domingo, 31 de maio de 2020
sábado, 30 de maio de 2020
sexta-feira, 29 de maio de 2020
Um Poema de Ana Paula Inácio
Partir com os barcos
e ferir os dedos
ao puxar das redes.
Mas o sangue, que se confundirá nas malhas, não será
ainda tão significativo como aquele que verterá o peixe
ao cair nelas.
in "As Vinhas do Meu Pai", in Quasi Edições, 2000.
e ferir os dedos
ao puxar das redes.
Mas o sangue, que se confundirá nas malhas, não será
ainda tão significativo como aquele que verterá o peixe
ao cair nelas.
in "As Vinhas do Meu Pai", in Quasi Edições, 2000.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
"Western": um filme de Valeska Grisebach
"Western"
é um filme da cineasta Valeska Grisebach, com ligações à Escola de Cinema de Berlim.
É evidente que o título remete para o género cinematográfico do velho oeste
americano mas o cenário passa-se nas fronteiras do continente europeu.
Esta longa metragem de 2017 viria a obter uma boa recepção pela crítica cinematográfica. "Western" mostra a história de um grupo de
trabalhadores alemães que é incumbido de construir uma central hidroeléctrica numa
aldeia da Bulgária. À parte as dificuldades linguísticas entre o grupo e os
habitantes locais, há aqui também questões de percepção e representações que
ganham contornos antagónicos. Nesse grupo hierárquico bem definido encontra-se Meinhard (Meinhard Neumann), que irá ser o personagem central deste drama sem
tragédia, ora por ser ele quem se avizinha da pequena comunidade ou porque
cedo constatamos que, também ele, é vítima de preconceito e marginalização.
Ele demonstra que por vezes nem é necessário criar muitas ondas ou tão pouco
ser muito exuberante para sentir na pele a rejeição e o desapego do grupo. O momento
final em que este dança com a comunidade local é uma revelação do princípio
libertador da abertura ao outro. Só quem é poroso pode ser fecundo!
«Vidro Azul»
tenho que vos pedir desculpa
se hoje escancarei demasiado
o meu cansaço
não foi fácil
disse o locutor no fim
da emissão
antecipando-se assim
a todos os epílogos
Miguel-Manso, in Santo Subito, Março de 2010
se hoje escancarei demasiado
o meu cansaço
não foi fácil
disse o locutor no fim
da emissão
antecipando-se assim
a todos os epílogos
Miguel-Manso, in Santo Subito, Março de 2010
quarta-feira, 27 de maio de 2020
Pequeno Guia de um Vagabundo Recluso
“(..)O melhor antídoto para a
contenção, a resposta aos moralizadores patenteados, é embarcar numa longa
marcha. Foi o que Thoreau sempre fez – e seu ensaio Walking (caminhada) é
inspirador. Caminhar era também a paixão (do poeta inglês) William Wordswoth
(que aos 70 anos, ainda subia ao Helvelyn, o topo do Lake District no Nordeste
da Inglaterra). Na sua juventude, o realizador Werner Herzog partiu para percorrer
800 quilómetros a pé, de Munique a Paris, até à cabeceira da sua amiga Lotte Eisner,
famosa crítica de cinema. “O turismo é um pecado mortal, mas caminhar é uma
virtude”, diria ele mais tarde.
A marcha não é proibida pelo Centro
de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) nem pelo Governo (norte-americano). É
uma expressão de liberdade absoluta e pode ser praticada sozinha, em total
segurança, perto de casa, ou em solidão fora das cidades. Uma das grandes
vantagens de caminhar é que nos dá tempo para reflectir – sobre as nossas
vidas, o nosso destino, o estado do mundo, e para pôr a nossa mente em ordem. O
preceito latino Solvitur ambulando é o nobre lema do pedestre: “É caminhando
que se encontra a solução.”
