa em ruínas e o desapego
quando sofres devagar e logo
adormeces
Repetes o frente a frente
sem nada conseguir expressar
madrugada adentro
até deitar tudo a perder antes da alba nascer
Âmbula chega às Livrarias
O Leonardo, que
também já foi Leonardo Sousa, apresentará amanhã na Livraria Solmar, Ponta Delgada, pelas 18h30,
o seu segundo livro de poemas intitulado Âmbula. Este livro, com fotografia de
capa de Fernando Resendes, tem a chancela da Companhia das Ilhas e surge depois
de “Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida”, editado pelas Letras
Lavadas, em 2013.Pelo que já foi possível avistar em momentos de leitura
improvisada, não é uma súmula de poemas fácil de digerir, tão pouco se gasta numa só
leitura, pois à semelhança do que escreve o poeta: (…)“enfim/é isto que escrevo sussurradamente/ sentado em sítios que não me
pertencem/sabendo/ que se não me levantar destas estações sensíveis/ toda a
minha vida irrefutável e inútil vida será/ ver os outros partir.
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
Um ARQUIPÉLAGO na Ribeira Grande
O
Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas inaugurou no passado dia 16 de
Outubro uma exposição intitulada “Um Horizonte de Proximidades”, permanecendo
aberta ao público até ao dia 28 de Fevereiro. No seu interior e nos diversos espaços
expositivos do Centro é possível efectuar o percurso de trinta oito artistas
bem como apreciar as suas respectivas obras pertencentes
à colecção António Cachola. Para além da diversidade e riqueza de perspectivas
artísticas aqui expostas, é possível percorrer um edifício de rara beleza, com
a imponência de uma estrutura sóbria e os seus diferentes dispositivos bem codificados, abertos assim para receber diferentes tipos e modalidades
da arte contemporânea. Estamos, pois, na presença de um espaço pluridisciplinar,
com múltiplas valências, um serviço educativo em funcionamento, espaço de livraria e biblioteca, e espaços propensos à ocorrência de residências
artísticas. Curiosa também é a proximidade do edifício com o mar e a sua interacção com a luz.
sábado, 24 de outubro de 2015
Da Curiosidade
"Inventamos
histórias para dar forma às nossas perguntas; lemos ou ouvimos histórias para
perceber o que queremos saber. Nos dois lados da folha, somos levados pelo
mesmo impulso questionador, pelas perguntas de quem fez o quê, e porquê, e como, para que possamos, por nossa voz, perguntar a nós próprios o
que é que fazemos, e como e porquê, o que aconteceu quando se faz ou não faz
alguma coisa. Neste sentido, todas as histórias são espelhos do que julgamos
ainda não saber. Se for boa, uma história suscita no seu público tanto o desejo
de saber o que acontece a seguir como o desejo contraditório de que a história
nunca acabe: este duplo vínculo justifica o impulso de contar histórias e
mantém a curiosidade viva."
in Uma História da Curiosidade, Alberto Manguel, edições Tinta da China, 2015.
Postal de Inverno para Miriam Manaia
Querida Miriam Manaia,
Amanhã retoma o horário de Inverno e eu sinto por mim adentro uma rara e obtusa melancolia, aquela coisa acintosa que me faz cair vertiginosamente no silêncio, afastando-me assim da
voragem dos dias e do tempo, impondo deste modo um recolhimento interior que só
terá ecos de si no relançar das folhas e das flores lá para os finais de Março
com o advento da Primavera e da claridade dos dias. O meu ser quedará sombrio e triste, eu
sei, nada a fazer.
Curiosamente, amiga Miriam,
encontro-me na sua cidade, habitando bem perto do solar dos Manaias, por isso
não tardarei a bater-lhe à porta numa destas tardes da invernia onde farei tensões
de me juntar a si enquanto pinta ou
escreve. Ou quem sabe ler os diários do Outono que tenho escrito por aqui.
Deste seu amigo, a frequentar novamente lugares
de pendor natural e bucólico.