Paul
Theroux. in The
Wall Street Journal, publicado em Courier Internacional, Junho 2020.
terça-feira, 26 de maio de 2020
Torpor: Revista Digital
Os
responsáveis pela revista digital são João Paulo Cotrim (editor) e José Teófilo
Duarte (desenho gráfico), para além de uma diversidade alargada de colaboradores
das mais diversas áreas, tais como Alberto Pimenta, Ana Paula Inácio, João Paulo
Esteves da Silva, António Jorge Gonçalves, Nuno Saraiva, Filipe Homem Fonseca, Henrique Manuel Bento-Fialho, João
Fazenda, Sérgio Godinho, entre tantos outros. Podemos encontrá-la aqui: www.torpor.abysmo.pt
Alimentação
"A ciência e o conhecimento podem ajudar a alimentar as pessoas."
Miguel Guimarães, 25 de Maio de 2020.
segunda-feira, 25 de maio de 2020
domingo, 24 de maio de 2020
Poeta
para quem aspira - breve utopia - ao fenómeno
ajuízado da decriação, este texto já vai longo
e o erro será, mais uma vez, continuar
não vale peva o transtorno dos ensaios
tentar perfeições geométricas, filosóficas, de estilo
a vida colocar-nos no devido lugar
a grande lição aprendi-a hoje ao ouvir uma
bem intencionada asserção que resultou num alto
(honestíssimo) deslize idiomático:
"o miguel é pateta" (joão diogo, 4 anos)
Miguel-Manso, in Santo Subito, Lisboa, Março 2010.
ajuízado da decriação, este texto já vai longo
e o erro será, mais uma vez, continuar
não vale peva o transtorno dos ensaios
tentar perfeições geométricas, filosóficas, de estilo
a vida colocar-nos no devido lugar
a grande lição aprendi-a hoje ao ouvir uma
bem intencionada asserção que resultou num alto
(honestíssimo) deslize idiomático:
"o miguel é pateta" (joão diogo, 4 anos)
Miguel-Manso, in Santo Subito, Lisboa, Março 2010.
Sobre a Liberdade de Informar
"Façamos o exercício que perceção teríamos do mundo se apenas tivéssemos como fonte de informação um canal de notícias pró-Trump, como a Fox News? Ou, no outro lado do planeta, se apenas soubéssemos o que se passa todos os dias através das notícias veículadas pelo Diário do Povo, o órgão oficial do Partido Comunista Chinês? Penso que ninguém, com o mínimo de experiência de vida, hesitará na resposta, portanto considerará que, em ambos os casos, receberá sempre uma visão enviesada e parcial dos acontecimentos mais importantes, mas também das pequenas ocorrências, sob comando de quem gere a informação, podem ganhar estatuto de excecionalidade e, com isso, influenciar pensamentos e modos de agir."
sábado, 23 de maio de 2020
Das Ideias
Qualquer ideia revelada desperta outra ideia contrária
Johan Wolfgang Von Goethe (1749-1832)
sexta-feira, 22 de maio de 2020
Maio de Raul Brandão
"(..)Ah sim! Maio, não era? Era de Maio que eu vinha falando?...Já rebentaram as novas fontes e não há valado, carreiro de aldeia onde não cresçam os lírios selvagens, lindas florinhas graciosas e humílimas...As raparigas cortam-nas, enfeitam com elas os cabelos e os seios - e riem, coram, se as olharmos. Só na cidade não há flores. Ontem, ao entardecer, deparei na rua com este caso enternecedor e banal.Nem já se diferenciavam as ressequidas. Uma triste rapariguinha que passava, descalça, de saia rota e cabelos ao vento, aparnhou-as da poeira, sacudia-as e pondo-as ao peito, partiu a cantar numa satisfação imensa, alegre como um pássaro.
Era decerto condão das flores - mas também de Maio que chegou, com a sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra dila-eis agitada e viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem as árvores de roxo, de púrpura, de verde."
Raul Brandão, retirado do livro "A pedra ainda espera dar flor", organização de Vasco Rosa, publicado originalmente em "Brasil-Portugal", Lisboa, 16 de Maio de 1901, pp.125-26. Tb.in "Vimaranense", Guimarães, 5 de Maio de 1917, p.1.
quinta-feira, 21 de maio de 2020
A Nossa Quarentena
"Recorda-me que talvez não seja preciso reestabelecer a loucura das citytrips e das itinerâncias desenfreadas de espectáculos para continuarmos a ser um mundo global, mas também não temos de nos fechar em comunidades isoladas sem contacto com os nossos vizinhos, os que vivem na mesma rua, no país ao lado, ou no próximo continente. Se podemos utilizar utilizar um telefone para vigiar os movimentos, medir a temperatura ou encomendar uma pizza, o mesmo aparelho também nos permite fazer transferências bancárias para amigos em apuros e para contas solidárias, denunciar desigualdades nas redes sociais, ou incluir aplicações que nos permitam regular o aquecimento em casa, e distribuir a energia renovável que captamos dos nossos telhados, como advoga há décadas Jeremy Rifkin, um economista, sociólogo e activista norte-americano, que nem sequer é muito radical.
No momento em que foi decretado o estado de emergência nas condições em que hoje vivemos, oferecemo-nos tudo o que precisamos para uma derradeira mudança. Podemos tornar-nos num Estado mais vigiado, mais autoritário, menos livre, ou podemos relacionarmo-nos de forma diferente com a geografia e com o tempo, perguntando-lhes o que se passa e como podemos seguir juntos a partir daqui.
Temo, no entanto, que nos habituemos à peste, como sempre nos habituamos a tudo. Quando já não parecer obsceno não falar só de saúde, voltaremos a falar de economia, capitalizando a origem grega da sua palavra, oikos, que quer dizer lar, e a pouco e pouco, de forma sorrateira, iniciaremos a recruta de todos aqueles que manterão, não o mundo a comer e a funcionar tecnicamente, mas o sistema que nos levou até aqui. A esta quarentena. A este medo de respirar. Até tudo começar e acabar mais uma vez. Se assim for, poderá ser esta a oportunidade perdida que o nosso planeta nos deu."
Patrícia Portela, in Jornal de Letras, Maio de 2020.
Verso de Maíra Baldaia
Mulher é onda, mulher é vento,
mulher é raiz, mulher é mistério, mulher é tempestade
quarta-feira, 20 de maio de 2020
Dos Problemas
"A causa real da maioria dos nossos grandes problemas está entre a ignorância e a negligência."
Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832)
terça-feira, 19 de maio de 2020
José Cutileiro (1934-2020)
"Hoje, em autocarros de Bruxelas, anúncios exortam-nos a votar para escolher «o governo da Europa». É propaganda mentirosa (o governo da Europa está nas capitais dos países, e não nas instituições de Bruxelas), mas não é só propaganda. Na selva da globalização, nós, os europeus, só nos safaremos unidos. E contra nacionalismos populistas, a União só terá força se os povos sentirem que precisam dela. O caminho passa também pelo Parlamento Europeu, por pouco votado, frívolo, irresponsável e distante que nos pareça hoje.
Perante a concorrência desenfreada e impiedosa do resto do mundo, está-se a descobrir que os ovos afinal não estivessem tão cozidos como isso tudo. A omelete não será baveuse, mas, se não a quisermos comer, morreremos de fome."
(23-05-2014)
in Inventário, Desabafos e digações de um céptico, Publicações Dom Quixote, Fevereiro 2020.
segunda-feira, 18 de maio de 2020
domingo, 17 de maio de 2020
Janela
dedico-me ao poema como um
homem velho se dedica a um vaso
com flores
homem velho se dedica a um vaso
com flores
Miguel-Manso, in Santo Subito, Lisboa, 2010.
sábado, 16 de maio de 2020
A Economia
"O Bacalhau cortou as batatinhas cozidas com cuidado, regou bem com azeite o afonso, tirou-lhe a espinha e dispôs-se a comê-lo rapidamente.
Então o afonso achou que aquilo era abuso e refilou. O Bacalhou, filósofo, explicou-lhe:
-Escuta, Afonso. Actualmente sai muito mais barato comer afonso do que comer bacalhau. E, além disso, nem sequer é necessário renovar a frota bacalhoeira para que os proprietários não tenham prejuízos.
-Vês? Olha, tem paciência...
E comeu-o, a molhar o pãozinho no azeite. Estava bem bom, embora não perdesse nada se tivesse ficado um pouco mais de molho."