Atenciosamente seu,
Doutor Mara
Da Injustiça
As nossas
organizações sociais, no entanto, ainda existem rótulos, requerem catálogos e
estes tornam-se inevitavelmente, hierarquias e sistemas de classe em que alguns
assumem o poder e outros ficam excluídos. Toda a biblioteca tem a sua sombra:
as infindáveis estantes de livros que ninguém escolheu, que ninguém leu, livros
rejeitados, esquecidos, proibidos. E, no entanto, a exclusão de qualquer
assunto da literatura, quer por arbítrio do leitor quer do escritor, é uma
forma de censura inadmissível que degrada a humanidade de todos. Os grupos
ostracizados pelo preconceito podem ser, e geralmente são, postos de parte, mas
não para sempre. A injustiça, como já devíamos ter aprendido, tem um efeito
curioso nas vozes das pessoas. Empresta-lhes potência e clareza, recursos e
originalidade, que são todas elas boas coisas para se ter, se o que se pretende
dor a criação de uma literatura.
in "No Bosque do Espelho", Alberto Manguel, Tinta da China, 2013.
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
A Biblioteca Pública e Arquivo de PDL
A recuperação do antigo Colégio Jesuíta
para Biblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada (projecto desde 1989, e obra
desenvolvida longamente entre 1992 e 2001), é de Carlos Duarte (1926 -). Embora
obtendo uma imagem com pouca visibilidade desde o exterior urbano, o programa
conseguiu incluir uma vasta série de novos espaços e a recuperação de outros,
entre os volumes, as galerias e os pátios existentes.
Este edifício articula-se com o da
igreja, cuja fachada religiosa de expressão
barroca, é a mais impressiva e original da cidade, dentro do gosto
afirmativo e monumentalizante da Ordem. A nave e espaços internos anexos foram
recuperados recentemente para instalação do Museu de Arte Sacra (projecto de
José Cid e Isabel Cid (concluído cerca de 2005).
in Arquitectura Contemporânea dos Açores, de José Manuel Fernandes e Ana Janeiro.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
Ainda estranhamente te espero
Ainda estranhamente te espero
depois do clima, da chuva e do verbo
a ilha, porventura, aguarda o momento
sei que amanhã é já outro dia
virás vestida de azul em demasia
Desse anunciado reencontro
divertida volta na passada
nada de ajuda ou alimento
difícil acreditar no milagre
provável regresso à origem
Sobre “Espelhos Naturais” de António Garcia Guerreiro
Exposição na Biblioteca e Arquivo de Ponta Delgada |
António Garcia Guerreiro apresenta um
conjunto de fotografias à volta do arquipélago açoriano intitulado “Espelhos
Naturais”. O visitante desta curiosa exposição, patente num pequeno compartimento
da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada até Janeiro do
próximo ano, poderá ser surpreendido com fotografias facilmente reconhecíveis - são fotografias realizadas em quase todas as ilhas açorianas - mas expostas de
forma singular e estimulante aos nossos olhos, exigindo tempo e compreensão à
nossa experiência sensorial.
As fotografias de “Espelhos Naturais”
revelam assim um fotógrafo sensível, fascinado pelos cambiantes da paisagem e
entusiasmado pela policromia da natureza das ilhas atlânticas. Neste jogo
implícito de luz e contrastes, já que são fotografias que usam e abusam do
reflexo da água, o jovem fotógrafo – sim, esta é a sua primeira exposição!!! –
apresenta imagens de cima para baixo, fazendo-as rodar os 180 graus, tendo por
objectivo propor e revelar novos detalhes ou outros efeitos pretendidos,
abarcando desta feita as dicotomias: real/irreal, céu/terra, vida/sonho.
Relembrando ainda um literato argentino, Alberto Manguel, este escreveu em “No
Bosque do Espelho”: “Somos criaturas
arrumadas. Desconfiamos do caos. As experiências chegam-nos sem um sistema
reconhecível, sem qualquer razão inteligível, com uma generosidade livre e
cega. E, no entanto, perante todas as provas em contrário, acreditamos na lei e
na ordem.” António Garcia Guerreiro contraria em “Espelhos Naturais” essa
mesma lei e ordem, propondo deste modo um presente para os nossos sentidos,
arriscando-se assim a encontrar beleza no caos e na miríade de reflexos e
estímulos que a natureza em redor nos proporciona. Afinal, o belo pode ser
caótico e desordenado, e, para que isso aconteça, basta estar aberto e, com
absoluta clareza, atento.
Oh as casas as casas as casas
Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
Ruy Belo in Todos os Poemas, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000
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