Mário-Henrique Leiria, in Obras Completas de Mário-Henrique Leiria, introdução, Organização e Notas de Tania Mastuscelli, edição E-Primatur, Março de 2017.
Então o afonso achou que aquilo era abuso e refilou. O Bacalhou, filósofo, explicou-lhe:
-Escuta, Afonso. Actualmente sai muito mais barato comer afonso do que comer bacalhau. E, além disso, nem sequer é necessário renovar a frota bacalhoeira para que os proprietários não tenham prejuízos.
-Vês? Olha, tem paciência...
E comeu-o, a molhar o pãozinho no azeite. Estava bem bom, embora não perdesse nada se tivesse ficado um pouco mais de molho."
Mário-Henrique Leiria, in Obras Completas de Mário-Henrique Leiria, introdução, Organização e Notas de Tania Mastuscelli, edição E-Primatur, Março de 2017.
Imaginação versus Conhecimento
"Imaginação é mais importante que o conhecimento. Conhecimento auxilia por fora, mas só o amor socorre por dentro. Conhecimento vem, mas a sabedoria tarda."
Albert Einstein (1879-1955)
sexta-feira, 15 de maio de 2020
quinta-feira, 14 de maio de 2020
Para uma Ciência Desassombrada da Viagem
em qualquer lado um lugar
e as mesmas coisas
e as mesmas coisas
Miguel-Manso, in Santo Subito, Lisboa, 2010.
Da Leitura e dos Leitores
"Dir-se-á que
hoje cada vez menos se lê. Não é assim. Há motivos de preocupação, mas não
devemos simplificar. Há excelentes leitores, ao lado dos renitentes. Essa é a
experiência corrente. Conto os exemplos mais diversos, a começar nos leitores
compulsivos, para quem se aplica o que nos diz Marcel Proust, e os pouco
motivados. O meu conselho é sempre de que a leitura do puro prazer não pode
confundir-se com sacrifício. Do que falamos é da leitura que dá gosto e que
permite entender melhor o mundo e a vida…. Ler é um sinal de atenção e de
cuidado. A leitura atenta permite tomar contacto com a cultura e as artes e ter
a informação sobre a realidade que nos cerca – desde a comunidade em que
vivemos às bulas de medicamentos. Temos de ser exigentes. Tanto se salvam vidas
com a leitura motivadora de um poema como com a leitura de boa informação
médica ou cívica. Não há, porém, receita
para criar leitores. Criam-se bons leitores pelo bom uso da língua e de uma
comunicação clara, compreensível, correta e atraente."
Guilherme d´Oliveira Martins, in A Paixão das Ideias, Jornal de Letras, Abril 2020.
quarta-feira, 13 de maio de 2020
terça-feira, 12 de maio de 2020
Da Imaginação
"Em momentos de crise, só a imaginação é mais importante que o conhecimento."
Albert Einstein (1789-1955)
segunda-feira, 11 de maio de 2020
Navio
No porto
deserto
Só́ há́ um navio
Já́ triste e
cansado
O resto é vazio
No velho
costado
O mar
escreveu
Com algas e búzios
O que ele
sofreu
O que ele
passou
Sulcando
oceanos
Cruéis
temporais
Por anos e
anos
Nas horas
sem fim
Por noites e
dias
Das rotas
distantes
E das
calmarias
Navio parado
Em frente do
mar
Que bom é
partir
Que triste
é ficar
Mistério de
longe
Chamando,
chamando
Adeus que me
vou
Deus sabe
até quando.
Armando Côrtes
Rodrigues
sábado, 9 de maio de 2020
Europa, Europa, Europa!
Para quem fez Erasmus na cidade
grega de Salónica há muitos anos, hoje é dia de celebrar a ideia da Europa. A
Europa é uma ideia instigante para comemorar e preparar o futuro. À altura, foi uma experiência única,
irrepetível e vivida de forma intensa que ultrapassou o espaço das
aprendizagens e trocas universitárias ou mesmo o programa de estudos ali existente,
pois houve saberes e competências subtis que não se cingiram à área de estudos académicos. Por isso,
aprenderam-se outras línguas, viajou-se bastante dentro e fora do país em que se
esteve, conheceram-se os hábitos, gostos e sabores alimentares de um país diferente
do nosso, contactou-se com a história e a cultura daquele país de acolhimento, a tal
ponto que se fizeram amizades que perduram ao longo da vida. O projecto
Erasmus pode ser dado como uma boa garantia do melhor que a União Europeia logrou e soube criar neste espaço comum a que todos temos direito. Passaram-se muitos anos e, há,
evidentemente, muitas dúvidas e perplexidades do rumo que está a ser traçado. A União Europeia nem sempre é
coesa, tolerante ou mesmo revele, por vezes, falhas na solidariedade e respeito por algumas das suas democracias ou até mesmo no ritmo de alguns membros da união. Por isso, evocar hoje o programa Erasmus é a garantia e apreço do que poderá ser a identidade
europeia no futuro: tolerante, aberta e
plural. Que haja sempre Europa!
Chamo-te porque tudo está ainda no princípio
Chamo-te porque tudo está
ainda no princípio
Sophia de Mello Breyner Andresen
E suportar é o tempo mais
comprido.
Peço-te que venhas e me
dês a liberdade,
Que um só dos teus
olhares me purifique e acabe.
Há muitas coisas que eu
quero ver.
Peço-te que sejas o
presente.
Peço-te que inundes tudo.
E que o teu reino antes
do tempo venha.
E se derrame sobre a
Terra
Em Primavera feroz precipitado.
Sophia de Mello Breyner Andresen
A Morte da Água
“Um dos passeios que mais gosto de dar é ir
a Esposende ver desaguar o Cávado. Existe lá um bar apropriado para isso. Um
rio é a infância da água. As margens, o leito, tudo a protege. Na foz é que há
a aventura do mar largo. Acabou-se qualquer possível árvore genealógica,
visível no anel do dedo. Acabou-se mesmo qualquer passado. É o convívio com a
distância, com o incomensurável. É o anonimato. E a todo o momento há água que
se lança nessa aventura. Adeus margens verdejantes, adeus pontes, adeus peixes
conhecidos. Agora é o mar salgado, a aventura sem retorno, nem mesmo na maré
cheia. E é em Esposende que eu gosto de assistir, durante horas, a troco de uma
cerveja, à morte de um rio que envelheceu a romper pedras e plantas, que lutou,
que torneou obstáculos. Impossível voltar atrás. Agora é a morte. Ou a vida.”
Ruy Belo in “Todos os Poemas”.
Da Água
"Entrar na água, para mim, é como sentir um beijo em todo o corpo."
Jacques Yves Cousteau (1910-1997)
sexta-feira, 8 de maio de 2020
Maio Azul
Fotografia de Tânia Santos |
O
mês de Maio nos Açores é o momento do ano em que passa por aqui a baleia azul, o maior animal marinho existente nas profundezas do Atlântico. Os
biólogos marinhos asseveram que o fundo do mar das águas açorianas é usado
enquanto “estação de serviço”, benéfico para que as baleias se abasteçam, pouco
tempo antes de rumarem viagem até aos calotes polares. Quem teve um dia a
oportunidade de assistir a esta passagem, à superfície, é certo, e, pelo mais pequeno
instante que seja, sabe o quanto é difícil esquecer tamanho acontecimento e
contentamento visual, guardando para si memórias inolvidáveis.
Por
esta altura, os Açores seriam também a porta de entrada na Europa para milhares
de velejadores e aventureiros do mar. As marinas enchem-se todos os anos de
iates, veleiros, bem como de outro tipo de embarcações em trânsito. Alguns são
mesmo exemplares dignos na arte da construção naval hodierna, para lá das
réplicas de embarcações de séculos anteriores que aproveitam a Primavera para
navegar. Nas marinas avistavam-se marinheiros, iatistas, skippers, que, durante a sua
estadia ou visita, vão deixando pinturas das suas bandeiras nas amuradas ou
passeios, enquanto vão conhecendo os habitantes locais ou relatando as suas
façanhas e aventuras. Há também navios-escola carregados de juventude que
encontra no mar espaço de aprendizagem, ciência ou terapia…ou mesmo com muita esperança
no futuro, como o caso do célebre “Três Hombres”, que todos os anos regressa
para servir de exemplo em ações do comércio justo, mantendo-se fiel ao
transporte de mercadorias ao sabor do vento e das velas.
quinta-feira, 7 de maio de 2020
Do oceano trouxe o mito
do oceano trouxe o mito as tempestades
marés e vento ondinas e sereias
do oceano trouxe a intensa escuridão
da Atlântida diluída em minhas veias
do oceano trouxe garças e procelas
do poeta herdo a angústia que me acorda
do oceano trouxe o ritmo que regressa
sempre ao cais de onde parto a toda a hora
Madalena Férin, in "nove rumores do mar - antologia de poesia açoriana contemporânea", selecção de Eduardo Bettencourt Pinto, edição Institituto Camões Colecção Insularidades, 2000.
marés e vento ondinas e sereias
do oceano trouxe a intensa escuridão
da Atlântida diluída em minhas veias
do oceano trouxe garças e procelas
do poeta herdo a angústia que me acorda
do oceano trouxe o ritmo que regressa
sempre ao cais de onde parto a toda a hora
Madalena Férin, in "nove rumores do mar - antologia de poesia açoriana contemporânea", selecção de Eduardo Bettencourt Pinto, edição Institituto Camões Colecção Insularidades, 2000.
quarta-feira, 6 de maio de 2020
I Know This is So Wrong
I know this is so wrong
Arriscar o sabor daquela porção
Prender o fio sem que este se quebre
Pronunciar idiomas na corda bamba
Esquecer o porvir desse apartar
I know this is so wrong
A luz do cabelo em desassombro
A hipotética vizinhança a florir
Mãos largas na despedida
Mãos largas na despedida
Uma inclinação a despontar
terça-feira, 5 de maio de 2020
Chegou Primavera
“Chegou a Primavera. O vale de
lágrimas que se espraia à frente da minha janela volta ao verde e floresce. A
relva viçosa cobre o chão, esconde lixeiras e a geena transforma-se no vale de
Saron onde crescem, além dos lírios, lilases, rubínias e paulownias.
Sinto uma tristeza de morte mas o
riso alegre das raparigas que brincam, invisíveis, debaixo das árvores, toca-me
o coração e desperta-me para a vida. E a vida corre, e a velhice aproxima-se;
mulher, filhos, lar, tudo foi devastado. Outono por dentro, Primavera por fora.
(...)”
August Strindberg (1849-1912)in “Inferno”, tradução
de Aníbal Fernandes.
"A Herdade": um filme de Tiago Guedes
O
filme “A Herdade”, de Tiago Guedes, acabou de ser exibido na RTP 1, em quatro
episódios. Esta longa metragem teve um enorme impacto aquando da sua estreia,
registando 70 mil espectadores em sala, venceu inclusive um prémio Bisato
d´Oro (Melhor Realização) no Festival de Veneza tal como ainda foi nomeado
enquanto película representante de Portugal nos Óscares do ano passado.
Tiago
Guedes compôs aqui um retrato vivo do Estado Novo até ao Portugal contemporâneo
através de uma família proprietária de um latifúndio a sul do Tejo. O filme incide
sobretudo no final da ditadura, os acontecimentos do pós 25 de Abril até à
normalização europeia, com a entrada na CEE. O realizador contou nessa tarefa
com a colaboração do argumentista Rui Cardoso Martins, sendo que a tessitura
psicológica e dramática das personagens esteve a cargo do realizador. Ressalte-se deste modo a
representação do actor Albano Jerónimo, com trejeitos de galã irascível, ao
interpretar o papel de João Fernandes, o dono da herdade, e que tem o condão de
prender e seduzir o espectador nessa travessia à volta da nossa história recente.
O “dono disto tudo” não poderia ter sido melhor representado num país e num
mundo em transformação, aliás, numa mudança que não teria mais retorno. Curiosamente, a sua
personagem faz muito lembrar outra do cinema português - a de “Tomás Palma Bravo”, obra de Fernando
Lopes/José Cardoso Pires, em o “Delfim”. A acompanhá-lo estão também Sandra
Faleiro (Leonor), Miguel Borges(Joaquim) João Pedro Mamede (Miguel), entre outros, numa
produção de Paulo Branco. “A Herdade” é, pois, um filme suado
e bem trabalhado, com garra e uma banda sonora que cria tensão
suficiente, para lá de uma fotografia que apela a um tempo lento e delicado.
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Como um rio
Releio as tuas cartas
como se fosse verão
e de novo o mundo começasse
nascem dos olhos as palavras
como um rio
à procura do mar que as abrace.
Artur Goulart, in "nove rumores do mar- antologia de poesia açoriana contemporânea", organização de Eduardo Bettencourt Pinto.
como se fosse verão
e de novo o mundo começasse
nascem dos olhos as palavras
como um rio
à procura do mar que as abrace.
Artur Goulart, in "nove rumores do mar- antologia de poesia açoriana contemporânea", organização de Eduardo Bettencourt Pinto.
sábado, 2 de maio de 2020
Dois Poemas de Luís Xarez
deixei-te um bilhete
deixei-te um bilhete
debaixo de uma pedra
como não o leste
deixei-te um bilhete
escrito na pedra
como não o leste
deixei-te um bilhete
escrito na árvore
como não o leste
deixei-te um bilhete
escrito no céu
e sei que nesse dia leste
mas nunca soubeste
nem que era para ti
nem quem era eu
na lua
sempre na lua
dizem-me uns olhos verdes de ciúme
das minhas asas abertas recebeste o luar
olhos onde um dia vi a antecâmara do lume
lume que não a lua mas só o sol pode incendiar
sempre na lua
dizem-me outros com o dedo espetado
acordando-me da forma mais crua
deixei-te um bilhete
debaixo de uma pedra
como não o leste
deixei-te um bilhete
escrito na pedra
como não o leste
deixei-te um bilhete
escrito na árvore
como não o leste
deixei-te um bilhete
escrito no céu
e sei que nesse dia leste
mas nunca soubeste
nem que era para ti
nem quem era eu
na lua
sempre na lua
dizem-me uns olhos verdes de ciúme
das minhas asas abertas recebeste o luar
olhos onde um dia vi a antecâmara do lume
lume que não a lua mas só o sol pode incendiar
sempre na lua
dizem-me outros com o dedo espetado
acordando-me da forma mais crua
in "assim", edição de autor, Dezembro de 2019.
sexta-feira, 1 de maio de 2020
Da Certeza
"A única certeza que tenho é que o meu coração tem de se preparar para o que quer que aí venha. Hoje mais do que nunca é preciso cuidar da minha casa interior. Hoje mais do que nunca é preciso acordar com as andorinhas e esticar o corpo como os gatos para receber o dia. Caminhar pela casa e abrir as janelas. Lavar as mãos, o rosto e cantar mentalmente duas vezes parabéns. Ligar o rádio para ouvir as notícias da manhã. Abrir a porta do quintal para deixar entrar o cheiro do jasmin. Fazer o café, partir o pão e celebrar cada refeição do dia. Dar graças. Fazer as compras para quem precisa e caminhar pelos matos. Hoje mais do que nunca é preciso apanhar funcho, acelgas, mantrasto e, no regresso a casa, limpar, arrumar, lavar, deitar fora, organizar. Enfrentar o desorganizado escritório e arrumar os livros. Limpar o pó. Dividir autores, alfabetar, escrever, ler...reler. Descobrir o que nunca se leu. Esvaziar caixas. Arrumar estantes. Conseguir enganar o caos interior. Ser verbo e gerir esta inquietação surda."
Cristina Taquelim, in Diário da Quarentena, Jornal Público, 18 de Abril de 2020.
"-O que é a liberdade nas circunstâncias que estamos a viver hoje?
-Para nós, burgueses que podemos estar confinados, é simples: acordar, lavar corpo e casa, ler, discutir, pensar, contrapor, falar com os outros por todos os modos possíveis, dormir. Mas somos poucos. Para a imensa maioria não é nada. Nem nunca foi."
Jorge Silva Melo in "PVEC", Casa da Achada, Abril 2020.
Jorge Silva Melo in "PVEC", Casa da Achada, Abril 2020.
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